sábado, 24 de maio de 2008

A VOCAÇÃO DE JEREMIAS COMO MODELO (Jr 1)

Primeiramente, para os desavisados, não estou afirmando que no capítulo primeiro do livro do profeta Jeremias está contido a forma como devemos ser vocacionados por Deus. Até mesmo seria loucura criar um “modus operandi” para Deus agir baseado nas narrativas bíblicas.

As histórias bíblicas não possuem a pretensão de padronizar o agir de Deus. Deus não segue padrões a todo o instante, pois ele é adora surpresas e novidades.

Mas existe uma essência dentro da narrativa de Jeremias que permeia todos os demais chamados proféticos da Bíblia e que também deve permear o significado daquilo que hoje chamamos de vocação. Alguns aspectos do “bate-papo” entre Deus e Jeremias revelam as implicações da vocação que às vezes esquecemos ou que nem ao menos damos importância:

· A vocação provinda de uma sensibilidade a voz de Deus (vs. 4). O texto diz que a palavra do Senhor veio a Jeremias. A sensação é completamente diferente do cotidiano de nossas vidas, aonde sempre vamos até a palavra do Senhor. A questão principal é a incapacidade de percebermos o movimento contrario de Deus em nossa direção. Uma espécie de obstrução dos nossos “sentidos espirituais” nos impede de ouvir a palavra, mesmo que estejamos sinceramente buscando a Deus, seja na oração ou na leitura bíblica. Assim, temos uma estranha sensação de que Deus calou-se, apesar de nossos esforços. Porém, o verdadeiro esforço é não fazer nada além do que ouvir a Deus por mais absurda que seja a sua fala. Porque a palavra do Senhor veio a Jeremias? Porque simplesmente seus “sentidos espirituais” estavam abertos a ouvir e crer até mesmo no absurdo chamado de Deus para a vida de uma criança. Um jovem filho de sacerdote, provavelmente um aspirante também ao sacerdócio, teria agora que se levantar contra tudo e todos, inclusive contra tudo aquilo que seu pai defendia, para assim cumprir o chamado de Deus. Isso é no mínimo um grande absurdo, mas Jeremias ouviu a palavra de Deus diante do total absurdo e da difícil missão que lhe aguardava. Acredito que quanto menos reservas nós temos, mais sensível estamos para ouvir a Palavra do Senhor.

· A vocação como um chamado a recriação (vs. 10). A missão de Jeremias consistia em arrancar, despedaçar, arruinar e destruir; para edificar e plantar. Note que é um processo gradual e incompleto. Jeremias teria como principal missão levar a palavra de Deus contra tudo o que havia sido estabelecido como missão e religião entre os israelitas. Ele teria que ir contra uma nação e “desconfigurar” todos os falsos conceitos sobre verdade. Ele seria a voz que destoava no meio de um grupo. Ele não deveria ter medo da exclusão e da incompreensão que sofreria, do abandono e dor que todos lhe causariam por defender o absurdo no meio do povo. Ele teria que ir contra tudo aquilo que as pessoas pensavam sobre Deus e suas próprias vidas. Ou seja, Jeremias prepararia o terreno, limparia de toda sujeira e começaria um processo de replantar, de criar nova vida. Interessante é que hoje muitos atacam e tentam destruir os paradigmas religiosos, sociais e políticos, e não duvido que muitos possuam a vocação para isso. Porém, precisamos hoje de vocacionados que possam dar inicio ao processo de recriar vida em meio aos escombros do passado. Edificar é mais importante do que destruir, pois quando velhos paradigmas caem, a sensação de vazio só poderá ser preenchida através pessoas capazes de edificar, de anunciar coisas novas.

· Um vocacionado precisa ser um referencial (vs. 18). Cidade fortificada, muro de bronze e coluna de ferro são símbolos de uma qualidade que deve permear a vida de todo vocacionado: A estabilidade. Não se fala aqui de estabilidade emocional, financeira ou seja lá o que for. Jeremias não era um exemplo de estabilidade emocional. Enfrentou dúvida, depressão, medo e experimentou diversos sentimentos que desestabilizam qualquer pessoa. Em que sentido então Jeremias é estável? Simplesmente na medida em que ele consegue preservar a mensagem de Deus a despeito de todos os ataques que sofrerá por causa dela. Não é fácil pra ninguém ser o único a anunciar desgraça enquanto os demais profetas e religiosos pregam sucesso e prosperidade. Não é fácil ser sempre “do contra”. Carregar a palavra de Deus apesar da incompatibilidade que ela possa trazer, manter o chamado apesar dos argumentos contrários, é um desafio que exige perseverança e estabilidade. Não negociar com a palavra de Deus, para que ela se torne mais aceitável aos outros, é uma característica do verdadeiro vocacionado, pois ele tem a real compreensão de o quanto essa palavra pode curar a sociedade contraria a ela. É na estabilidade, na firmeza da fé e do caráter que o vocacionado é um referencial. A capacidade de não permitir que nada estranho ao chamado de Deus invada o nosso coração é um dom necessário para os nossos atuais profetas.

Muito provável que a nossa vocação não se dê através de raios, trovões, vozes de outro mundo e visões sobrenaturais; pois não é isso a essência da vocação divina para as nossas vidas. Mais do que sinais extraordinários, o chamado de Deus compreende a capacitação de cultivar qualidades como a sensibilidade à vontade de Deus, o desejo de ser um agente recriador da história e a constância na missão mesmo diante dos apelos que nos cercam.

Ao pensar sobre todas essas coisas, percebemos que não há melhor resposta do que a de Jeremias: “... ainda sou uma criança!”

Jorge Luiz

Um comentário:

Gabriela Sant'ana disse...

Jorgee

adorei esse texto
vou dar uma palestra sobre A vocação de Jeremias em um retiro, e acho poucas coisas para falar. Adorei seu texto, vou usá-lo!

obrigaada!