quinta-feira, 31 de maio de 2007

Não quero existir, quero viver!


Existem momentos da vida que você não tem vontade de nada. E não falo de depressão;


Há outros que você não sabe ao certo o que está acontecendo ao seu redor;

Há momentos de tamanho encanto que parece que a vida toda se resume aquilo; mas há momentos em que nenhum encanto preenche nossa vida.

Brigas internas; frustrações; rendição; loucura e lucidez se misturam tal maneira que você pensa que perderá o controle de tudo.

Mas acho que o pior está quando você começa a perder a capacidade de ver no horizonte alguma solução. A pior coisa que é olhar para o futuro e ver somente um enorme ponto de interrogação.

Sei que fé é esperança naquilo não se vê. Mas infelizmente quem escreve esse texto é um simples mortal, sujeito a fraquezas inerentes a sua humanidade.


São os planos, os sonhos e as conquistas de hoje que clareiam nossa visão de futuro. Eles são um trio difícil de conciliar.

Em alguns momentos temos muitos planos, mas não são necessariamente os nossos sonhos, e o que fazemos não são direcionados aos nossos planos.

Em outros começamos a sonhar, e esses sonhos nos enchem apenas de ar, e começamos a flutuar, flutuar, e os sonhos não se tornam planos ou mesmo conquistas, apenas nos servem para fazer voar, voar para bem longe dessa realidade.

Já em outros, conquistamos. Mas nem tudo que conquistamos foi projetado, acontecem coisas ocasionais, e até mesmo aquilo que nem sonhávamos mais se é conquistado.

Como a vida é complicada!

E quando você deixa de sonhar, já não tem mais planos e não conquista nada!? Aí é o verdadeiro “Inferno na Terra”.

Para definir essa fase da vida usaria uma frase de Oscar Wilde que diz “que algumas pessoas não vivem, mas apenas existem”. Existir é a pior coisa do mundo. Quem somente existe fica sob um grau de angustia, tristeza e desesperança terrível. É uma dor silenciosa que parece corroer todas as nossas estruturas.

Então pior do que viver é simplesmente existir!

Toda a vida tem que ser pautada de objetivos, conquistas e sonhos. Aquele consegue equilibrar essa “bandeja” pode-se dizer que vive bem. Os que não conseguem não vivem bem. Já os que derrubam essa “bandeja” apenas existem.

Oh Deus! Ajude-me a simplesmente viver.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Teologia Existencial - Ricardo Gondim

Por anos, não me dei conta de que agi como um religioso obstinado. Hoje lamento ter sido um inquisitorial que defendeu a “verdadeira doutrina”; renego ter me sentado na cadeira do fariseu intolerante que espezinhou pessoas simples; choro porque já calei diante de desmandos de gente “famosa” só para continuar bem quisto; tenho vergonha de já ter envernizado minha fala para angariar simpatias de um clero que hoje desdenho.

Para surpresa dos fundamentalistas, mas para alegria dos meus familiares, mudei bastante nos últimos anos. Adianto: não estou nem um tiquinho preocupado em ser bem falado pelos puritanos que tentam ressuscitar a ética vitoriana; não perderei meu sono com os que se escandalizam com meus textos pessimistas. Aliás, aconselho os piedosos que não visitem mais meu site, pois vou continuar escrevendo textos bem sombrios.

Amiga leitora, você não imagina como eu ri quando recebi mensagens eletrônicas de crentes escandalizados com meu arrebatamento profano. Lembra aquela noite quando me deliciei com a cananéia Mercedes Sosa?, foi aquele.

Minha nova teologia não é nova e nem é minha. Ela vem sendo vivenciada por teólogos latino-americanos que se distanciaram do cânon oficial – gente da estirpe de Juan Luis Segundo, Gustavo Gutierrez, René Padilla, Orlando Costas, Leonardo Boff e Jung Mo Sung. As coisas degringolaram de vez quando me apresentaram Brian McLaren, Rob Bell e os malucos da “Emergent Church”. Realmente, não consigo gostar dos livros do Max Lucado e se não me sinto tentado a organizar minha igreja com os “propósitos” do Rick Warren.

Minha nova teologia carrega o anseio da liberdade. Aceito que sou um romântico desvairado sempre empolgado com essa palavra tão complicada. Eis o motivo porque concordo com Karl Rahner que “a liberdade é sempre mediada pela realidade concreta do espaço e tempo, pela corporalidade e pela história do homem”[1].

Assino em baixo com Jürgen Moltmann quando ele diz que “liberdade é um movimento criador". Vibro quando ele afirma que: “Aquele que em pensamentos, palavras e ações transcende o presente em direção ao futuro, este é que é livre. O futuro é para se entendido como o espaço livre para liberdade criadora”[2].

Não tenho como negar meu apreço por Paul Tillich e por seu conceito de liberdade como fundante do destino – “A liberdade é experimentada como deliberação, decisão e responsabilidade... Á luz dessa análise de liberdade, torna-se compreensível o sentido de destino”[3].

Gosto das articulações de Jonathan Sacks quando ele afirma que o conceito de liberdade forma o alicerce do vínculo pactual entre Deus e o homem:

O conceito de um vínculo pactual entre Deus e o homem é revolucionário e não tem paralelo em nenhum outro sistema de pensamento. Para os antigos, o homem estava à mercê de forças impessoais que tinham que ser aplacadas... no humanismo secular, o homem está sozinho num universo cego às suas esperanças e surdo às suas preces. Todas estas visões são coerentes, e cada uma tem seus adeptos. Mas somente no judaísmo encontramos a asserção de que, apesar da sua completa disparidade, Deus e o homem se encontram como “parceiros no trabalho da Criação”. Não conheço nenhuma outra visão que confira ao ser humano tamanha dignidade e responsabilidade “[4].

Minha nova teologia tem como ponto de partida não a teoria, mas a vida com suas ambigüidades e paradoxos. Não parto de premissas teóricas do arrazoamento “científico” da verdade; não me encanto com devaneios conceituais do mundo do "andar de cima"; quero trabalhar com a revelação da história onde ponho os meus pés. Quero perceber o amor de Deus no decorrer da vida com tudo o que ela apresenta de bom e de ruim.

Não pretendo interpretar o mundo, só quero modificá-lo para que nele se antecipe o Reino de Deus. Faço minhas as palavras de Moltmann em sua análise da Teologia da Libertação:

“Ao contrário das teologias metafísicas, trancendentalistas ou personalistas, a Teologia da Libertação começa com a história como palco da manifestação de Deus e do encontro do homem com Deus. Com isto ela se liga às tradições bíblicas da história de Israel e da história de Cristo... " [5].

Nesse chão hermenêutico faço minha nova teologia, procurando criar práxis que desmonte estruturas injustas, opressoras e alienantes. Sem desmerecer a ortodoxia, procuro muito mais realizar ações transformadoras da realidades, do que tentar vingar minha exatidão conceitual – “Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” João 13.35.

Minha nova teologia é a antiga “teologia da esperança”. Acho que foi por isso que vibrei tanto com Carlos Mesters quando me ensinou que o relacionamento de Deus com seu povo é um apelo ao dinamismo e não à resignação:

A presença de Deus na vida era percebida [no relato bíblico], antes de tudo, como apelo, como dinamismo, como futuro, que atraía e chamava o povo a ultrapassar-se, não permitindo que se acomodasse na estrada. A frase tantas vezes repetida: “Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo (Ex 6.7), fazia saber que o relacionamento com Deus no presente era apenas uma amostra-grátis daquilo que ele seria no futuro. A outra frase, igualmente freqüente despertava o povo a nunca contentar-se com o que já possuía, e a aprofundar onde estava escondido o germe de toda liberdade. Com outras palavras, a presença de Deus era percebida e vivida como o fundamento da esperança que os animava e os fazia caminhar. Ela era uma força que dinamizava a vida para a frente, levando o povo a conquistar-se e a conquistar o futuro que ele entrevia no contacto com esse Deus[6].

Minha nova teologia não se restringe em preparar gente para ir para o céu, quero aprender experimentar, aqui e agora, a vida em abundância que Jesus prometeu.

Por fim, acho que minha nova teologia tem uma pitada de existencialismo – não sei se Kierkegaard gostaria de saber disso - porque acredito que o Reino de Deus já está entre nós; peço que Ele me dê olhos para ver, ouvidos para ouvir e coração para sentir esta realidade.


Soli Deo Gloria.


[1] Rahner, Karl – Curso Fundamental de Fé – Edições Paulinas, 1989, p. 53.
[2] Moltmann, Jürgen – O Espírito da Vida. Editora Vozes, 1999, p. 118.
[3] Tillich, Paul – Teologia Sistemática, Editora Sinodal, 2005, p.193.
[4] Sacks, Jonathan – Uma Letra da Torá – Editora Sêfer, 2002, p. 109.
[5] Moltamann, Jürgen – O Espírito da Vida – Editora Vozes, 1999, p.111.
[6] Mesters, Carlos – Por Detrás das Palavras – Editora Vozes, 1999, p. 113.

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Chupa essa manga!


O nosso tão famoso “homem de Deus” e auto-proclamado um dos representantes dos evangélicos no Brasil, o Pr. Silas Malafaia, faz mais uma das suas aberrações editorias, lançando uma bíblia ultrajante com o nome de BÍBLIA DE ESTUDO BATALHA ESPIRITUAL E VITÓRIA FINANCEIRA.


Veja o comentário sobre essa obra aberrante:


A Bíblia de Estudo Batalha Espiritual e Vitória Financeira foi projetada para levá-lo a uma nova posição de poder e vitória em todas as áreas da sua vida, embora o foco esteja em duas áreas: a batalha espiritual e a vitória financeira.

Nela, você encontrará 280 artigos de Batalha Espiritual e 118 artigos de Vitória Financeira; palavras-chave, com os correspondentes termos originais em hebraico e/ou em grego, para uma compreensão mais profunda do texto bíblico; tabelas com informações e referências adicionais sobre os textos bíblicos destacados; símbolos de Vitória Financeira e de Batalha Espiritual, acompanhando o texto bíblico assinalado e o comentário correspondente; Índices de Referências sobre Vitória Financeira e sobre Batalha Espiritual, com tópicos que remetem aos artigos com revelações e estratégias poderosas de vitória financeira e de batalha espiritual; um Índice de Passagens Bíblicas para estudo posterior, que permitirá um conhecimento adicional sobre os tópicos estudados; uma “Lista de checagem” da vitória financeira; e vários estudos sobre batalha espiritual e sobre vitória financeira no suplemento final da Bíblia.

Em resumo, houve uma completa adulteração da mensagem bíblica com os comentários e interpretações do Dr. Morris Cerullo, um homem de integridade duvidosa, processado no seu país (EUA) por fraude fiscal. Por aí você percebe a “autoridade” que esse homem possui para falar sobre “vitória financeira”.


A Bíblia não pode ser transformada em um manual mágico de “como ser rico”. Não é essa sua mensagem central.


É duro falar que o tema da Bíblia é Jesus e a Graça, pois nada que é de Graça, como Jesus e a Graça, vende no mercado de aberrações cristãs do Dr. Silas.


Eis ai, para todos que gostam, mais um monstro Frankenstein com cara de Bíblia, mas que nunca será Palavra de Deus. Aproveitem, ela está com desconto! Mas saiba que o Deus da Palavra não dará nenhum desconto aos seus autores e propagadores, pois como Ele mesmo disse:


Eu, a todo aquele que ouve as palavras da profecia deste livro, testifico: Se alguém lhes fizer qualquer acréscimo, Deus lhe acrescentará os flagelos escritos neste livro; e, se alguém tirar qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, da cidade santa e das coisas que se acham escritas neste livro. (Ap 22:18-19)

domingo, 13 de maio de 2007

JOÃO 9 – UM DOS SINAIS DE DEUS: UM CEGO DESAFORADO!

Esse capítulo é extraordinário pelas suas “inovações”. Jesus aqui é tão heterodoxo, tão “estranho” para a nossa visão de "jesus". Gostaria que percebêssemos algumas coisas tão particulares nessa narrativa que poderão nos chamar a atenção.

Jesus caminhava com seus discípulos. Já havia entrado em fortes debates com os “ortodoxos” doutores da lei, fariseus e escribas. Nessa luta o clima pesado havia ficado no ar. No caminho estava um cego, e diferente de outros enfermos, este cego não sabia quem era Jesus e na verdade não estava “nem aí” para as notícias de que um curandeiro estava por ali, pois dificilmente alguém naquela cidade estava desinformado sobre isso.

Jesus passava por ele, e os discípulos, cheio de suas questões judaicas sobre o bem ou mal, lançam uma pergunta para Jesus: Qual o pecado que provocou esse mal? O do seus pais ou o dele mesmo?

Aí entra a primeira desconstrução da ortodoxia:

Jesus não entra em questões sobre a universalidade do mal, a ligação entre pecado e infortúnios. Ele simplesmente afirma a particularidade da vida humana quando ele diz que aquela especifica cegueira era para especificamente nele manifestar a Glória de Deus. Enquanto queremos universalizar, empacotar, sistematizar o que é mal e o que é bem, o que é conseqüência do mal e os frutos da bondade, em Jesus não há essa preocupação. Essa tendência a qual Jesus é contra não é só privilégio do pensamento judeu, mas habita todas as religiões, filosofias e metafísicas existentes.

Mas Jesus apenas fala da particularidade da vida humana. Não adianta entender a lógica do bem ou do mal, algo que está pra além de toda capacidade cognoscitiva humana. O que importa é que cada um possui sua história e dentro dela não há limitação para Deus agir. Porque digo isso? Simplesmente porque na sua individualidade, na sua deficiência, aquele cego seria um sinal de Deus.

Seguindo a narrativa, Jesus quebra mais um paradigma ortodoxo com a espécie de milagre que ele opera no cego. Ele simplesmente passa cuspe com terra nos olhos do indivíduo. Semelhante ao Barro da Criação, ele dá nova vida ao cego, simbolizada na iluminação de seus olhos. Antes de qualquer reação de repúdio ou de nojo, a simbologia desse ato deve saltar aos nossos olhos.

Ele quebra todo o escrúpulo judaico, que cuspia nos marginais e desafortunados como esse homem, e mostra que no desprezo do cuspe religioso ele dá nova vida. Isto é, a nova realidade trazida por Jesus não cabia naquele sistema. Sua nova vida é chamada por ele mesmo de “luz do mundo”, sua nova vida é Ele mesmo, pois Ele é a luz do mundo.

O homem vai e se lava no Tanque de Siloé (tanque do enviado), em mais um sinal de que Ele é o enviado que aquele tanque e aquele povo tanto esperavam. Lá o homem é curado, e volta a ver.

Seus vizinhos o vêem são e perguntam: Tu não és aquele cego de nascença que mendiga nas calcadas? Como agora está vendo? Na sua imensa tranqüilidade e paz (parece até que o homem tá adormecido, que não percebeu o que lhe aconteceu. O cara não vibra, não louva, não pula de alegria, o texto não mostra uma reação de jubilo por parte do homem curado, na verdade ele nem sabe quem lhe curou, pois ele não o viu) ele responde que foi homem chamado Jesus, fez lama (sem saber ele que foi cuspido, rsrsrsrs) e aplicou-me nos olhos, mandando em seguida que eu me lavasse no tanque de Siloé.

Nessa estranha apatia ele narra o milagre, os seus ouvintes, entusiasmados, quiseram logo saber onde esse Jesus estava. O ex-cego responde com mais descaso ainda: não sei.

Interessante a reação desse homem, ele parece não está “nem aí”; ele quer apenas viver essa nova vida, essa nova condição, sem querer explicá-la ou detalhá-la.

Quem vive com Deus uma relação que visa mais o entender, o investigar, o sistematizar e o explicar tudo, não faz de Deus o seu Senhor, mas a sua Enciclopédia do Infinito Conhecimento. Ele não quer saber, ele quer viver. Deus quer que vivamos, e muitas vezes isso implica não saber, mas sim crer.

Esse homem que não quer saber de nada, e sim de viver sua nova condição; é levado para ser interrogado por aqueles que não querem viver, mas de tudo saber. Esses são os Fariseus, detentores da ortodoxia, e por isso mesmo, são os Cegos dos Cegos.

Quem olha o mundo com visões pré-concebidas (ortodoxas) simplesmente é cego, e não percebe a luz de Deus.

Os caras questionam, o ex-cego explica, mas eles não entendem, porque o funil teológico-filosófico deles não aceita o simples fato de Deus ter curado num dia em que Ele, Deus, não podia curar.

A ortodoxia pode transformar Deus em nosso pior adversário!

O cego, que não sabe de nada, mas já vive a nova vida, apenas diz o que Jesus era pra ele: um profeta, pois essa era a maior honraria que ele conhecia para poder nomear aquele homem misterioso, que tem o impressionante talento de desestruturar os edifícios.

Para investigação ficar completa, chama-se os pais do cego para conferir o tal milagre. Para os detentores da verdade, não bastava o testemunho daqueles que conviviam, tinha que ter a assinatura dos pais. Os pais estavam trêmulos como “vara verde”, com medo dos detentores da verdade...

...Pois os detentores da verdade são impiedosos com os simples, com os ignorantes e com aqueles que apenas vivem sem nada saber.

Eles, na sua covardia, jogam a “batata quente” para o filho, que já era adulto o bastante para dar conta de si mesmo, e tudo isso pelo simples fato de que mesmo com esse sinal no próprio filho, eles não queriam abandonar a segurança da sinagoga (as asas protetoras dos que são ortodoxos).

Mas o filho, que nada saiba, e que não tava “nem aí”, não possui esse medo, pois não havia mais proteção ortodoxa nenhuma que explicasse sua nova condição. Ele volta chateado, pois está cansado daquele enfadonho e infrutífero debate acerca da verdade, do bem e do mal e sobre Deus. Ele quer apenas viver aquilo que Deus já tinha dado a ele.

Na sua chateação ele se mostra desaforado com os ortodoxos, que são a própria personalização da “verdade”.

Até porque têm “verdades” que cansam!
Ele diz: olha só, não sei se esse cara que me curou é um pecador (leia-se aqui herege, heterodoxo, e não imoral ou amoral). Só sei de mim, do que ele fez comigo, do que eu sou hoje por causa dele. Essa é a única verdade que tenho pra vocês. Já falei como tudo aconteceu e vocês querem que eu repita novamente; to achando que vocês querem se “debandar” pro lado desse homem.

Ele diz isso num tom fortemente irônico, e isso diante de “grandes autoridades”, diante dos Paladinos da sã doutrina.

Irados, os que são detentores da “verdade”, mas que não podem provar suas acusações, apenas rebatem com ofensas, chamando o pobre e ignorante cego de gentio (ou seja, não mais discípulo de Moisés). Mas bem da verdade, aquele homem nunca foi mesmo discípulo de “Moisés”, porque o “Moisés dos ortodoxos” não aceita os humildes, os enfermos, os ignorantes, e aqueles que apenas vivem na Graça de Deus.

Olha só os versículos 29 e 30, e perceba o nível de verdade e desaforo que habita no cego:

Sabemos que Deus falou a Moisés; mas este nem sabemos de onde é. Respondeu-lhes o homem: Nisto é de estranhar que vós não saibais de onde ele é, e, contudo, me abriu os olhos!

E ele continua de forma espetacular, a qual eu me dou à liberdade de parafrasear, nas partes em negrito:

Sabemos (isso graças ao que vocês nos ensinam na sinagoga) que Deus não atende a pecadores; mas, pelo contrário, se alguém teme a Deus e pratica a sua vontade, a este atende (ou seja, como podem acusar que este homem é pecador com tamanha prova!?). Desde que há mundo, jamais se ouviu que alguém tenha aberto os olhos a um cego de nascença (principalmente um endemoninhado herege, como vocês classificam este homem). (Sendo assim) Se este homem não fosse de Deus, nada poderia ter feito (e eu não sou nem um doutor da lei, como vocês, mas tenho certeza disso, porque vi a Deus, apesar de ainda cego, na presença daquele homem. Portanto, qual é ainda a duvida de vocês?).

Pense num cego “arretado”! Jesus disse que ele era um sinal da manifestação de Deus, mas não pela simples cura da sua cegueira física. Ele era o sinal visível da nova vida de Deus, ele era o espelho da cegueira ortodoxa. Ele era o louco de Deus que confunde os sábios do mundo. Ele era nova aliança de um Deus que quer viver com o homem, e não ser um simples dado intelectual frio e imutável.

O cego é o sinal de um Deus que confunde, para que não venhamos saber, mas simplesmente crer Nele.

Por isso que o cego não queria saber de nada, porque aquilo era irracional. Não havia lógica humana que explicasse tamanha intervenção de Deus sobre um homem que nem mesmo pediu para ser curado. Aquilo era algo pra ser crido e reverenciado como simples intervenção de Deus no “curso natural das coisas”.

Mas mesmo assim, na arrogância ortodoxa, ele foi simplesmente expulso da sinagoga. Acusado de ser um pecador por crer naquilo que a instituição ortodoxa não vê.

Até mesmo na sua expulsão há um sinal de Deus. Pois Jesus, sabendo do que havia acontecido ao cego, vai ao seu encontro para trazê-lo a luz. Jesus veio para essas ovelhas perdidas.

Aqui o texto não fala nada, mas eu particularmente acredito que Jesus fez daquele homem um dos seus seguidores. Ele traz luz ao entendimento do cego. Ele vai ao encontro dele para que ele saiba em que ele tem crido desde aquele momento.

Todas as trevas são dissipadas em Cristo. Só não a do cego que não quer vê.

“Ouvindo Jesus que o tinham expulsado, encontrando-o, lhe perguntou: Crês tu no Filho do Homem? Ele respondeu e disse: Quem é, Senhor, para que eu nele creia? (ou seja, eu já creio que foi Deus que fez isso comigo, mas através de quem? Quero crer em quem fez isso comigo) E Jesus lhe disse: Já o tens visto (Tu já me viu desde que aceitou que eu te colocasse barro nos olhos e com fé fostes ao tanque que te ordenei para lavar, a partir daí tu tens me visto, muito mais do que os que nunca foram cegos), e é o que fala contigo. Então, exclamou ele: Creio, Senhor; e o adorou com o rosto em Terra”. (vs. 35-38)

Gostaria de finalizar essas minhas loucas meditações com as palavras do Mestre, pois elas resumem tudo de forma extraordinária e muito melhor do que o meu muito falar. Eis aí o misterioso sinal que significava a cegueira daquele homem:

“Então disse Jesus: Para um discernimento é que vim para este mundo: para os que não vêem, vejam, e os que vêem, tornem-se cegos. Alguns fariseus, que se achavam com ele, ouviram isso e lhe disseram: ‘Acaso também nós somos cegos?’ Respondeu-lhes Jesus: Se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas dizeis: ‘Nós vemos!’ (somos os detentores da verdade!) Vosso pecado permanece”.(vs 39-41, Bíblia de Jerusalém)

Quem tem ouvidos para ouvir, que ouça! Mas apenas ouça, e deixe a verdade te encher, do jeito que ela é: Mistério!

Glórias Te dou Senhor!

Jorge Luiz

Texto dedicado a todos os “cegos” segundo o mundo, mas lúcidos e cheios de luz segundo Cristo!

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Descobri que sou Herege - Ricardo Gondim

Obs: Antes de mais nada, antes que me acusem, quero dizer de imediato: nao sou partidário da Teologia Relacional ou Teísmo Aberto, aliás, não sou adepto de nenhum dos "ismos" que a Teologia cria. Digo isso pois parece que vivemos um clima em que todos estão prontos para nos taxarem "disso" ou "daquilo", uma divisão entre o que é ortodoxo e heterodoxo. Também não creio em ortodoxia, isso pra mim é a mesma coisa de tradição, e se Jesus repudiou tradição, por matar a singularidade da vida humana e todas suas vicissitudes, quem sou eu pra concordar com ela. Ortodoxia é uma miragem no deserto, uma gaiola que acreditamos poder prender Deus, que muitas vezes, na própria Bíblia, age de forma contrária as nossas convicções teológicas. Não defendo visão de A ou B, mas defendo o livre pensar, segundo o livre vento, do livre Espírito, que sopra livre, para nos livrar de toda forma de clausura, que sopra e derruba os edificios, as "Torres de Babel", e nos impulsiona para novos horizontes. Sendo assim, celebro pensadores como Gondim, não tanto pelas suas conclusões (nao me cabe julgar), mas pela coragem de deixar o vento soprar e levar o balão para novos "espacos aereos". Admiro isso, e acho que foi nesse pensamento que ele escreveu o texto abaixo que deixo para que voces leiam com cuidado, e principalmente com respeito a alma de quem escreve:
Multiplicam-se relatórios que confirmam as suspeitas das elites evangélicas: “Não resta dúvida, o Ricardo Gondim destrambelhou”. A inteligentsia já concluiu que prego uma teologia relacional herética. Consto na pauta de algumas reuniões de presbitérios. Aumenta o número de professores de seminário que se deliciam com os textos que lhes municio e que os ajudam a mostrar aos seus alunos como são exatos na ortodoxia.
Ganhei o glorioso status de persona non grata no mundo evangélico. Já não sou sequer cogitado para falar em eventos multi-denominacionais. Em um congresso promovido pela Visão Mundial nos Estados Unidos, um correto e fiel guardião da fé tentou boicotar meu nome, ao afirmar, sem constrangimentos, que represento uma ameaça à “sã doutrina”. Como ele foi voto vencido, preguei, mas, num ambiente constrangedor.

Realmente percebo uma patrulha implacável no que escrevo. Cada dia mais noto o furor de desafetos que, há muito, não gostavam do meu jeitão e agora dispõem de bons argumentos para me apedrejarem.

Sinceramente não sei o que fazer. Não é bom para o coração sentir-se marginal. Não sou herege para fazer tipo. Por isso, procuro descobrir desde quando e porquê alguns me deram esse rótulo tão antipático.

Será que comecei a me desviar da fé por ter, um dia, lido e gostado de Fernando Pessoa, Vinicius de Moraes e Adélia Prado? Às vezes, me belisco tentando punir-me por interessar-me por Henry Nouwen, um católico. Eu não podia permitir que seu livro, “A Volta do Filho Pródigo”, mexesse tanto com minha alma. Por que, eu me pergunto, abri minha alma e me encantei pela prosa nordestina de José Lins do Rego e Rachel de Queiroz? Para que li o Abraham Joshua Heschel e a Simone Weill? Sem a influência deles, talvez continuasse repetindo verdades das teologias sistemáticas que entopem minha biblioteca.

Tento acolher a crítica dos calvinistas, já que perco, todos os dias, bons amigos que temem macular seus nomes, se andarem comigo. Eles preferem (não os critico) o colo acolhedor de suas denominações reformadas. Mas o que significaria voltar atrás? Como concordar com alguns de seus pressupostos? Para mim, aceitar a predestinação, como reza o catecismo de Calvino, significaria mais do que moldar minha mente à uma lógica que admita como coerente. Eu precisaria afirmar certas coisas que já não consigo.

Há alguns anos visitei Mumbai (antiga Bombaim). Ninguém anda pelas ruas da Índia e permanece o mesmo. Sua miséria destrói qualquer visão romântica da vida. A sorte de centenas de milhões não permite raciocínios objetivos. Caminhando pelo centro financeiro indiano, contemplei um mendigo completamente nu, jogado numa sarjeta e coberto de lama. O pobre homem mal respirava e naquele instante pensei: -Será que Deus em tempos imemoriais planejou criar este ser humano com o propósito de que nascesse, vivesse nessa condição, pior do que os porcos das favelas brasileiras, e depois morresse para queimar eternamente no inferno?

Eu poderia responder, como fazem os conservadores evangélicos: “Sim, ele nasceu sob a ira divina, herdou o pecado de Adão e sofre como participante da raça caída e degenerada. Infelizmente vai queimar no inferno. Esse pária intocável, viverá como vaso de desonra, mas cumprirá o propósito divino para que prevaleça a vontade de Deus e os eleitos vivam eternamente no paraíso”. Com essa atitude, daria as costas para seu rosto feridento e celebraria minha fortuna de ter sido eleito – sem mérito algum – para participar dos benefícios da Cruz.

Esse pensamento pode ser conseqüente para muitos, porém, não consigo acolhê-lo em meu peito. O rosto daquele indiano me persegue em noites insones, participa de meus solilóquios, e me convoca a dar melhores respostas ao sofrimento universal. A resposta lúcida e harmônica do calvinismo não me satisfaz, porque não consigo situar Jesus de Nazaré dentro dela. Prefiro observar a face terna de Deus em Cristo para perceber em seus atos o afeto divino. Desejo olhar para o faminto, o injustiçado e o marginalizado e poder identificar nele, a Imago Dei de Mateus 25, e não sua danação eterna.

Não me deleito em saber que consto no Index como um dos grandes apóstatas brasileiro. Mas, por mais que tente, não consigo varrer minhas inquietações para debaixo dos tapetes do mistério. Não tolero que me digam que certas doutrinas são mistério e que preciso aquietar-me com o ensino de que Deus em sua soberania sabe o que faz. Esse dogmatismo não me acalma. Quero saber, quero respostas! Aquiesço que jamais conhecerei todos os porquês, só não admito que me proíbam de continuar indagando.

Sendo assim, consagro meu novo status de herege para a glória de Deus. Desde que aceitei a Cristo como Senhor de minha vida, considero minha reputação um esterco. Tudo o que tenho e sou dedico ao santo ofício de trazer minha geração para um relacionamento mais íntimo com Jesus. Quero somar ao lado dos que têm fome e sede de justiça.

Caso minhas divagações e elucubrações ajudem as pessoas a conhecerem a ternura e o amor de Deus, continuarei a escrever, rasgando meu peito em público. Meus inquisidores podem dormir tranqüilos, no instante em que notar que meus devaneios promovem indolência, desumanidade e paranóias nas relações com o próximo e com Deus, calarei para sempre; e nunca mais se terá qualquer notícia minha.

Por enquanto, desejo transformar essas tais heresias em matéria prima que promova o bem da humanidade; sempre para o louvor do seu nome.

Soli Deo Gloria.

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Essa des-graça não tem Graça nenhuma!




Se alguém afirmar que depois do recebimento da graça da justificação a culpa é de tal forma expiada e o débito da punição eterna de tal forma perdoado em favor de cada pecador arrependido que não resta qualquer débito de punição temporal para ser ressarcido, quer neste mundo quer no Purgatório, antes que sejam abertos os portões do Céu, que seja anátema.




Cânone XXX, Sessão VI Concílio de Trento, 13 de janeiro de 1547



Se alguém afirmar que Deus sempre perdoa o castigo por completo em conjunto com a culpa, e que o ressarcimento oferecido pelos penitentes nada mais é do que a fé pelas quais eles entendem que Cristo efetua ressarcimento em favor deles, que seja anátema.




Se alguém afirmar que o ressarcimento dos pecados, no que diz respeito ao seu castigo temporal, não é de modo algum efetuado a Deus pelos méritos de Cristo pelas punições infligidas sobre ele e pacientemente suportadas, ou por aquelas impostas pelo sacerdote, ou até mesmo por aquelas assumidas voluntariamente, como através de jejuns, orações, esmolas ou outras obras de piedade, e que portanto a melhor penitência é simplesmente uma nova vida, que seja anátema.




Se alguém afirmar que os ressarcimentos pelos quais os penitentes oferecem reparação pelos seus pecados através de Cristo não são adoração a Deus mas tradições de homens, que obscurecem a doutrina da graça e a verdadeira adoração de Deus e a própria beneficência da morte de Cristo, que seja anátema.


Itens 12, 13 e 14 dos Cânones referentes à penitência.Sessão XIV do Concílio de Trento, 25 de novembro de 1551




Só uma perguntinha: será que essa visão mudou?




Só mais outra perguntinha: será que isso é um dogma da Igreja CAtolica ou é a expressão de algo que já é verdade em nossa alma há muito tempo, ou seja, de que nao aceitamos a salvacao pela Graça?




É só pra refletirmos




Obs: esse texto consta originalmente no blog de Paulo Brabo (www.baciadasalmas.com) com o nome "Simplesmente uma nova vida".

Morremos por socorro divino - Trecho do texto do Pr. Elienai Jr. chamado "Babelismo:As perversas construções humanas e a graciosa descontrução divina"

Se a instituição é o invento organizacional da pessoa humana que, ao reagir à sua finitude, acaba por desumanizar-se, institucionalizando a si mesma e às outras pessoas, a confusão, o desencontro, o desgaste, a crise e conseqüente deconstrução de nossas instituições não poderiam ser o invento redentivo de Deus? O Deus que criou a morte para livrar-nos da perpetuação do mal, também não teria garantido a repercussão da morte, gerando confusão e crise em nossas construções para livrar-nos da institucionalização da vida? Creio que sim.É aqui que o capítulo 11 de Gênesis colabora com nossa reflexão. Acredito que a narrativa da Construção da Torre de Babel, em sua linguagem mítica, descreve a dinâmica da institucionalização e a reação divina a ela. A unidade fictícia descrita inicialmente é a ocasião para a orquestração de um plano: construir algo tão elevado que garantiria que seus nomes não seriam dispersos sobre a terra. Deus discerne o movimento maligno por trás da construção e promove confusão. Na confusão o projeto é esvaziado, a ficção é descoberta. No desencontro entre subjetividades, intensificado pela ampliação da liberdade e individualidade das pessoas, Deus livrou-os de perpetuarem o mal em sua instituição-construção. A pessoa humana instituiu, Deus babelizou. A pessoa humana organizou para perpetuar-se cruelmente, Deus confundiu para pulverizar graciosamente a perversidade.Gianni Vattimo propõe a secularização como uma nova kenosis de Deus. A secularização que fez desmoronar a pretensão da religião de ser porta-voz da verdade última realizou no cristianismo o que Deus fez consigo mesmo. O cristianismo sem a secularização e sua marginalização da vida religiosa barbarizou em nome de Deus. A igreja secularizada precisou reaprender o caminho da humildade e da conversa. A igreja pós-secularização foi devolvida inadvertidamente ao caminho do amor.Deus se esvaziou (kenosis) e se humanizou, serviu-nos como um de nós (Fl 2.5-8). E como um de nós, ensinou-nos também a morrer. Quem se esvaziou para se tornar gente e se humanizou ao limite da morte, concluiu sua trajetória gloriosamente, com um nome que é sobre todo nome: Jesus. A secularização, fenômeno social decorrente do iluminismo, racionalismo, industrialização e cientificismo, que destituiu a igreja-instituição do horizonte último de legitimidade da vida, tornou-se graciosamente a oportunidade de, esvaziada, a igreja reaprender o caminho do amor e da morte redentora.Assistimos, hoje, a bagatelização de um movimento que já foi caro: o evangelicalismo. Ser evangélico, hoje, é ser confundido com o fundamentalismo religioso que legitimou a barbárie norte-americana no Iraque. Ser evangélico, hoje, é ser associado ao enriquecimento com o uso da religião. Ser evangélico, hoje, é participar do que há de mais sofisticado no mercadejamento da fé. O evangelicalismo brasileiro tem mais a marca de politiqueiros inescrupulosos que de santos e devotos. A cor e o som do movimento evangélico são tão artificiais quanto o que transmitem os comunicadores da televisão, cheios de cacoetes ensaiados e jargões vazios. No meio de tudo isso há um remanescente. Há “sete mil que não dobraram os joelhos”. Mas nem estes nem o passado heróico do evangelicalismo justificam qualquer insistência com um movimento que precisa morrer.A pulverização dos ideais cristãos no movimento evangélico pode ser uma nova kenosis de Deus. Quem sabe Deus não está babelizando nossa construção evangélica para nos livrar da perpetuação do mal. Quem sabe esta confusão evangélica, em que não mais conseguimos nos identificar, não seja o esvaziamento que nos devolverá ao caminho do amor? Precisamos renovar nosso olhar para o Cristo de Deus, prestar atenção no despojamento divino em fazer-se gente e acolher a morte redentora. Se Deus se esvaziou sendo Deus, como recusar o esvaziamento de nossas instituições, pretensas divindades? Se quem era escolheu deixar de ser, nós que não somos que outra opção mais legítima podemos ter? Adélia Prado conclui com poesia o que eu não consegui com dissertação.
“Fé”:
Uma vez, da janela,
vi um homem que estava prestes a morrer,
comendo banana amassada.
A linha do seu queixo era já de fronteiras,
mas ele não sabia, ou sabia?
Como posso saber?
Comia, achando gostoso,
me oferecendo corriqueiro, todavia
inopinado perguntou – ou perguntou comum como das outras vezes?
Como será a ressurreição da carne?
É como nós já sabemos, eu lhe disse,
tudo como é aqui, mas sem as ruindades.
Que mistério profundo!, ele falou
e falou mais, graças a Deus,
pousando o prato.

terça-feira, 8 de maio de 2007

Especulando o que já foi revelado


João 14:1-10

Todo mundo sabe que a bola da vez nas discussões teológicas evangélicas é sobre Deus. Quem é Deus? O que Deus faz? Ele está na história? Ele sabe tudo? Somos questionados sobre isso com uma freqüência que chega a ser incomoda.


Quando me vem essas discussões, lembro desse texto do evangelho João, que mostra que os mesmos debates tolos já faziam parte do passado remoto da Igreja.

Pense comigo:

Nesse texto Jesus está se despedindo dos seus discípulos. Está ali na verdade fortalecendo eles para que entendam o ponto alto da sua missão que estava chegando. Nos evangelhos sinóticos, eles apenas ouvem, não entendem, e seguem como se aquilo não importasse muito, porque os apóstolos dos sinóticos são homens da prática, iletrados, não dados a muitas questões teológicas. Já os apóstolos de João são questionadores, teólogos, o próprio evangelho é bem mais teológico que os demais.


Como João é um evangelho tardio, entendemos que ele revela a evolução do pensamento na Igreja. Quanto mais contato com as questões filosóficas, a Igreja começa a se distanciar da prática, da ação e principalmente da simplicidade do evangelho.

Essa parte do evangelho que estamos vendo mostra justamente essa busca pela simplicidade do evangelho.


Note a primeira pergunta:

Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho? (Jo 14:5)


Jesus afirma que eles sabiam para onde ele ia. Mas Tomé, aquele que precisa de provas, de razoes, de base experimental para sua fé. Como o senhor pode dizer que sabemos o caminho? Não sabemos!


Enquanto ele desejava um caminho esotérico, místico, espiritual, Jesus o responde com uma afirmação de dar nó na cabeça: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim. (14:6)


Enquanto ele buscava a essência, o fim da especulação sobre qual é o caminho para Deus; Jesus apenas afirma que ele, o exemplo dele, o amor dele, o sacrifício dele, é o caminho para Deus, é a vida com Deus e a verdade que filósofos, teólogos e discípulos curiosos tanto buscam. Em Jesus acabou a especulação sobre Deus e sobre o seu caminho.


Porém, Filipe não entendeu, e na esteira de Tomé ele faz a seguinte pergunta: Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos basta (14:8).


Quem pergunta pelo caminho é porque quer ver Deus. E quem vive especulando sobre Deus fora de Jesus, está apenas andando em círculos. É a ciranda da Teologia, rodando em torno da suas questões filosóficas.


Em Jesus morre questões teológicas. Na única vez que Jesus se prestou a discutir teologia, foi com doze anos, no Templo juntamente com os rabinos da época (Lc 2:46-47), porque discussão teológica geralmente é coisa de criança. Os apóstolos continuam nas discussões filosóficas e teológicas, abandonando o que realmente vale; que são as obras (e obra não é moral, deixar de pecar, ou coisa do tipo, mas simplesmente ser o mais semelhante a Jesus em amor).


Disse-lhe Jesus: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. (Jo 14:9-10)


Nossas discussões teológicas pretendem mudar nossa prática; mas quanto mais discutimos, especulamos, menos obras demonstramos. E Por quê? Porque não há mais o que se discutir, e sim o que fazer. Jesus é o fim da especulação religiosa; aliás, ele é o próprio fim da religião. Suas palavras definem, porque o que se tem que saber de Deus foi revelado nele, ele é o Logos, o Alfa, o Ômega, ou seja: o fim da especulação.


Se há “alguma discussão” pra se fazer, é a discussão de como pararmos de questionar e passar a fazer. Teologicamente falando, é uma discussão eclesiológica. Enquanto queremos entender Deus e ajudá-lo a se entender, o certo é demonstrar Deus e vive-lo naquilo que nos foi revelado, e isso é questão de fé, e não de lógica.


Precisamos entender isso!

O quanto antes!


Como diz o salmista: “Até quando Senhor...!”

Jorge