sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Caçador da Vida

Confesso que não li o livro “O caçador de Pipas” por um preconceito de que best-sellers geralmente não são livros bons (pelo menos para maioria dos autores essa idéia realmente funciona). No entanto assisti ao filme, e agora quero muito ler o livro.

Não desejo aqui comentar as muitas reflexões que a história desse livro pode suscitar, nem mesmo fazer um resumo comentado do filme. Porém, gostaria apenas de comentar uma cena (das várias) que me incomodou.

O personagem principal, Amir Jan, chega até um orfanato em Cabul, capital do Afeganistão dominada pelos Talibãs (grupo político-religioso formado por radicais islâmicos), a procura do sobrinho que teve sua família morta. Ao encontrar o chefe do orfanato, este lhe diz que entregou seu sobrinho a um dos chefes radicais Talibãs que é um pedófilo e abusador de crianças. Amir Jan se revolta e acusa o dono do orfanato de não cumprir o seu dever em proteger aquelas crianças. É justamente na resposta do dono do orfanato que reside à grandeza dessa cena. Não saberia agora reproduzir literalmente sua fala, mas seria mais ou menos assim:

­- Esse homem me dá dinheiro, mesmo que pouco, para levar uma criança. Se eu não entregar uma criança, ele então leva dez. Vendi todos os meus bens para fazer esse orfanato, tenho família no Paquistão, mas escolhi viver nesse inferno para ajudar essas crianças. Todo o misero dinheiro que recebo pela “venda” da criança, é usado para comprar comida para as restantes, não fico com nada para mim. Sacrifico uma em favor das outras. E que Deus me julgue caso esteja errado.

O que dizer diante de uma frase como essa? Qual postura poderia ser melhor do que o mais constrangedor silêncio? Todas as estruturas morais, todos os “princípios”, toda noção de “certo e errado” perde-se quando o “bem” está em jogo. São situações como essa que revelam que o amor e a bondade estão muito acima das nossas construções teóricas sobre o bom viver.

Situações como essa apenas revelam o quanto nossos princípios religiosos não funcionam diante da “santidade misteriosa” da vida, e que Deus pode revelar ao nosso coração coisas que estão acima daquilo que os “profetas” afirmaram ser “vontade de Deus”. Qual é a verdadeira vontade de Deus? Essa não seria a pergunta mais natural quando tudo aquilo que achamos conhecer como sendo essa vontade se perde diante dos horrores da vida.

A fala fictícia (não tanto) do dono do orfanato apenas confirma aquilo que muitos já disseram e ainda clamam: É preciso reencontrar o Deus que faz sentido na vida real, mesmo sendo essa vida sem sentido, para poder transformamos a nossa vida. Um Deus que não empurra princípios que precisem funcionar no nosso cotidiano, mas que ajude-nos a entender qual é o principio que podemos fazer surgir do contexto em que vivemos.

Qual era o princípio do dono do orfanato: A própria vida daquelas crianças. A vida que triunfa sobre a religião, sobre a “vontade de Deus”.

Não quero mais saber qual é a vontade de Deus, pois essa é a pergunta mais perigosa que alguém pode fazer a outro. Perguntar pela vontade de Deus implica na busca em compreender o que é certo e errado, o bem e o mal, e essa curiosidade “matou o homem”. Quero entender a vida, e de que forma posso servir a Deus nela, sem regras, sem muletas, com o olhar de quem descobre um novo mundo.

Quero novos ventos, novos tempos. Como conseguir isso? Daqui pra frente já não sei escrever.

domingo, 3 de agosto de 2008

Ausência

Aos meus queridos que visitam este humilde blog, eu gostaria imensamente de pedir DESCULPAS pela ausencia de textos postados por mim aqui. Estou num momento de correria, fazendo uma monografia, dando aula, procurando emprego e trabalhando na igreja. Nao tem sido fácil, mas espero muito poder estar mais livre nos próximos meses.

Logo estarei aparecendo,

Bom dia a todos!!!

segunda-feira, 23 de junho de 2008

ANANIAS E SAFIRA: UM MEMORIAL A FALSA PIEDADE (ATOS 4:32-37 E 5:1-11)

Mensagem pregada dia 22/06/2008 lá na Betesda de Messejana, para quem quiser conferir:



Para Lucas, a comunidade dos sonhos era aquela onde a pobreza fosse extirpada a todo custo. Ele possui uma forte crítica, tanto no seu evangelho, como também no livro de Atos, a toda e qualquer concentração de riqueza, pois ela sempre acarreta no empobrecimento e na exploração dos desprovidos de seu próprio sustento.

Deus é “deus dos pobres” em Lucas, e é justamente dos pobres (esqueça os pobres de espírito, pois isso está apenas em Mateus) a pertença do Reino de Deus. Sendo assim, a comunidade cristã precisa ser necessariamente o local onde o cuidado de Deus com relação ao sustento deve ser mais sentido.

Por isso a realidade da venda de propriedades e a divisão do dinheiro entre todos foi algo que surgiu logo no inicio da Igreja Primitiva, e dentre as razões, estava à questão da volta de Jesus e o seu polêmico ensinamento ao jovem rico.

Porém, a euforia da venda de propriedades trazia em si mesmo problemas maiores do que a questão dos necessitados. E para Lucas esses problemas deviam ser logo combatidos antes que se tornasse um câncer que causasse a morte do corpo de Cristo.

Esses problemas são o foco central da terrível narrativa sobre Ananias e Safira, narrativa essa que causa certo “nó” na garganta de quem a lê. Vejamos qual a intenção de Lucas nesse texto:

1. A comunidade primitiva estava crescendo na unidade, e a unidade nasce quando morre a indiferença com o próximo. O pecado de Ananias e Safira está centrado na total indiferença pela comunidade. Notamos na leitura do texto que a venda não foi motivada por amor aos irmãos que passavam por necessidades. Eles se inseriam no mesmo sentimento de comunhão e unidade, pois em seus corações reinou somente o egoísmo e a indiferença, pecados completamente contrários ao espírito que reinava na igreja primitiva.

2. Ananias e Safira buscavam lucrar para si mesmos uma falsa imagem originaria de uma falsa piedade. Eles são contrastados com Barnabé, o qual Lucas ser reconhecido entre os apóstolos e que gozava de certo prestígio. Porém, Barnabé era movido pela necessidade de consolar os necessitados, por isso seu nome significa filho da Consolação. Mas Ananias e Safira são movidos somente pela necessidade de se alto promoverem perante os apóstolos demonstrando uma falsa devoção. A busca de reconhecimento sem o menor sacrifício, a busca por construir uma imagem perante a igreja que não era a verdadeira, escondendo por detrás todo o amor ao dinheiro.

3. Sendo assim, doando muito ou pouco, seja sempre você mesmo e faça para Deus tudo em verdade. Você não precisa ser igual a todo mundo. Ananias e Safira não precisavam ser iguais a Barnabé para serem amados por Deus e pelos apóstolos, eles não precisavam ser iguais ao restante dos ricos que doavam suas coisas. Eles precisavam ser apenas eles mesmos. Não use da religião para ser falso e esconder seus pecados.

Mas talvez você ainda pense: a morte não foi um castigo muito severo para Ananias e Safira? A morte de Ananias e Safira não foi um castigo, mas serviu para ser um memorial para todas as gerações de cristãos para informar quanto aos perigos da falsa devoção a Deus. Ananias e Safira tiveram a graça de morrer perante a verdade, e assim foram salvos para que a mentira não os corroesse ao ponto de tornarem-se insensíveis.

A pior desgraça não é morrer como Ananias e Safira morreram diante desse pecado, mas é a morte de toda sensibilidade diante da palavra e da exortação de Deus aos nossos corações, clamando para que a abandonemos a mentira e falsa imagem acerca de quem realmente somos. Muitos Ananias e Safiras circulam em nossas igrejas e eles não possuem a graça de morrer nas mãos de Deus, mas estão como mortos-vivos, acreditando que sua devoção baseada em mentiras está chegando ao coração de Deus.

Ananias e Safira morreram por causa de dinheiro? Não! Morreram antes que tivessem tempo de construir uma falsa imagem de si mesmos. Sejamos hoje sensíveis a voz de Deus nesse texto e morramos para todo sentimento egoísta e arrogante, para todo espírito de auto-promoção, recebendo de Deus a simples graça de sermos apenas nós mesmos.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sou o que sou? - Texto do meu amigo e irmão de fé Italo Colares

Cara, ótimo texto, foi mal mas eu tive vontade de coloca-lo aqui para enriquecer as minhas heresias! rsrsrs


Continue assim, um abraço!


Sou o que sou?


“A Experiência literária é um ritual antropofágico. Antropofagia não é gastronomia. É magia. Come-se o corpo de um morto para se apropriar de suas virtudes. Não é esse o objetivo da eucaristia, ritual antropofágico supremo? Come-se e bebe-se a carne e o sangue de Cristo para se ficar semelhante a ele. Eu mesmo sou o que sou pelos escritores que devorei... E se escrevo, é na esperança de ser devorado pelos meus leitores.” (Alves, Rubem. SE EU PUDESSE VIVER MINHA VIDA NOVAMENTE... – Pág. 17).

Li este livro recentemente e este foi um dos pensamentos que grifei no decorrer da leitura. Como me identifiquei com o que Rubem Alves escreveu, que de certa forma acaba por entregar todos os segredos ocultos que formam aquilo que ele é.

Partindo deste ponto de vista de Rubem Alves, eu ainda proponho correr um pouco mais na frente do que ele. Nós não somos apenas aquilo que lemos. Mas somos aquilo com quem vivemos e com quem nos relacionamos. Ou seja, eu sou o que sou não por apenas pelo que li. Mas sou o que sou devido a pessoas com quem me relacionei; com quem tive paixões ardentes, com quem me entreguei a algum desejo eterno, ou até mesmo com quem tive pouco contato em um curto intervalo de tempo.

Todas as pessoas que passaram por minha vida, tanto as que irão ficar por muito tempo, como aquelas que estão passando apenas por uma temporada, elas formam o que sou, pois suas influências afetam o mais íntimo do meu pensar. Quer um exemplo? Eu te dou um exemplo. Quando começa a chover e eu corro para um abrigo onde posso passar a chuva, não é porque eu não quero me molhar, mais sim porque a minha mãe que está em mim, diz que se eu me molhar irei pegar um resfriado. Outro exemplo? Eu te dou. Quando eu amarro os cadarços toda a vez que eles se desamarram no decorrer do dia, não é porque eu quero ficar elegante, mas na verdade é o meu pai que vive em mim que diz que se eu não amarrar os cadarços ao caminhar irei cair, pois pisarei nos cadarços desamarrados. Ou seja, se faço algo de estranho que dentro de mim eu iria tomar uma medida diferente não é porque eu estou em fase de mudança, mas sim pelas pessoas que estão dentro de mim é que fazem eu não tomar certas atitudes.

Logo toda vez que esbravejo quando sinto alguma injustiça não é porque sou justo, mas a minha irmã que vive dentro de mim faz com que eu tome esta postura. Toda vez que oro quando vou me deitar não é porque sou religioso, mas é porque minha tia Lúcia que vive dentro de mim, faz com que eu ore antes de dormir, pois foi isso que aprendi quando passava as férias em sua casa. Toda vez que leio um livro não é porque eu gosto de ler, mas sim é porque escuto a minha professora da alfabetização (Tia Josidélia) me dizer que leitura faz bem pra alma, mesmo eu não sabendo na época o que era alma. Logo todas as ações que tomamos; todos os sentimentos que temos; todas as nossas reações, não são apenas porque somos assim, mas sim, porque os outros que moram dentro de nós nos impulsionam a sermos assim.

Entendo o que o texto sagrado quer dizer agora: “Eu não vivo mais, mas Cristo vive em mim!” Não é porque o discípulo morreu ou perdeu suas vontades, mas apenas o Cristo que ele conheceu que vive dentro dele faz com que ele tome outras posturas e outras ações.

Então vamos pensar no que estamos colocando dentro das pessoas que estão ao nosso redor. Será que nossas sementes são de paz? De amor? De verdade? Como estamos influenciando aqueles que nos cercam? Será que estamos sendo bem ou mal para as pessoas que adentramos?

Que Deus nos ajude a sermos luzes de paz, que não ofusca, mas que apenas ilumina o caminho daqueles que não têm luz.


Italo Colares

sábado, 24 de maio de 2008

A VOCAÇÃO DE JEREMIAS COMO MODELO (Jr 1)

Primeiramente, para os desavisados, não estou afirmando que no capítulo primeiro do livro do profeta Jeremias está contido a forma como devemos ser vocacionados por Deus. Até mesmo seria loucura criar um “modus operandi” para Deus agir baseado nas narrativas bíblicas.

As histórias bíblicas não possuem a pretensão de padronizar o agir de Deus. Deus não segue padrões a todo o instante, pois ele é adora surpresas e novidades.

Mas existe uma essência dentro da narrativa de Jeremias que permeia todos os demais chamados proféticos da Bíblia e que também deve permear o significado daquilo que hoje chamamos de vocação. Alguns aspectos do “bate-papo” entre Deus e Jeremias revelam as implicações da vocação que às vezes esquecemos ou que nem ao menos damos importância:

· A vocação provinda de uma sensibilidade a voz de Deus (vs. 4). O texto diz que a palavra do Senhor veio a Jeremias. A sensação é completamente diferente do cotidiano de nossas vidas, aonde sempre vamos até a palavra do Senhor. A questão principal é a incapacidade de percebermos o movimento contrario de Deus em nossa direção. Uma espécie de obstrução dos nossos “sentidos espirituais” nos impede de ouvir a palavra, mesmo que estejamos sinceramente buscando a Deus, seja na oração ou na leitura bíblica. Assim, temos uma estranha sensação de que Deus calou-se, apesar de nossos esforços. Porém, o verdadeiro esforço é não fazer nada além do que ouvir a Deus por mais absurda que seja a sua fala. Porque a palavra do Senhor veio a Jeremias? Porque simplesmente seus “sentidos espirituais” estavam abertos a ouvir e crer até mesmo no absurdo chamado de Deus para a vida de uma criança. Um jovem filho de sacerdote, provavelmente um aspirante também ao sacerdócio, teria agora que se levantar contra tudo e todos, inclusive contra tudo aquilo que seu pai defendia, para assim cumprir o chamado de Deus. Isso é no mínimo um grande absurdo, mas Jeremias ouviu a palavra de Deus diante do total absurdo e da difícil missão que lhe aguardava. Acredito que quanto menos reservas nós temos, mais sensível estamos para ouvir a Palavra do Senhor.

· A vocação como um chamado a recriação (vs. 10). A missão de Jeremias consistia em arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e plantar. Note que é um processo gradual e incompleto. Jeremias teria como principal missão levar a palavra de Deus contra tudo o que havia sido estabelecido como missão e religião entre os israelitas. Ele teria que ir contra uma nação e “desconfigurar” todos os falsos conceitos sobre verdade. Ele seria a voz que destoava no meio de um grupo. Ele não deveria ter medo da exclusão e da incompreensão que sofreria, do abandono e dor que todos lhe causariam por defender o absurdo no meio do povo. Ele teria que ir contra tudo aquilo que as pessoas pensavam sobre Deus e suas próprias vidas. Ou seja, Jeremias prepararia o terreno, limparia de toda sujeira e começaria um processo de replantar, de criar nova vida. Interessante é que hoje muitos atacam e tentam destruir os paradigmas religiosos, sociais e políticos, e não duvido que muitos possuam a vocação para isso. Porém, precisamos hoje de vocacionados que possam dar inicio ao processo de recriar vida em meio aos escombros do passado. Edificar é mais importante do que destruir, pois quando velhos paradigmas caem, a sensação de vazio só poderá ser preenchida através pessoas capazes de edificar, de anunciar coisas novas.

· Um vocacionado precisa ser um referencial (vs. 18). Cidade fortificada, muro de bronze e coluna de ferro são símbolos de uma qualidade que deve permear a vida de todo vocacionado: A estabilidade. Não se fala aqui de estabilidade emocional, financeira ou seja lá o que for. Jeremias não era um exemplo de estabilidade emocional. Enfrentou dúvida, depressão, medo e experimentou diversos sentimentos que desestabilizam qualquer pessoa. Em que sentido então Jeremias é estável? Simplesmente na medida em que ele consegue preservar a mensagem de Deus a despeito de todos os ataques que sofrerá por causa dela. Não é fácil pra ninguém ser o único a anunciar desgraça enquanto os demais profetas e religiosos pregam sucesso e prosperidade. Não é fácil ser sempre “do contra”. Carregar a palavra de Deus apesar da incompatibilidade que ela possa trazer, manter o chamado apesar dos argumentos contrários, é um desafio que exige perseverança e estabilidade. Não negociar com a palavra de Deus, para que ela se torne mais aceitável aos outros, é uma característica do verdadeiro vocacionado, pois ele tem a real compreensão de o quanto essa palavra pode curar a sociedade contraria a ela. É na estabilidade, na firmeza da fé e do caráter que o vocacionado é um referencial. A capacidade de não permitir que nada estranho ao chamado de Deus invada o nosso coração é um dom necessário para os nossos atuais profetas.

Muito provável que a nossa vocação não se dê através de raios, trovões, vozes de outro mundo e visões sobrenaturais; pois não é isso a essência da vocação divina para as nossas vidas. Mais do que sinais extraordinários, o chamado de Deus compreende a capacitação de cultivar qualidades como a sensibilidade à vontade de Deus, o desejo de ser um agente recriador da história e a constância na missão mesmo diante dos apelos que nos cercam.

Ao pensar sobre todas essas coisas, percebemos que não há melhor resposta do que a de Jeremias: “... ainda sou uma criança!”

Jorge Luiz

sábado, 17 de maio de 2008

REPENSANDO OS DONS ESPIRITUAIS NOS NOSSOS DIAS (1CO 12: 1-11)

Obs: Esse é o esboço de uma das ultimas mensagens que preguei. Aqui está apenas uma pequena proposta de como podemos recuperar a relevância dos dons para uma espiritualidade que nao é somente sobrenatural e alienada.
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Não é raro ouvirmos entre nós que os dons do Espírito findaram. Não ouvimos profecia, e aqueles que profetizam são alvos da nossa total desconfiança devido às feridas que foram abertas pelas chamadas “profetas”.

Os dons foram supervalorizados como uma espécie de poder mágico concedido pelo Espírito, o que gerou soberba e interpretações errôneas. O que era um dom para servir tornou-se um símbolo de status e de uma pretensa superioridade espiritual.

Os dons foram usados para produzir shows e espetáculos que apenas alimentavam o ego dos líderes religiosos. Transformamos o poder de Deus em um produto empresarial de alta rentabilidade.

Essa super exploração dos dons espirituais levaram ao completo esvaziamento de sentido do mesmo. Nem tudo o que era chamado de cura espiritual era realmente cura. Muito do que chamaram de profecia não passava de especulação. A super exposição dos dons levaram a um completo esvaziamento de sentido dos mesmos.

Mas o ensinamento sobre os dons espirituais é um dos pilares da caminhada cristã. Não podemos ser ignorantes quanto a essa dádiva de Deus. Precisamos resgatar a busca e o desejo pela manifestação do espírito em nosso meio, resgatando assim as próprias raízes espirituais.

Porém não só isso, precisamos também abranger o sentido que os dons espirituais possuem no nosso dia-a-dia. O universo pentecostal limitou os dons a eventos sobrenaturais isolados.

A nossa intenção é mostrar que os dons se manifestam no cotidiano, no simples, no comum, no que é banal. O Espírito não precisa de cenários e orações especiais para que venha se manifestar. Os dons são concedidos para que sejam usados a todo o momento que a igreja precisar.

Vejamos o que Paulo nos ensina sobre os dons:

1. Os dons mostram que o nosso Deus é ativo, que fala ao homem e que se importa com ele (vs. 1-3). A ausência da manifestação espiritual faz com que a igreja perca o referencial prático da vontade de Deus.

2. A prática dos dons traz um sentido de unidade à igreja e a busca pelo bem comum (vs. 4-7). É muito fácil hoje encontrar igrejas perdidas em atividades desconectadas, rivalidades ministeriais, pois o sentido de unidade na obra da Igreja é alcançado quando cultivamos a presença do Espírito.

3. Precisamos cultivar os dons no cotidiano (vs. 8-11). Será que a sabedoria tem estado em nosso meio? Que espécie de conhecimento propagamos em nossas Igrejas? Qual o significado de milagre hoje?

A Palavra de Sabedoria pode ser a capacidade de socorrer com conselhos valiosos vidas que estão perdidas, angustiadas. O que cultiva a sabedoria espiritual pode revelar a igreja os caminhos que conduzem a vida autêntica.

Nos dias atuais estamos abarrotados de conhecimento, porém A palavra do conhecimento é um dom que nos auxilia a cultivar o verdadeiro conhecimento, aquele que edifica vidas e faz a diferença. Aqueles que possuem esse dom devem cultivar o ensino que coopera para o bem da igreja.

O dom da fé deve ser; nos nossos dias, a capacidade de cultivar entre os irmãos a confiança e a esperança naquilo que Deus nos anunciou. Fé como confiança. Aqueles que possuem esse dom servem a igreja como guardiões da memória, para que nossa fé tenha base no que já vivemos e esperança no que virá.

A cura pode alcançar níveis inimagináveis. Quem possui o dom de curar na verdade possui o dom de tornar uma igreja saudável, e isso vai muito além das doenças físicas. Abrange também a capacidade de cultivar relacionamentos sadios, a cura de complexos psicológicos.

O que seria um milagre hoje se não a capacidade de desobstruir a vida de seus piores problemas, aqueles dos quais as pessoas não podem resolver sozinhas. Operar milagres inclui uma dimensão de apoio mútuo que faz “mover as montanhas” que eu sozinho não poderia mover.

Profetizar, muito mais do que revelar o futuro, e mostrar a vontade de Deus como uma parceira na construção do meu futuro. Muito mais do que horóscopo, é a capacidade de não se calar diante do mal e denunciar no meio da igreja aquilo que não está de acordo com a vontade de Deus. A profecia é o despertamento da consciência adormecida pela indiferença.

Sendo assim eu passo a cultivar o discernimento de espírito, ou seja, de intenções que motivam nossas ações coletivas.

Por último, o que seria a variedade de línguas e sua interpretação se não a capacidade de nos tornarmos compreensíveis uns aos outros. Esse dom me leva a pensar na capacidade que a mensagem do evangelho tem de se infiltrar nas mais diversas culturas e ao mesmo tempo ser compreensível a todos. Quando eu interpreto, eu socializo aquilo que Deus tem edificado em mim como verdade.

Conclusão

A ausência da manifestação do Espírito compromete a sobrevivência da Igreja enquanto comunidade. Leva-nos a uma fé mais teórica e egoísta, enquanto que pelos dons cultivamos a prática de um Deus que fala e faz, e também de uma igreja que tem zelo uns pelos outros.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Juventude e Espiritualidade na Era Digital – Algumas considerações sobre o nosso primeiro fórum

Quando surgiu a idéia deste tema para o nosso fórum, minha intenção era pensar as relações entre a nova realidade de vida do jovem e como ela tem afetado a construção de uma nova espiritualidade.

O que quero dizer com isso? Duas coisas bem simples: Primeiro precisamos reconhecer que a humanidade pós-moderna é dependente de todas as tecnologias até agora criadas. Não é mais possível conceber a vida sem o celular, a internet, o computador, o MSN, e todas as outras. Somos reféns daquilo que criamos, e isso é um fato. Já vivemos dependentes de tecnologias que ainda nem foram criadas, como o tratamento com células tronco, que ainda nem existe de fato, mas já é considerada “a última esperança da humanidade” na cura de doenças.

Segundo: estamos todos em busca de uma espiritualidade. O início o século XXI marcou um retorno desesperado para espiritualidade, e dentre as opções está o Cristianismo. Vivemos uma época em que a desilusão com a política, a ciência e outras conquistas humanas é algo real. Elas não supriram a humanidade com o real sentido da existência. A paz torna-se cada vez mais utópica, a pobreza cresce em níveis alarmantes e a sociedade está longe de ser “civilizada”.

Estamos numa encruzilhada: Nos últimos tempos a tecnologia tem influenciado fortemente em nosso estilo de vida, alterando nossos padrões de comportamento, mas não tem contribuído tanto para nos tornarmos mais humanos. Porém, se ela molda nosso comportamento, com certeza ela também molda nossa espiritualidade.

Acredito que esse ponto é extremamente essencial para a compreensão de nossa juventude. Os jovens são os maiores consumidores das novas tecnologias. Eles sempre estão mais abertos para as constantes novidades e são sempre mais “bombardeados” com as milhares de informações que circulam na internet todos os dias. Os jovens das grandes cidades são indivíduos que estão constantemente “plugados”, viciados em tecnologia.

Também sabemos que estes mesmos jovens sentam nos bancos de nossas Igrejas e participam dos cultos. É esta geração que tem dado a cara do novo movimento evangélico em algumas denominações. Porém, eles estão construindo uma nova espiritualidade a partir da realidade em que vivem, e precisamos discernir esses novos tempos.

Alguns traços desta nova “geração digital” são bem perceptíveis:

1. A falta de tempo que é característica da pós-modernidade também é característica do jovem de hoje. Muito cedo eles estão correndo atrás do sucesso profissional e pessoal de forma que sempre lhes falta tempo. Essa falta de tempo acaba sendo desculpa para toda e qualquer ausência social, tipo: há não posso está na igreja durante a semana, não posso também vir no sábado, domingo só de vez em quando. Mas infelizmente tempo para a internet a maioria tem, e por quê? Porque o mundo virtual oferece algo que a vida real não pode dar sempre: Flexibilidade. No mundo virtual você possui completo domínio do tempo, ao clique de um botão. Você supre a falta de tempo com conversas virtuais, estudo a distância, cultos on-line, aconselhamento em bate-papo, e etc...

2. Essa substituição gradativa da vida real pela virtual acaba nos tornando sempre mais individualista. E neste caso, não falo de individualismo no sentido de não se importar com o próximo, mas também na perspectiva de que o jovem acaba por se comportar de forma que a satisfação da vida está apenas nele mesmo e nos relacionamentos a distancia. Vivemos uma cultura do isolamento e da insensibilidade. Não nos tocamos mais, os abraços são mais formais, não conversamos mais “olho no olho”. Reunir um grupo num único local é infinitamente mais difícil do que juntar um grupo numa sala de bate-papo.

3. Sendo assim, os relacionamentos são sempre mais superficiais. Mal conhecemos quem está do outro lado da tela, mas a sensação é que a conversa só flui se for através da janela do MSN. Acredito que sempre quando entramos na internet, é como se assumíssemos um avatar. Avatar é um personagem virtual, de jogos virtuais da internet, como o Second Life (Segunda Vida), onde criamos uma identidade para aquele personagem e nos comportamos de acordo com ela. Ou seja, realmente uma segunda vida. Porém, essa “dupla-personalidade” parece se ramificar para todas as áreas da vida do jovem. Onde fica então a verdadeira amizade? Quais laços profundos podemos criar com alguém que sempre suspeitamos estar mentido para nós? Como seremos verdadeiros se sempre precisamos construir um personagem que geralmente não corresponde com a vida real?

Os jovens que vivem essa realidade são os mesmos que estão sentados nos bancos de nossas igrejas, e eles estão construindo uma espiritualidade a partir dessa realidade:

1. A espiritualidade imediatista é fruto dessa tecnologia. A vida hoje corre numa velocidade provavelmente superior a 1Gb, e isso influi em nosso comportamento religioso. Ficam algumas perguntas: Porque os jovens dificilmente participam de cultos de oração? Onde foram parar as vigílias? Porque a maioria dos jovens detesta ler a Bíblia em grupo e estudar? Existem práticas devocionais no meio da juventude cristã? Quais? Tudo que exija tempo, solitude e tranqüilidade são inadmissíveis para a nova espiritualidade digital. Queremos um culto rápido e empolgante, que mexa com nossos sentimentos. Este culto tem que ser “cosmético”, com um forte apelo à aparência, e de preferência com uma mensagem bem simples para que a maioria consiga entender.

2. O individualismo tem tornado as Igrejas em um amontoado de pessoas que mal se relacionam umas com as outras, o que é diferente de uma comunhão. Relacionamentos rasos geram uma juventude fraca e sem voz, incapaz de mobilizar as estruturas da instituição com a forca que é (ou era) característica do jovem. A “espiritualidade” do isolamento tem sido a marca desse novo movimento cristão, o que a torna inexpressiva principalmente no contexto da essência revolucionária do Evangelho, que nunca se propôs a ser uma mensagem em prol do individualismo, mas da construção de uma nova sociedade chamada Reino de Deus.

A solução não é destruir a internet, pois nela não habita o mal. A solução é repensarmos a forma como utilizamos todas as tecnologias que estão a nossa disposição e como não permitirmos que elas deformem nossa identidade cristã. As mudanças causadas pela internet não podem atingir a essência da vida e da mensagem cristã.

A flexibilidade que alcançamos com a internet pode e deve ser trazida para a espiritualidade real. O alcance que a nova tecnologia traz até mesmo para a difusão da mensagem do evangelho é inimaginável. Paulo, que ousou usar as epístolas para doutrinar as igrejas, provavelmente ficaria maravilhado com o mundo de possibilidades que a internet traz. Porém, a flexibilidade deve se resumir aos métodos, as formas de trabalhar em grupo, mas não com a essência do “comportamento cristão”, que é a comunhão, a união e a convivência. Um bate-papo na internet pode ser uma forma de relacionamento, mas não deve ser a principal ou a única, mas sim um paliativo para momentos em que a presença real esteja impossibilitada.

Se refletirmos, perceberemos com a vida pós-moderna pode afetar a nossa prática de espiritualidade, mas se ouvirmos a palavra de Deus, perceberemos que o chamado não é somente para que a vida “reconfigure” a nossa espiritualidade, mas que o evangelho “formate” a nossa vida.

Não alcançamos respostas práticas, apenas constatamos os problemas. Seria muita pretensão acreditar que um fórum de dois dias chegaria a soluções. Mas eu oro para que essa geração digital possa correr em busca das respostas, e novamente possa construir uma nova espiritualidade mais próxima da realidade do Evangelho.

Obrigado a todos que participaram, ajudaram e torceram por este congresso!

Obs: O 1° Fórum da Juventude Betesda Messejana (JUBEM) ocorreu entre os dias 11 e 12 de abril de 2008 na Igreja Betesda de Messejana, em Fortaleza-CE.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Paciência - Arnaldo Jabor

Ah! Se vendessem paciência nas farmácias e supermercados... Muita gente iria gastar boa parte do salário nessa mercadoria tão rara hoje em dia. Por muito pouco a madame que parece uma 'lady' solta palavrões e berros que lembram as antigas 'trabalhadoras do cais'... E o bem comportado executivo? O 'cavalheiro' se transforma numa 'besta selvagem' no trânsito que ele mesmo ajuda a tumultuar...

Os filhos atrapalham, os idosos incomodam, a voz da vizinha é um tormento, o jeito do chefe é demais para sua cabeça, a esposa virou uma chata, o marido uma 'mala sem alça'. Aquela velha amiga uma 'alça sem mala', o emprego uma tortura, a escola uma chatice. O cinema se arrasta, o teatro nem pensar, até o passeio virou novela.

Outro dia, vi um jovem reclamando que o banco dele pela internet estava demorando a dar o saldo, eu me lembrei da fila dos bancos e balancei a cabeça, inconformado...

Vi uma moça abrindo um e-mail com um texto maravilhoso e ela deletou sem sequer ler o título, dizendo que era longo demais.

Pobres de nós, meninos e meninas sem paciência, sem tempo para a vida, sem tempo para Deus. A paciência está em falta no mercado, e pelo jeito, a paciência sintética dos calmantes está cada vez mais em alta.

Pergunte para alguém, que você saiba que é 'ansioso demais' aonde ele quer chegar? Qual é a finalidade de sua vida? Surpreenda-se com a falta de metas, com o vago de sua resposta. E você? Onde você quer chegar? Está correndo tanto para quê? Por quem? Seu coração vai agüentar? Se você morrer hoje de infarto agudo do miocárdio o mundo vai parar? A empresa que você trabalha vai acabar? As pessoas que você ama vão parar? Será que você conseguiu ler até aqui?

Respire... Acalme-se... O mundo está apenas na sua primeira volta e, com certeza, no final do dia vai completar o seu giro ao redor do sol, com ou sem a sua paciência...

NÃO SOMOS SERES HUMANOS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL... SOMOS SERES ESPIRITUAIS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA HUMANA...

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Onipotência, Milagre e Vida - Ricardo Gondim

Deus é onipotente. Aliás, não crer na onipotência divina seria igual a desacreditar na própria existência de uma divindade – um deus sem poder não é Deus. Milagres acontecem. Não crer em milagres seria igual a desacreditar na possibilidade das ações divinas. – um deus imóvel é um absurdo conceitual.

Deus não só possui todo o poder como nEle se origina tudo o que se entende como poder, capacidade, criatividade. Deus pode fazer qualquer coisa e tem a liberdade de agir como, quando e onde quiser.

Antecipo essas verdades porque procuro discutir a plausibilidade do milagre no cotidiano; quero saber se é possível ter um chão existencial presumindo as intervenções divinas. A partir desses questionamentos, quero perceber se é função do sacerdote ensinar que se organize a vida esperando livramentos divinos.

Realmente não há como negar, a Bíblia contém numerosos exemplos de livramentos, salvações, resgates espetaculares e curas divinas. Para evitá-los seria necessário um enorme exercício de relativização das Escrituras. Porém, algumas perguntas insistem: o sujeito religioso deve conceber a sua existência com expectativa de intervenções sobrenaturais? Deve-se procurar reverter o diagnóstico de uma doença terminal pela oração? Um fiel deve apelar para Deus se quiser ganhar um litígio judicial? Um pastor deve ensinar que a vida só será possível com constantes intervenções de Deus? As pessoas experimentam “upgrades”, levam vantagem sobre os demais, quando obedecem aos mandamentos?

Essas inquietações não negam que Deus tem toda força e pode fazer o impossível. Elas buscam, tão somente, repensar a cosmovisão religiosa que contempla a vida com ingerências do alto; confrontam as lógicas de que homens e mulheres carecem de socorros emergenciais de Deus para que a existência seja minimamente possível.

É função do pastor ajudar as pessoas a viverem com fé, mesmo quando não existe a possibilidade de milagre. Diferente do paganismo, a cosmovisão cristã convoca que se confie em Deus para enfrentar as contingências da vida com coragem. Nesse conceito, fé não antecipa prodígios sobrenaturais. Os cristãos parecem, entretanto, carminhar noutra direção; urge que se resignifique fé.

Fé não se limita a acreditar em acontecimentos extraordinários. Partindo-se da aceitação de que existe um Criador e Controlador do universo, esta verdade é axiomática – e consta em todas as tradições religiosas monoteístas, inclusive as judaicas e islâmicas.

Sempre que se reflete sobre milagre as reações são emotivas. “Deus não pode intervir na vida das pessoas, principalmente, as mais necessitadas?”. Lógico que pode; isso já ficou estabelecido nos dois primeiros parágrafos acima. Deus pode tudo; Ele é o Todo-Poderoso. A questão é se Deus quer que a vida humana se organize com ocasionais intervenções suas. Proponho que não. Ninguém deve viver ou preparar-se para enfrentar o “dia mal” (Efésios 6.13) com expectativa de que virão auxílios sobre-humanos aliviando o sofrimento.

Dois conceitos também precisam constar nessas elaborações: graça e justiça. Graça, muito mais que um jargão teológico é uma descrição do jeito como Deus lida com a humanidade. O amor de Deus é gratuito, universal e unilateralmente derramado sobre todos. Ele abençoa sem exigir méritos; seus afetos independem da qualidade moral ou de práticas religiosas das pessoas. Deus não ama como reação. Também não faz acepção, não discrimina; não premia uns para abandonar outros ao léu; não “elege” uns poucos para voltar as costas para a maioria que nasce como “filhos da ira”.

Portanto, se e quando acontece algum milagre, com certeza não vem como resposta de oração – qualquer mérito anula a graça e as suas intervenções não visam abençoar os “eleitos” – já que não faz acepção de pessoas.

As intervenções divinas, se e quando acontecem, estão ligadas a a um propósito eterno do coração de Deus e as pessoas não têm qualquer ingerência sobre elas - milagres são mistérios.

Fé pode ser compreendida como coragem existencial. No reconhecimento de que a vida é imprevisível, fé aposta nos valores do Evangelho; que suas verdades e princípios são suficientes para enfrentar a vida com tudo o que acontecer de bom ou de ruim. Fé é um convite a confiar no propósito eterno de Deus - Ele quer ter uma família com filhos parecidos com Jesus de Nazaré.

A religiosidade que promove a expectativa de livramentos tem sido responsável por processos de infantilização; homens e mulheres, acreditando que a história ficará diferente com milagres são impedidos de iniciativas transformadoras.

Eu creio em milagres, mas não espero por eles; celebro a onipotência, mas recuso-me a apelar para qualquer força que me dê vantagem sobre os outros; não nego a soberania de Javé, mas não acredito que a vida esteja presa a trilhos inexoráveis; oro, mas não entendo que a função da prece se restrinja a “conseguir mais bênção”.

Fé é aceitar o desafio de viver como ovelha no meio de lobos; enfrentar um mundo cheio de tribulações; "receber bom testemunho, sem, no entanto, receber o que havia sido prometido" (Hebreus 11.39).

“Mesmo não florescendo a figueira, e não havendo uvas nas videiras, mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação” (Habacuque 3.17).

Soli Deo Gloria.

sábado, 5 de abril de 2008

IGREJA À SERVIÇO DA COMUNIDADE

A grande oportunidade de Deus para as nossas vidas como Igreja é a busca por relevância na comunidade onde estamos inseridos. O sentido da fé, da existência da igreja e da proclamação do evangelho se dá quando elas funcionam como instrumentos de transformação de vidas. Enquanto desperdiçamos energia em discussões doutrinárias tolas ou em “profetismos” vazios, pessoas estão em nossas igrejas buscando muito mais do que simples palavras de animo e incentivo. Como já escrevi anteriormente, nossos templos precisam ser centros comunitários, onde a vida em abundancia, com qualidade, se torna mais sagrada que a religião e seus rituais. O Rabino Jonathan Sacks expressa isso de forma marcante no texto que cito de seu livro (Para curar um mundo fraturado, editora Sêfer). Leiamos para refletir:

...Andrew Mawson é um clérigo cristão que transformou uma igreja antiga e decadente de Londres em um dos complexos comunitários mais ativos da Inglaterra: o Bromley-by-Bow Centre. Atualmente o centro mantém 125 atividades semanais em uma área de três acres situada num dos bairros mais pobres da cidade. Elas incluem uma creche, um centro de saúde, programas destinados à família, uma série de projetos ligados às artes e à educação, sete iniciativas comerciais de caráter social e um restaurante.

... Andrew conheceu Sheila (esse não é seu verdadeiro nome) por meio do trabalho (“Qual é seu método para chegar até as pessoas?”, perguntei-lhe certa vez. “Eu ouço as fofocas”, ele me respondeu). Ele estava empenhado em um de seus primeiros projetos, a construção de uma creche, e a creche precisava de uma cozinha. Perguntou ao grupo à sua volta: “Alguma idéia?” Sheila disse: “Eu sempre sonhei em ter meu próprio restaurante.” Na ocasião ela criava um filho sozinha e estava desempregada. “Convide minha esposa e eu para jantar. Vamos ver como você cozinha”, Andrew sugeriu. Foi um bom jantar. Propôs a Sheila: “Vou dar a você uma sala da igreja, de frente para a rua. Nós pediremos aos vizinhos que façam o trabalho de carpintaria. Arrecadarei o dinheiro para comprarmos um fogão e vamos ver o que acontece.” Deu certo. O restaurante cresceu, tornou-se ponto de referência da comunidade, o lugar onde as pessoas se encontravam. Ampliado e reformado uma segunda vez, foi reinaugurado pelo Príncipe Charles. Enquanto tudo isso acontecia, Sheila desenvolvia novos interesses. Um dia, ela disse: “Eu sempre quis ter um diploma universitário.” Havia saído da escola sem qualquer qualificação profissional. Andrew persuadiu uma universidade a aceitá-la como aluna. Sheila formou-se com honras em psicologia social. Tinha crescido como pessoa de uma forma que não poderia esperar até o momento em que encontrou Andrew.

... O método de Andrew é simples: ele descobre as paixões das pessoas e as apóia, procurando recursos para viabilizá-las, criando equipes e, acima de tudo, fazendo com que essas pessoas acreditem que podem fazer aquilo que sonham fazer. Andrew já transformou centenas de vidas. Deixou de ser difícil, para mim, acreditar na existência de anjos.

(Sacks, Rabino Jonathan. Para Curar um Mundo Fraturado: A Ética da Responsabilidade. São Paulo. Sêfer, 2007. Págs. 319-320)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Evangélicos no "Quarto Poder"

"As casas de teatro serão fechadas para peças evangelísticas... O Senhor fará novelas para o povo brasileiro... Cairá todo meio de comunicação que não glorifica o Senhor..." (trecho de "ato profético" de Ana Paula Valadão durante o 9.º Congresso Diante do Trono).


É interessante como o movimento evangélico brasileiro é moroso, estagnado e débil mental. A forma de pensar não muda, continuamos com os mesmos discursos.

Note que a senhora Ana Paula Valadão está "profetizando" (na verdade ela está violentando a Deus, enfiando palavras na boca Dele que Ele mesmo nunca mencionou) no 9.º Congresso Diante do Trono. Isso significa que só de congressos já se passaram nove anos e o discurso patético continua o mesmo.

Infelizmente a estrutura de pensamento é a mesma:

1. O mundo e tudo o que se produz culturalmente nele é do diabo, é anti-cristão. (interessante que a senhora acima citada não se preocupa se a fábrica de onde vieram suas bolsas Louis Viton é ou nao "cristã", ou a loja que vende suas roupas italianas caríssimas tem algo haver com Jesus). A falta de "simancol" e vergonha é incrível. Qual é a proposta cultural que os evangélicos possuem? A produção cultural evangélica, infelizmente, deixa a desejar, é pobre e cansativamente repetitiva.

2. Apenas a mensagem evangélica é capaz de glorificar a Deus. Para isso, os evangélicos devem assumir o poder e o controle de toda a mídia, um reflexo da sede satanica da "igreja" por poder temporal. Parece que o "mundo" que os evangélicos tanto demonizam na verdade é o alvo maior da paixao por poder.

3.Continuamos, infelizmente, a nos preocupar com coisas fúteis e demonstramos, por esses "atos profeticos", que não entendemos "patavinas" do que seja a verdadeira mensagem do evangelho e a profecia. Aí me vem um desejo em forma de pergunta: quando o movimento "evangélico" brasileiro será enfim superado? Quando, óh Deus, cairá esse reino de mentiras, enganos e pecado, e que falsamente se propõem ser o Reino de Deus?

Enquanto isso, meu ouvido, que não é pinico, recusa-se a ouvir "profetadas" desse tipo.

Que Deus tenha miséricordia da verdadeira Igreja, mantendo-a pura, onde quer que ela esteja!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

A vontade de Deus não basta

Talvez o exercício mais urgente que devamos fazer, como teólogos ou estudantes da Bíblia; é aprender a “pensar nas verdades divinas” tendo o mundo, e não os livros de teologia sistemática ou os compêndios de doutrina, como base para nossa reflexão. Quando voltamos nossos olhos para o mundo real, para “a vida como ela é”, sempre surgirá uma pergunta honesta: Onde está a vontade de Deus neste mundo?

O que dizer quando um jovem rapaz de vinte e dois anos é vitimado em um acidente de carro por um motorista embriagado e fica condenado a viver numa cama, totalmente inutilizado do pescoço pra baixo?

Alguns diriam: “Não cai nem uma folha das árvores se Deus assim não permitir, então, tudo está dentro da vontade de Deus!”. Outros diriam: “Não, o mundo foi lançado à própria sorte. Essa figura que chamamos de Deus criou este mundo e simplesmente o entregou a mercê do mal e dos caprichos humanos!”. Uma parte também diria: “Tudo que acontece de mal no mundo é obra de Satanás! Xô Satanás!!! Tá amarrado!”

Penso que existe outro caminho, outra estrada para encararmos as inadequações da vida, nossos dramas e pecados: Precisamos reconhecer que a vontade de Deus não basta!

Parece blasfêmia o que eu estou dizendo nesse momento, mas tanto a história como a própria palavra de Deus testemunham que a vontade de Deus não se impõe a liberdade humana. Salvo alguns casos esporádicos, podemos perceber que a regra geral é que a vontade de Deus não basta.

Leiamos com honestidade o Gênesis: Adão e Eva não se bastaram na vontade de Deus, Caim não suportou a vontade de Deus e os povos que construíam Babel encaravam a própria existência de Deus como limitação do seu potencial humano. Todos esses episódios têm uma característica em comum: A liberdade humana indo contra a vontade de Deus.

A vontade de Deus não basta porque o próprio Deus criou algo que possui um poder transformador equivalente: a liberdade humana. É como se, ao criar a liberdade humana, uma parte da vontade divina fosse compartilhada com os humanos. O princípio de João Batista é válido para a história da criação do homem: para que alguém cresça é preciso que outro venha a diminuir.

Porém todo o equilíbrio é muito bem vindo quando discutimos tal assunto. Não podemos jogar todo o peso do mundo na conta de Deus e afirmar que a sua vontade é absolutamente soberana. Assim criaremos um ídolo que deverá ser descrito como mal, manipulador, caprichoso e chantageador. Se todo o mal é como um chicote para punir e corrigir o homem, fazendo com que este venha “amar” o ídolo que erroneamente chamamos de Deus, então esse “ser divino” não busca o amor e não vive pelo amor, mas pela coerção.

Tal figura não condiz com o Deus da Bíblia, muito menos com o Aba que Cristo tanto anunciou.

Do mesmo modo, jogar todo o mal sobre as costas da humanidade é igualmente absurdo. O ser humano está em eterno processo de aprendizado. Sabedoria e conhecimento nunca se esgotam, e a capacidade de escolha depende de tal crescimento. É impossível não recordar das palavras de Deus a Jonas, um profeta que culpava tanto a cidade de Nínive que não havia mais lugar para misericórdia. Porém, Deus disse: “Eu não terei pena de Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil seres humanos, que não distinguem entre a direita e a esquerda, assim como muitos animais!” (Jn 4.11).

A vontade de Deus não anula o ser humano, e a liberdade humana não impede o agir de Deus. A grande diferença é que Deus sabe respeitar os limites que ele se auto-impôs para não anular o homem. Já o homem utiliza sua liberdade sem distinção e busca sempre anular a figura de Deus em suas vidas.

Aqui eu tomo emprestado à idéia de Agostinho: o mal é um distanciar-se de Deus. A liberdade humana não é a semente do mal, muito menos a natureza pecaminosa herdada do pobre Adão, culpado de todos os nossos erros. O mal está no desejo de autonomia, na liberdade que gera o individualismo, na desconsideração pela vontade de Deus e pela indisposição de formar parcerias com o Aba para a construção da nossa própria história.

Se percebermos o mundo por essa ótica, poderemos construir uma idéia sobre Deus e sua vontade que seja menos opressora e doentia. Poderemos abandonar certos conceitos falsos sobre Deus e assim começarmos a entender melhor o que Jesus queria dizer ao chamar o Senhor de Aba Pai. Este Deus-Pai não precisa chantagear seus filhos com o mal, as doenças e as tragédias para gerar amor nos seus corações. O Aba não precisa de barganhas para continuar sendo relevante na vida de seus seguidores. Ele não se impõe, pois o homem é quem precisa descobrir que sem Ele estamos à mercê de nós mesmos.

Um deus que determina, que se utiliza do mal e que troca bênçãos por devoção e “amor” é apenas uma criação do homem, que é incapaz de encarar sua própria liberdade e responsabilidade, e humildemente reconhecer que o mundo é infinitamente maior e mais enigmático que o “quintal” da sua vida. Um deus que é responsável por tudo faz, e assim pode ser acusado de tudo, faz mais sentido que o Aba, um “deus maluco” que divide suas responsabilidades com o insignificante Adão, o pó da terra.

A vontade de Deus não basta porque ela o que ela mais deseja é a parceria com a liberdade do homem. Quando esse casamento ocorrer, então poderemos encarar o mundo com mais esperança e menos fatalismo.

João Evaldo e Jorge

sábado, 29 de março de 2008

"Desorientado" na Igreja

A institucionalidade já atingiu raízes profundas no contexto da Igreja, e isso é fato. Tais raízes estão ligadas a um modus vivendi comum do homem religioso evangélico e são tão internalizadas que fica difícil pensar em como poderia ser um comportamento mais semelhante ao puro ensino do evangelho.

Mas o que me incomoda, o que me deixa com uma sensação de desorientação, é ver que simplesmente não sabemos o que fazer.

Muitos líderes já conseguem perceber as mazelas e corrupções que o institucionalismo trouxe a simples mensagem do evangelho. Eles criticam, explanam ardorosamente contra as distorções da instituição, do dogma e do ritual vazio. Pregam contra um “novo” evangelho da lei e da barganha com Deus, sobre a completa falta de compreensão do que é a Graça, mas infelizmente parece que o lugar da indignação é apenas os púlpitos.

A pergunta é: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases?

Parece radical demais dizer que toda a estrutura institucional de Igreja deve ser demolida. Porém, infelizmente, fazem-se necessários sacrifícios radicais, já que as formas tomadas pela fé institucional são radicalmente opostas à essência do evangelho.

O que me deixa preocupado é ver que discursos contra a instituição já não geram efeitos “revolucionários”. Criticamos, mas não estamos dispostos a viver sem ela. Não toleramos mais os dogmas e rituais, mas poucos têm coragem de tomar atitudes (obs.: estou falando de atitude, e não de discurso) realmente práticas. Estamos presos em nossa própria armadilha. A instituição foi criada pelo homem e parece que hoje ele não sabe como livrar-se dela.

Com isso, chegará um tempo, e talvez já tenha chegado; em que não agüentaremos mais ouvir pregações onde se critique a instituição. Será cansativo aos ouvidos palavras que afirmem que “o projeto inicial de Jesus está além dos atos religiosos”.

A pergunta continua ecoando na minha cabeça: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases?

Chegou o momento em que “uma atitude valerá mais do que mil palavras”!

Sonho com o dia em que as contribuições financeiras aumentarão, mas que esse valor se reverta em benefícios reais e sociais para a igreja e a comunidade em que está inserida. Quem sabe cada Igreja poderia ser uma ONG, formando parcerias com a comunidade e com as políticas governamentais que possam melhorar as condições de vida? Talvez seja sonhar demais.

Talvez nossas igrejas poderiam crescer, mas não para receber mais membros. Quem sabe, ao invés possuirmos mega santuários em nossa cidade, cada local de culto pudesse ser também, uma creche, uma casa de repouso para idosos, um casa de recuperação para dependentes químicos. Quem sabe os próprios membros das igrejas pudessem assim encontrar o chamado cristão de servir com seus talentos, e também a igreja pudesse custear profissionais para que nossas orações por um mundo melhor possam se transformar em atitudes realistas.

Quero concluir com a pergunta que não quer calar: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases? Será que essa sensação de desorientação vai acabar?

quinta-feira, 20 de março de 2008

SALMO 51 – UM COMENTÁRIO EXISTENCIAL


1. Tem piedade de mim, ó Deus, por teu amor! Apaga minhas transgressões, por tua grande compaixão!

Pois onde iremos encontrar o amor e perdão que restaura? Neste mundo o pecado e a falha podem ser até “perdoados”, mas nunca apagados, relevados, mas nunca esquecidos, seja pelo autor ou pelas possíveis vitimas de nossas falhas. Existe uma mancha em nós mesmos que cerimônia nenhuma pode tirar; há algo em nossas atitudes que nos torna marcados, infectados, manchados. Precisamos não de uma palavra de perdão, mas de uma atitude restauradora.

2. Pois reconheço minhas transgressões e diante de mim está sempre meu pecado;

Simples palavras, mesmo que sejam divinas, não apagam o fato de que minhas atitudes sejam passadas, sejam presentes, são reprisadas num flashback constante. A alma marcada revive suas falhas constantemente. Todo pecado causa um trauma, e esse ponto traumático é retro-alimentado, num processo circular e “karmático” (i.e. Karma) de “relembrar-reviver-ressentir-se”. Purificação significa superação, vencer os pontos traumáticos que geram escravização a uma situação passada que teima em reencarnar no nosso presente, não havendo esperança de um novo futuro.

3. Pequei contra ti, contra ti somente, pratiquei o que é mau aos teus olhos. Tens razão, portanto, ao falar, e tua vitória se manifesta ao julgar.

Não! Não foi somente Deus o “atingido” pelo pecado de Davi! Uma vida foi destruída, um homem que era valoroso perdeu sua vida covardemente. Mas Deus é o Supremo Outro, ou seja, desta forma o nosso pecado sempre atinge os outros, num processo que vai do homem e chega até Deus, pois tudo que fazemos contra nós mesmos e contra o outro fere ao zelo que o Senhor possui por toda humanidade.

4. Eis que eu nasci na iniqüidade, minha mãe concebeu-me no pecado.
5. Eis que amas a verdade no fundo do ser, e me ensinas a sabedoria no segredo.
6. Purifica meu pecado com o hissopo e ficarei puro, lava-me, e ficarei mais branco do que a neve.

Apesar da fraqueza que acomete a todos os homens, fraqueza inerente a natureza de quem é livre (pois nem todos os livres são fortes e estáveis) Davi não quer fazer de sua natureza tendenciosa um motivo para desculpar todas as suas falhas. Ao mesmo tempo em que “minha mãe me concebeu em pecado” e tendo assim “herdado o mal”, o Senhor pode me ensinar no segredo, ou seja, me restaurar desde o mais profundo do meu ser, da raiz de todas as minhas motivações. Davi conhecia todo o processo de purificação judaica, inclusive cita o hissopo, uma planta usada nas cerimônias de purificação (Lv 14.4; Nm 19.18). Mas tal processo não é suficiente para que haja a purificação. Não são métodos, rituais ou palavras de absolvição que transformam a vida de quem está sujo, mas uma comunicação entre o meu ser e a verdade, mas no fundo do meu ser só Iahweh pode tocar.

7. Faze-me ouvir o júbilo e a alegria, e dancem os ossos que esmagaste.
8. Esconde a tua face dos meus pecados e apaga minhas iniqüidades todas.
9. Ó Deus, cria em mim um coração puro, renova um espírito firme no meu peito; não me rejeites para longe de tua face, não retires de mim teu santo espírito.

O verbo criar é mesmo atribuído a Deus em Gênesis 1, Em Isaias 65.17 é dito que o Senhor irá criar “novos céus e nova terra”. Tal ato está reservado a Deus, que faz surgir ordem do caos, lógica do que é ilógico, vida onde há morte, pureza em meio a impureza. Aquilo que Deus faz não se limita a palavras, mas é tal atitude capaz de reformular os caminhos de destruição que nossos próprios pés trilharam. Purificação, como já falei, não é uma palavra de absolvição, nem mesmo uma cerimônia de perdão, mas uma atitude restauradora da parte de Deus, que comunica verdade e sabedoria ao meu ser, fazendo surgir ordem em meio ao caos interior de uma alma consciente de seus erros.

10. Devolve-me o júbilo da tua salvação e que um espírito generoso me sustente.
11. Ensinarei teus caminhos aos rebeldes, para que os pecadores voltem a ti.

Tal condição de restauração me leva a enxergar e compreender que na vida também existe alegria, que ela não é apenas predestinada a tristezas e maldade. A purificação também traz uma nova percepção da vida, onde a alegria do criador tem lugar. A generosidade de espírito é essencial para que os outros sejam ensinados, mas não se ensina generosidade, apenas se vive ela, externando-a ao mundo, e nossa generosidade espelha os caminhos de Deus a outros que também precisam ser ensinados. Ou seja, Ser purificado e purificar outros depende sempre da generosidade, e não da justiça implacável ou do dedo em riste, seja na cara dos outros ou em minha própria.

12. Livra-me do sangue, ó Deus, meu Deus salvador, e minha língua aclamará tua justiça.
13. Ó Senhor, abre os meus lábios, e minha língua anunciará o teu louvor.
14. Pois tu não queres sacrifício e um holocausto não te agrada. Sacrifício a Deus é espírito contrito, coração contrito e esmagado, ó Deus, tu não desprezas.
15. Faze o bem a Sião, por teu favor, reconstrói as muralhas de Jerusalém.
16. Então te agradarás dos sacrifícios de justiça – holocaustos e ofertas totais – e em teu altar se oferecerão novilhos.

Finalizando, Davi não enxergava na sua religião, na sua liturgia, nos seus processos expiatórios, a chave para uma vida purificada. Com certeza, ao cair em si sobre sua condição, o piedoso rei de Israel buscou os métodos legais para que sua culpa fosse apagada e ele fosse novamente re-habilitado perante Deus. Mas o conforto da alma não foi conquistado dessa forma. A Paz de Espírito transcende aos rituais e a alegria excede o culto. O sacrifício a Deus está em entregar aquilo que temos de mais verdadeiro. O que sobra de um homem que cai na real e percebe que matou um homem covardemente apenas para esconder seu pecado? Se ele for verdadeiramente humano, o que sobrará serão apenas as migalhas de um coração despedaçado. O sacrifício que se oferece a Deus é a consciência, mesmo em frangalhos, de que pecamos e que abalada está a relação com Deus e com os homens. Só após o culto “racional” (consciente) é que podemos agradar a Deus com nossos rituais.

Que haja mais perdão e purificação, processos divinos que criam ordem no caos e restaura a pureza do que está manchado. Sendo assim o coração contrito, resultado da profunda conscientização do que somos e fazemos; o motivo de nossos atos e força por trás de nossa religião. Não nos basta mais palavras de perdão, mas do que ouvir, queremos sentir um novo coração, vindo do poder criador de Deus, bater no nosso peito.

Sendo assim, me perdoa e me purifica!