quinta-feira, 3 de abril de 2008

A vontade de Deus não basta

Talvez o exercício mais urgente que devamos fazer, como teólogos ou estudantes da Bíblia; é aprender a “pensar nas verdades divinas” tendo o mundo, e não os livros de teologia sistemática ou os compêndios de doutrina, como base para nossa reflexão. Quando voltamos nossos olhos para o mundo real, para “a vida como ela é”, sempre surgirá uma pergunta honesta: Onde está a vontade de Deus neste mundo?

O que dizer quando um jovem rapaz de vinte e dois anos é vitimado em um acidente de carro por um motorista embriagado e fica condenado a viver numa cama, totalmente inutilizado do pescoço pra baixo?

Alguns diriam: “Não cai nem uma folha das árvores se Deus assim não permitir, então, tudo está dentro da vontade de Deus!”. Outros diriam: “Não, o mundo foi lançado à própria sorte. Essa figura que chamamos de Deus criou este mundo e simplesmente o entregou a mercê do mal e dos caprichos humanos!”. Uma parte também diria: “Tudo que acontece de mal no mundo é obra de Satanás! Xô Satanás!!! Tá amarrado!”

Penso que existe outro caminho, outra estrada para encararmos as inadequações da vida, nossos dramas e pecados: Precisamos reconhecer que a vontade de Deus não basta!

Parece blasfêmia o que eu estou dizendo nesse momento, mas tanto a história como a própria palavra de Deus testemunham que a vontade de Deus não se impõe a liberdade humana. Salvo alguns casos esporádicos, podemos perceber que a regra geral é que a vontade de Deus não basta.

Leiamos com honestidade o Gênesis: Adão e Eva não se bastaram na vontade de Deus, Caim não suportou a vontade de Deus e os povos que construíam Babel encaravam a própria existência de Deus como limitação do seu potencial humano. Todos esses episódios têm uma característica em comum: A liberdade humana indo contra a vontade de Deus.

A vontade de Deus não basta porque o próprio Deus criou algo que possui um poder transformador equivalente: a liberdade humana. É como se, ao criar a liberdade humana, uma parte da vontade divina fosse compartilhada com os humanos. O princípio de João Batista é válido para a história da criação do homem: para que alguém cresça é preciso que outro venha a diminuir.

Porém todo o equilíbrio é muito bem vindo quando discutimos tal assunto. Não podemos jogar todo o peso do mundo na conta de Deus e afirmar que a sua vontade é absolutamente soberana. Assim criaremos um ídolo que deverá ser descrito como mal, manipulador, caprichoso e chantageador. Se todo o mal é como um chicote para punir e corrigir o homem, fazendo com que este venha “amar” o ídolo que erroneamente chamamos de Deus, então esse “ser divino” não busca o amor e não vive pelo amor, mas pela coerção.

Tal figura não condiz com o Deus da Bíblia, muito menos com o Aba que Cristo tanto anunciou.

Do mesmo modo, jogar todo o mal sobre as costas da humanidade é igualmente absurdo. O ser humano está em eterno processo de aprendizado. Sabedoria e conhecimento nunca se esgotam, e a capacidade de escolha depende de tal crescimento. É impossível não recordar das palavras de Deus a Jonas, um profeta que culpava tanto a cidade de Nínive que não havia mais lugar para misericórdia. Porém, Deus disse: “Eu não terei pena de Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil seres humanos, que não distinguem entre a direita e a esquerda, assim como muitos animais!” (Jn 4.11).

A vontade de Deus não anula o ser humano, e a liberdade humana não impede o agir de Deus. A grande diferença é que Deus sabe respeitar os limites que ele se auto-impôs para não anular o homem. Já o homem utiliza sua liberdade sem distinção e busca sempre anular a figura de Deus em suas vidas.

Aqui eu tomo emprestado à idéia de Agostinho: o mal é um distanciar-se de Deus. A liberdade humana não é a semente do mal, muito menos a natureza pecaminosa herdada do pobre Adão, culpado de todos os nossos erros. O mal está no desejo de autonomia, na liberdade que gera o individualismo, na desconsideração pela vontade de Deus e pela indisposição de formar parcerias com o Aba para a construção da nossa própria história.

Se percebermos o mundo por essa ótica, poderemos construir uma idéia sobre Deus e sua vontade que seja menos opressora e doentia. Poderemos abandonar certos conceitos falsos sobre Deus e assim começarmos a entender melhor o que Jesus queria dizer ao chamar o Senhor de Aba Pai. Este Deus-Pai não precisa chantagear seus filhos com o mal, as doenças e as tragédias para gerar amor nos seus corações. O Aba não precisa de barganhas para continuar sendo relevante na vida de seus seguidores. Ele não se impõe, pois o homem é quem precisa descobrir que sem Ele estamos à mercê de nós mesmos.

Um deus que determina, que se utiliza do mal e que troca bênçãos por devoção e “amor” é apenas uma criação do homem, que é incapaz de encarar sua própria liberdade e responsabilidade, e humildemente reconhecer que o mundo é infinitamente maior e mais enigmático que o “quintal” da sua vida. Um deus que é responsável por tudo faz, e assim pode ser acusado de tudo, faz mais sentido que o Aba, um “deus maluco” que divide suas responsabilidades com o insignificante Adão, o pó da terra.

A vontade de Deus não basta porque ela o que ela mais deseja é a parceria com a liberdade do homem. Quando esse casamento ocorrer, então poderemos encarar o mundo com mais esperança e menos fatalismo.

João Evaldo e Jorge

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