sábado, 29 de dezembro de 2007

Adeus ano velho...

Quando se pergunta as pessoas da televisão sobre como foi o ano que está terminando, a maioria sempre responde que o ano foi ótimo, cheio de conquistas. Infelizmente para mim, o ano de 2007 não foi tão bom quanto esperava.

Na verdade foi um ano que me trouxe tristezas, decepções, sonhos frustrados. Vi esse e "escorrer pelos meus dedos" sem que mudanças realmente significativas na minha vida tenham ocorrido.

Tive alguns bons momentos, como o caso da minha formatura e da minha viajem a São Paulo em setembro, mas tudo isso ficou um tanto permeado por esse "clima ruim" que contaminou o ano todo. No geral este ano nao foi dos melhores.

Portanto, não me despeço de 2007 com alegrias, com saudade, mas sim com um certo alivio e uma pitadinha de esperança. Meu desejo é que este ano possa estar sendo o encerramento de um ciclo ruim que tenho passado, e que 2008 possa trazer um novo momento sobre minha vida, de mudancas realmente significativas, de conquistas, um ano onde as "engrenagens" realmente funcionem.

Esse nao é somente o desejo para minha vida, mas para a de todos que estão prestigiando esse blog!

Feliz 2008!!!

domingo, 23 de dezembro de 2007

CONTRA ESSAS COISAS NÃO HÁ LEI (GL 5:23) - UMA REFLEXÃO SOBRE AS OBRAS DA CARNE E O FRUTO DO ESPÍRITO (Parte 3)

Continuando...

O Fruto do Espírito é um estado de quem se vê dominado pelo amor de Deus. Se eu pudesse reescrever o versículo, colocaria nesses termos: “Mas o fruto do Espírito é o amor, e com ele temos alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5:22-23).
Só há o fruto do amor como resultado de uma vida pelo Espírito Santo, e esse amor, que está na base do mandamento de Cristo, traz consigo as demais qualidades enumeradas por Paulo. Crescer no Espírito é crescer no amor e suas conseqüências, dentre as quais as que o apóstolo enumerou logo após mencionou logo após.

Ágape – Este substantivo foi praticamente criado pela religião cristã para determinar o amor de Deus e de Jesus Cristo. Ágape descreve uma qualidade de amor completamente oposta a todas as formas humanas de manifestar tal sentimento.
Ágape é um tipo de amor que acima de tudo é inclusivo. Nele não há barreiras e pré-condicionamentos. Ágape é o amor que não necessita de barganha para ser concedido. Deus ama independente de haver ou não méritos por parte do objeto do seu amor. Ágape é o centro da Graça.
Sendo assim, a pessoa inundada pelo Ágape busca derrubar todas as barreiras que lhe impeçam de amar o outro. A parábola do Bom Samaritano mostra que o Ágape motivou o viajante a socorrer aquele judeu vítima de ladrões, passando por cima de todas as barreiras de ódio inter-racial que havia entre os dois povos (Lc 10:25-37). Ágape é um exercício de misericórdia, tolerância e aceitação.
Ágape não é simplesmente um sentimento. Jesus ordena aos seus discípulos que amem até mesmo seus inimigos. Ágape não nasce no nosso coração e morre sem que possamos controlar. Ele não é um sentimento despertado por outra pessoa em nós. O amor cristão é uma participação do Espírito Santo juntamente com uma decisão em fé de querer ir ao próximo. Ágape envolve mente e coração, sentimento e decisão.
Sem esse amor, segundo Paulo, não sentido em nada do que fazemos, assim como não há sentido de ser cristão (1Co 13). Ágape é uma qualidade altruísta de se colocar ao lado da pessoa, de sentir suas dores e alegrias, de poder compartilhar da vida com ela. Ágape é a “cola” que mantém a comunhão da Igreja.
Como se trata de uma condição divina, um sentimento próprio de Jesus, ele nasce na medida em que o Espírito Santo transforma a nossa vida. Sem o Espírito, não há Ágape, e o cristianismo só transformará o mundo quando seus membros forem também transformados pelo amor.

Chara e Eirene – A conseqüência direta do Ágape esta evidente no restante das qualidades do fruto do Espírito. Chara e Eirene são sentimentos que seguem diretamente o indivíduo cheio de Ágape.
Traduzido como Alegria, a palavra Chara era usada nas saudações entre os gentios. Em Atos 23:26, mostra de Félix dirigida a Cláudio Lisias onde começa com o termo “Saudações!”. Porém, o termo grego, traduzido literalmente, significa: “Que a alegria seja convosco!”.
Chara não significa, no uso paulino em Gálatas, um êxtase de risadas, gargalhadas e euforia. Mais do que isso, Chara é uma qualidade de que se sente feliz, satisfeito, pleno, independente da situação que o mundo lhe ofereça. Se Ágape é uma decisão de amar que não depende do objeto amado, Chara é uma alegria que não encontra motivos externos, mas provém de um estado espiritual daquele que está cheio de amor.
Não é de se espantar que, das diversas vezes em que ocorre no Novo Testamento, Chara está acompanhada de tribulações, perseguições, necessidade de exercer paciência (At 13:52; 2Co 6:10; 1Ts 1:60). Aquele que possui a alegria do Espírito, a exercita em meio aos momentos mais difíceis da vida, pois ele tem, pela fé, motivos de alegria perene.
Em última estância, a alegria é um sentimento de satisfação, mesmo diante dos problemas, pois ela provém da fé nas promessas e ensinos de Jesus. Os discípulos se alegravam por serem perseguidos pelo evangelho, pois sabiam que neles estava se cumprindo às palavras de Jesus (At 5:41). Chara é uma qualidade da fé e da confiança.
Se alegria é um sentimento de satisfação independente das situações do cotidiano; Eirene é uma paz que não encontra razão no mundo para existir (Fp 4:7). Na aplicação paulina em Gálatas, paz tanto significa uma relação correta com Deus e com o próximo.
Pela graça, Deus nos reconciliou consigo em Cristo. Tal estado descreve a paz que existe entre Deus e o homem. Toda dívida, todo motivo de desacordo, tudo foi pago por Jesus, e de tal forma, existe Eirene entre Deus e os humanos.
Paz é um estado de serenidade, tranqüilidade e satisfação, assim como Chara. Contudo, Eirene é um estado de satisfação que abrange os relacionamentos humanos. Aonde a paz reinar, ali reina a harmonia entre os homens. Eirene então é antagônica a Eris.

Makrothumia – Traduzida por paciência ou longanimidade, está é a qualidade daquele que é tardio em irar-se. Qualidade daquele que não perde as esperanças com outra pessoa, apesar das situações adversas.
Aquele que é cheio de Makrothumia não se vinga, caso se sinta injustiçado, ele sabe aguardar o momento em que a justiça será feita. Essa qualidade abrange não só a paciência, mas também a esperança de que a pessoa mude.
Makrothumia é indispensável à manutenção da comunhão. Na convivência existem sempre situações onde ocorrem desentendimentos, frustrações, ira. O indivíduo cheio de Thumos logo descarrega sua ira e assim destrói a comunhão e a amizade, mas o Makrothumia é aquele que mesmo chateado ainda investe na comunhão com seu agressor, resguarda-se da ira para que possa resgatar a amizade. Só haverá Eirene em uma comunidade quando seus membros desenvolverem Makrothumia.
Este seria o sentido de longanimidade. Não é somente a paciência inerte, mas uma ação em prol da unidade e da paz, eliminando a ira que não produz justiça, mas desarmonia. Makrothumia é parceira da esperança.

Chrestotes – Traduzida como bondade ou benignidade. Significa uma ação de gentileza e doçura que recua diante da idéia de provocar dor. Chrestotes é usada diversas vezes para descrever a forma misericordiosa que Deus agiu com o homem, não imputando sobre ele a conseqüência de seus pecados. A benignidade de Deus é uma qualidade que age em favor do homem para perdoá-lo dos seus pecados e também transformá-lo em uma pessoa benigna para com o próximo. O benigno não só perdoa como também oferece condições para que o outro seja transformado pela bondade. Chrestotes está intrinsecamente ligada à capacidade de perdoar e exercer bondade.

Agathosune – Esse termo também pode ser traduzido por bondade ou benignidade; mas seu significado é mais amplo do que Chrestotes. Alguns acreditam que Agathosune é a própria Chrestotes em atividade.
Paulo, porém, visa uma outra aplicação para Agathosune. Para os escritores gregos, existe uma diferença entre o justo e o bondoso. O justo (dikaiosune) é aquele que dá aos homens segundo o que lhe é devido, de acordo com a lei. Já o bondoso (agathosune) vai além dos limites da justiça para que possa ajudar e beneficiar o próximo. O termo em português que mais poderia se aproximar de Agathosune seria generosidade.
Façamos uma comparação: Imaginemos que segundo a lei, o marido que pede divórcio esteja obrigado a dar apenas 10% dos seus rendimentos para o sustento de sua família após a separação. Porém, o mesmo sabe que este valor é insuficiente para o sustento dos filhos. Caso ele seja apenas justo (Dikaiosune), ele fará aquilo que a lei recomenda a ele que seja feito. Porém, se ele for generoso (Agathosune), ele dará além daquilo que está prescrito na lei, fazendo o necessário para manter seus filhos em boas condições.
Essa é a qualidade do generoso, é aquele que promove a vida, oferecendo tudo que seja necessário ajudar o próximo. Agathosune é a capacidade daquele que pode exercer compaixão e misericórdia, sendo assim generoso, movido por bondade. Geralmente o termo Agathos, que é a raiz de Agathosune, representa o oposto de Ponêros, que significa maligno, avarento, mesquinho. Sendo assim, Agathosune representa também a qualidade daquele que não é egoísta, não estando preso aos bens materiais.

Pistis – Esta palavra é comumente traduzida por fé. Porem, na aplicação do apóstolo Paulo em Gálatas, ela está próxima do significado de fidelidade, por ser uma virtude ética.
Fidelidade é capacidade de manter-se integro diante de Deus e dos homens. Pistis é a qualidade daquele que não negocia a confiança do próximo. Também pode ser usada no sentido de obediência leal (Mt 25:21). A firmeza de caráter é fundamental para a pessoa cheia de Pistis.
Geralmente Paulo a usa para descrever obreiros fiéis a Deus e a missão do Reino de Deus. Descreve o caráter daqueles que se mantém em obediência a Deus (2Tm 2:2). Paulo recomenda as mulheres que permaneçam Pistis em todas as coisas (1Tm 3:11). Ser digno de confiança faz parte do sentido de Pistis.

Prautes – A mansidão hoje é mal interpretada por muitos, chegando a ser sinônimo de covardia, passividade mórbida e ausência de força. Porém, o termo Prautes não traz em si esse significado.
Prautes está associada à qualidade que torna as pessoas delicadas e suaves no trato com os outros. A gentileza seria o termo que melhor se aplicaria à Prautes. No grego secular era muito usado para aqueles que se mantém brando em meio a debates, não perdendo assim a calma.
Manter-se calmo em meio a situações de nervosismo e ira é inerente ao Prautes. O manso é aquele que consegue aceitar disciplina e correção sem irar-se. A delicadeza faz do homem capaz de lhe dar com as mais diversas pessoas e situações de forma sábia. Cortesia seria uma ótima palavra para definir Prautes.
Nas Escrituras, a mansidão é geralmente contrastada com a soberba, altivez de Espírito que leva a arrogância. A humildade caminha juntamente com a mansidão. O homem Prautes é capaz de agir com brandura para levantar os que estão caídos, dando-lhes novo ânimo a prosseguir no caminho cristão.
Prautes é o sinônimo de um caráter equilibrado entre a falta de ira e a ira excessiva. Jesus exerceu Prautes mesmo quando destruiu o comércio no Templo, pois sua ira estava a serviço da justiça de Deus (Jo 2:12-17).

Egkrateia – Se Prautes é um caráter equilibrado entre a ira e a passividade, Egkrateia a qualidade do homem equilibrado por excelência.
Exercer domínio sobre seus desejos é o que caracteriza uma pessoa Egkrateia. Ao aconselhar jovens quanto ao casamento, Paulo afirma que se alguém não for capaz de controlar seus desejos, que procurem então casar-se (1Co 9:25). Para tais pessoas, Paulo está afirmando ser impossível exercer domínio próprio (Egkrateia) na área afetiva e sexual.
No grego secular, esta palavra geralmente significa abstinência sexual. Era uma qualidade admirável aqueles que exerciam Egkrateia sobre seus apetites. Logo, a palavra tornou-se sinônima de asceticismo, da abstinência total de todos os prazeres mundanos que contaminem o espírito.
O que está no centro do significado da palavra Egkrateia é a mensagem de que o homem não pode abandonar a razão para tornar-se escravo dos seus desejos. Não significa em si a abstinência de qualquer prazer que traga alegria ao corpo e a alma, mas o seu uso moderado, sem excessos.
Porém, o uso em Gálatas parece implicar um domínio sobre si mesmo que é indispensável para o exercício do amor cristão pelo próximo. Toda concupiscência leva o homem a abandonar virtudes necessárias ao bom convívio com o próximo. Quando se extrapola os limites do desejo, geralmente quebra-se a barreira do respeito e da decência, levando assim escândalo e desrespeito ao próximo.
Quem não possui equilíbrio em suas relações, acaba por inviabilizar o bom convívio com seus irmãos, sendo assim prejudicial a comunhão e unidade. Ele abandona o amor ao próximo em entrega-se ao amor egoísta, que visa apenas à realização de seus próprios desejos e caprichos.
Domínio próprio vem a ser então a qualidade daquele que se contem em favor de um bem que está acima de seus desejos egocêntricos. Egkrateia é próprio daqueles que perseveram em alvos mais nobres.
Nem todo incontinente o é por opção. Em certos momentos a pessoa tornou-se a tal ponto escrava do desejo que realiza atos errados mesmo contra sua vontade. Egkrates é o homem principalmente transformado pelo Espírito ao ponto de resistir aos impulsos que ele reconhece como sendo maus.

Fica visível que o fruto do Espírito consiste numa transformação interior que possa aniquilar com todo o egoísmo humano. As qualidades do Fruto são visivelmente contrastadas com a desarmonia que as obras da carne causam no meio de uma Igreja. O amor, a bondade, a continência, a generosidade e todas as demais qualidades são, em si, a chave para unificar a comunidade cristã; e assim repelir toda facção, discórdia, ira, prostituição e desejos que apenas trazem a tona o egoísmo próprio de nossa natureza caída.

Como já foi dito; mais do que criar uma nova lista de regras, Paulo estava apenas ensinando aos Gálatas que seguir em amor faz com que brote comportamentos mais nobres e sagrados do que qualquer lei jamais irá produzir. O nervo central das obras da carne é o egoísmo, e infelizmente a lei serviu para que tal sentimento crescesse ainda mais entre os “crentes”. O único antídoto contra este mal não é mais uma lei, mas a vida que pela graça e fé, gera amor, e com ele, as demais qualidades vindas do coração de Deus.

Não há lei, nem contra e a favor, a essas coisas!


Fonte: Para realizar esse estudo tive a ajuda maravilhosa do livro "Obras da Carne e o Fruto do Espírito", de William Barclay, da Editora Vida Nova.

sábado, 22 de dezembro de 2007

CONTRA ESSAS COISAS NÃO HÁ LEI (GL 5:23) - UMA REFLEXÃO SOBRE AS OBRAS DA CARNE E O FRUTO DO ESPÍRITO (Parte 2)

Continuando...

Echthra – Apesar de ser muitas vezes traduzida por ódio, ou inimizades, talvez a aplicação que Paulo queria dar a essa palavra esteja mais próximo do sinônimo de preconceito, ou um sentimento de superioridade perante os demais. Aqueles que são dominados pela Echthra consideram-se melhores do que uma determinada classe de pessoas, nutrindo assim um preconceito contra aqueles que não são “do mesmo porte”. Tal sentimento logo se traduz em hostilidades mútuas, violência e intolerância. O preconceituoso e hostil não consegue manter uma relação de irmandade com os demais, mas de inimizade com aqueles que segundo seu conceito são inferiores. Esse pecado é o contrário perfeito de Ágape, a primeira qualidade do fruto do Espírito listada por Paulo.

Eris – Nome dado à famosa deusa grega da contenda, Eris, na aplicação de Paulo, é um sentimento de exaltação própria tamanha que causa constante desentendimento entre as pessoas. Um indivíduo cheio de eris está sempre gerando contendo na igreja porque se considera o único portador da verdade, inteiramente certo em tudo que pensa e fala. Paulo cita que o caso de Corinto foi causado por Eris, pelo sentimento de superioridade que gerou grupos contenciosos e completamente desarmônicos (1Co 1). Esse é o sentido principal de Eris no contexto paulino: pessoas ou grupos que geram desarmonia ao corpo de Cristo.

Zelos e Fthonos – Nas relações humanas, zelos era comumente aplicada para o sentimento de ambição que acometia uma pessoa ao ver o sucesso do próximo. No grego secular, alguém possuído de zelos era alguém que lutava para chegar a ter o mesmo sucesso que seu irmão havia adquirido. Até esse ponto, Zelos era muito mais uma qualidade do que um defeito, seria o que chamamos hoje de “vontade de crescer”, uma busca pelo sucesso. Mas essa palavra logo evoluiu para um sentido negativo, sendo na Vulgata traduzida por homicídio. A intenção de Paulo, ao que parece, é evitar que as pessoas alimentem sentimentos de ambição pelo sucesso alheio, já que todas as vezes que a palavra Zelos ocorre na Bíblia, ela está acompanhada de Fthonos, que significa inveja daquilo que o amigo possui. Zelos rapidamente evolui para Fthonos, e tal inveja não é o desejo de ter aquilo que o amigo tem, não é simplesmente cobiçar os bens do seu irmão, mas é ficar amargurado pela conquista dele, é não desejar a felicidade do próximo em todos os sentidos. Uma pessoa cheia de Fthonos não quer ter a mesma alegria do seu irmão, mas quer que seu irmão seja tão infeliz quanto ele é.

Thumos – A melhor interpretação para Thumos seria um estado de ira irracional, porém passageira. Geralmente aplicada às pessoas de gênio explosivo, o chamado “pavio curto”, pessoas que se deixam dominar por impulsos violentos e sem o menor raciocínio. Representa um estado de ira que a pessoa se priva da consciência e age de forma irracional. Mesmo que após a ira a pessoa venha cair em si e se arrepender do que fez, geralmente alguém que possui Thumos é orgulho por “não levar desaforo pra casa” e também “por dizer tudo o que pensa” sem se preocupar se está ou não ofendendo o próximo.
A palavra Thumos também pode ser usada para um sentimento de indignação perante o mal e as injustiças. Sendo assim, o indivíduo se ira em favor daquele que está sento vítima do mal, e tal ira acaba por ser um instrumento de aplicação da justiça. Nesse sentido podemos entender o que Paulo quer dizer também em Éfesios 4:26 quando escreve: “Irai-vos, mas não pequeis”. A ira que produz justiça (obs: não compare ira com vingança, pois vingança não traz justiça) é bem vinda; mas toda ira que gera violência, provinda de sentimentos egoístas, é pecado listado entre as obra da carne.

Eritheia – Da mesma raiz de Eris, Eritheia é a conseqüência funesta de Eris. Poderia ser usada para no sentido de mercenário, aquele que trabalha unicamente visando o lucro, e também para facções, ou seja, um indivíduo ou partido que trabalha apenas para a manutenção dos seus próprios interesses e ambições pessoais. Aquele que está corrompido pela Eritheia não consegue decidir pelo bem comum, mas apenas em fazer aquilo que esteja de acordo com seus desejos.

Dichostasia – Essa é a qualidade do individuo que se afasta da comunidade por considerá-la totalmente errada e inadequada para ele. Tal pessoa, ou até mesmo grupos, evoluem a tal estado que já se esvaiu toda a possibilidade de comunhão e fraternidade, restando apenas a divisão. Dichostasia é o efeito natural produzido no meio de uma comunidade que foi invadida por Echthra, Eris e Eritheia, semelhante a um câncer que evolui chegando ao estado terminal do paciente.

Hairesis – o sentido hoje de heresia está limitado apenas ao uso teológico. O individuo herege é aquele que nutre pensamentos acerca de Deus que são contrários ao posicionamento vigente, adota pela maioria (ortodoxia). Porém, não era esse o sentido usual da palavra Hairesis, e a aplicação paulina também não se resume a isso.
Heresia no tempo de Paulo seria o mesmo que partidarismo nos nossos dias. Nome também usado no mundo antigo para denominar uma seita, não tinha o sentido pejorativo como aplicado hoje. Numa linguagem bem popular é o que chamaríamos de “panelinha”, ou seja, grupos que se alinham por certas afinidades, e que por isso, excluem os demais que não as possuem.
Ao repreender as divisões que aconteciam durante a Ceia do Senhor na igreja de Corinto, Paulo usa o termo hairesis para se referir aos grupos divididos que não esperavam uns pelos outros durante a festa. Se nossa piedade cristã nos separa daqueles que consideramos menores, então estamos incorrendo no pecado de hairesis, e esse é provavelmente o melhor sentido para ser aplicado a palavra no contexto das obras da carne.

Methê e Komos – Respectivamente significam bebedeiras e orgias. Muitos hoje desejam interpretar que a Bíblia proíbe o consumo de bebidas alcoólicas utilizando este texto de Gálatas entre outros. Porém, Methê representa um estado de embriaguez causado pelo abuso do álcool. O indivíduo cheio de Methê é aquele que extrapola o limite do prazer e causa vergonha não só para ele mesmo, como também para a comunidade em que vive. O vinho era uma bebida universal no mundo antigo. Tanto Jesus como os apóstolos bebiam vinho e o consumiam nas celebrações de Ceia. Paulo sugere a Timóteo que tome vinho para combater enfermidades do estômago (1Tm 5:23). Methê é o pecado do excesso do vinho, que gera outros problemas além de simples bebedeira, como violência, morte, divisão, ofensas, prostituição, e vários outros males que lhe acompanham.
A lógica e que após condenar a bebedeira, Paulo também venha proibir Komos, ou seja, as orgias. Apesar de no grego secular ela ter significado de festa, comemoração; nos tempos de Paulo ela era mais comum para celebrações, inclusive cerimônias religiosas onde era praticada a glutonaria, a bebedeira e a prostituição, tudo em homenagem aos deuses. As orgias dedicadas a Dionísio (grego) e a Baco (romanos) eram conhecidas de Paulo e seus contemporâneos. Muitas vezes as orgias também implicavam em sacrifícios humanos ofertados aos deuses e outros ritos estranhos e secretos.
Ambos, Methê e Komos, eram excessos do prazer saudável. O cristianismo não privava seus adeptos de fazerem festas e do consumo de bebidas, mas era incompatível ao espírito da mensagem e do mandamento de Cristo a prática que excedesse a moral e que causasse escândalo na comunidade. Nisto está implícito o ensino de Paulo que recomenda a abstinência caso meu comportamento possa causar escândalo ao irmão mais fraco (Rm 14:21, 1Co 8:9-13).
Percebamos que cada obra da carne são obstáculos concretos a adoração cristã, a vida segundo a graça e ao amor próximo. Cada uma das práticas condenadas por Paulo possui raízes no egoísmo e no orgulho, que são completamente antagônicas ao principio cristão do amor que inclui, renuncia e se humilha para o bem do outro. Paulo não está substituindo a lei judaica por uma lista de proibições cristã. Ele apenas expõe, através destes pecados que a nossa fé deve gerar um amor que alcance o próximo, que estenda graça aos outros como Jesus a estendeu para nós. Não é a pratica desses pecados que lhe leva ao inferno, é o que estava por trás de todas as suas motivações: o amor ou o egoísmo.

Continua...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

CONTRA ESSAS COISAS NÃO HÁ LEI (GL 5:23) - REFLEXÕES SOBRE AS OBRAS DA CARNE E FRUTO DO ESPÍRITO

A carta aos Gálatas é uma tentativa calorosa de Paulo em defender o movimento cristão primitivo contra qualquer “adulteração” da sua mensagem. Contudo, não somente apologética; esta epístola testemunha sobre uma igreja nascente que busca construir sua própria identidade.

A grande ameaça para que isso ocorra é a confusão que estava se dando, não só na igreja da Galácia, mas em outras localidades também: Em Jesus Cristo o homem ainda precisa da lei para tornar-se agradável a Deus, aceito por Deus? Dependendo de como essa pergunta fosse respondida, a comunidade cristã poderia estar caindo na armadilha judaica, sendo assim incorporada a velha ordem dos judeus legalistas.

Sendo assim, o apóstolo tenta mostrar os fundamentos da graça segundo a obra de Cristo. A lógica é mostrar que a lei não gerou salvação aos homens, não lhes transformou o caráter. Já em Cristo, qualquer necessidade de agradar a Deus para que ele nos aceite, está satisfeita no próprio Jesus, e este benefício angariado pelo Messias é estendido a todos aqueles que por fé aguardam a justiça vindoura de Deus.

Paulo chega a essa conclusão no capítulo 5, quando diz: “Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor” (vs. 5-6). Ou seja: Não há lei que possa dar ao homem valor aos olhos de Deus, apenas a fé que atua pelo amor.

Essa última frase é importante para que compreendamos que Paulo não fala de uma vida irresponsável e sem limites. Os legalistas costumam sempre a pensar que o único antídoto que impede a devassidão completa das pessoas é a lei, os mandamentos, as proibições divinas. Sem elas, pensam eles, os crentes logo se desviarão do caminho pelos motivos mais torpes e vis.

Mas para Paulo, a fé que nos liberta da lei não é libertina, mas tem o amor como o fio condutor de uma vida segundo a graça de Cristo. É a “lei” do amor que “ditas as regras” daquele que é salvo por graça e fé.

De tal forma, não é de se espantar que Paulo relacione a lei do amor com a comunhão, à servidão ao próximo em gratidão a Deus. O cuidado com o próximo, com a comunhão, o amor que alcança aquele que está do lado; este sim é o sinal visível que demonstra a fé que vem da graça.

Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo (vs.14).

Na minha humilde compreensão, acredito que sem a compreensão da graça e do serviço cristão é impossível compreendermos a “lista de pecados” que Paulo descreve, assim também como a “lista das virtudes” que devem habitar o coração. Ambas, pecados e virtudes; estão de alguma forma relacionadas ao mandamento do amor em Cristo, e não se resume apenas a uma lista de como perder ou ganhar o céu. Seria insensato de nossa parte supormos que Paulo estava dando um novo mandamento sobre o que devemos ou não fazer para agradar Deus, caso contrário estaria caindo no erro que ele mesmo condenou.

Não é essa a intenção da lista de obras da carne e fruto do Espírito. Não há outro objetivo senão apenas o de mostrar que a graça, agindo pela fé e pelo amor, segue uma trilha que é construída pelo Espírito Santo revelado no fruto em minhas atitudes. Os que seguem a lei não conseguem livrar-se das terríveis obras da carne, e não será somente o ritual externo que irá torná-los menos libertinos do que aqueles que não possuem lei.

Vejamos como cada obra da carne e cada qualidade do fruto espiritual estão de alguma forma ligada à comunhão, ao amor ao próximo e ao serviço. As obras da carne exemplificam como a nossa natureza caída segue contra a lei áurea de Jesus. Já o fruto do Espírito é a tipologia pratica de como o agir de Deus nos leva a sermos mais compromissados com a vontade de Cristo.

As obras da carne são:

Pornéia – Paulo começa a “lista” com o pecado de prostituição. Se o apóstolo estava falando de amor entre irmãos, o mesmo sabia que o nobre sentimento ágape poderia ser maculado com a prática de Pornéia. A prostituição poderia ameaçar grandemente as relações dentro da comunidade e forma como os cristãos iriam expressar sua adoração, já que de certa forma a adoração judaica estava sendo abandonada pela nova seita.
Pornéia estava ligada a Eidololatria, a prostituição era uma forma de adoração aos deuses. Não era simplesmente uma “atividade econômica”, uma troca de prazer por dinheiro. A prostituição era também uma atividade religiosa amplamente praticada no mundo antigo.
A prostituição, nos tempos de Paulo, não era considerada uma falta moral, mas ao contrário, era amplamente incentivada pela cultura antiga e era financiada pelo Estado greco-romano. Havia uma ligação tríplice entre Prostituição, Religião e Estado; um sistema cultural fortemente arraigado na mentalidade dos gentios.
Esse cenário nos leva a supor porque Paulo começa sua “lista” por Pornéia. Tal pecado logo deturparia as relações dentro da comunidade cristã. Se a lei judaica proibia a Pornéia na congregação, porém Paulo estava afirmando a inutilidade da Lei na nova relação com Deus; então seria fácil para o gentio, culturalmente adaptado a prostituição, vir a inseri-la na Igreja.
A proibição a Pornéia era justamente uma forma de resguardar as relações sadias na comunidade, além de tentar proteger a adoração cristã das influências do culto pagão. Todas as relações que fazem do outro um objeto, tirando-lhe a dignidade humana, está incluída na proibição paulina. Ela vai diretamente contra a lei de amar o próximo como a si mesmo, isso sem falar os danos psicológicos causados pela pratica da Pornéia, um desrespeito generalizado ao valor da vida humana.

Akarthasia – O termo usado por Paulo para impureza vem da própria sujeira material, porém o uso dela passou a ser direcionado para a impureza religiosa e moral. Akarthasia é um estado de depravação interior que se reflete nas ações libertinas, que desrespeitam o próximo e impedem qualquer relação sadia. Tal condição interior também torna o homem impuro perante Deus. Esta palavra foi aplicada na LXX para descrever as impurezas cerimoniais que impediam os judeus de oferecerem sacrifício e adoração no Templo. Akarthasia leva diretamente a Aselgeia.

Aselgeia – Traduzida por libertinagem, a Aselgeia é uma paixão, um vicio desenfreado pelo pecado. Tal pessoa chega a um estado em que sua consciência e a moral vigente já não lhe importam mais, extrapolando qualquer limite de decência. Tal pessoa não suporta a disciplina e a correção, assim como mantém um completo desrespeito e indiferença aos direitos dos outros. Enquanto Akarthasia geralmente se refere a um estado mental, Aselgeia implica diretamente em atitudes que ferem toda a comunidade e prejudicam a verdadeira comunhão.

Eidololatria – Como já foi dito, não dá para pensar em idolatria no mundo de Paulo sem associá-la à prostituição. Porém, não é somente a prostituição que impede a idolatria. Ligada à prostituição estava o culto ao imperador, ou seja, a adoração da criatura, que Paulo reprova no capítulo 1º de Romanos. A idolatria é um terrível desvio na verdadeira adoração que o homem deve prestar a Deus.
A graça, tão defendida por Paulo na carta aos Gálatas, também é ameaçada pela idolatria. A relação entre o idolatra e o seu deus está baseada geralmente na troca de favores, na barganha com o divino. Sendo assim, o idólatra não vive segundo a graça, o favor imerecido de Deus, mas segundo a lei da troca, que está embutida no próprio sentido dos mandamentos legalistas. Ou seja, na medida em que minha relação com Deus está fundamentada na troca, na adoração por favores, estou me afastando do Deus vivo e criando para mim um ídolo com o mesmo nome.
Seguindo esse raciocínio, o ídolo nasce de um sentimento egoísta. É interessante observar que as guerras mitológicas entre os deuses eram na verdade representações das inimizades e ódios entre os humanos. Existe um traço evolutivo na idolatria ao longo dos séculos, onde os povos passam do culto aos deuses que representavam as forças da natureza e os seres da criação, e vão se adaptando ao culto ao Estado e ao Imperador. O que não seria a adoração ao imperador do que a representação da auto-idolatria da humanidade, adorando seus próprios líderes e os feitos do Império.
Esse tipo de idolatria já ameaçava grandemente a comunhão na Igreja de Corinto (1Co 1). Paulo já começa a carta rebatendo a atitude idolatra dos crentes dessa igreja, que adoravam aqueles que simplesmente serviam em nome de Jesus. Provavelmente seja essa faceta da idolatria que Paulo procurava evitar entre os Gálatas. A adesão desta igreja a lei geraria uma relação de barganha, completamente contraria ao projeto de espiritualidade de Jesus, e também fomentariam partidos e facções que destruiriam a comunhão entre os cristãos.

Farmakéia – Palavra usada nos primórdios para significar o uso de drogas com efeito medicinal, nos tempos de Paulo já possuíra outra conotação. Farmakéia é aplicada para a bruxaria e feitiçaria; abrangendo o uso não somente de ervas, mas também de toda sorte de artes mágicas ou evocação de espíritos malignos com o único intuito de matar ou causar danos irreparáveis a vida do outro. A feitiçaria engloba também a superstição e o uso de amuletos ou outras práticas que protejam as pessoas de uma má sorte. Juntamente com a prostituição cultual, a feitiçaria fazia parte não só da religião pagão como também era praticada de forma bem abrangente. Mágicos e feiticeiros de toda espécie era bastante comuns, e na verdade muitos cidadãos dedicavam-se a estudar artes mágicas e usa-las no dia a dia. No livro de Atos existe uma amostra bem vivida da feitiçaria como parte integrante da cultura grega, pois no trabalho de evangelização de Éfeso, muitos dos que creram eram praticantes de feitiçaria, mas ao crerem em Jesus abandonaram tal prática, queimando os livros de bruxaria em praça pública, uma fortuna calculada em 50.000 dracmas (At 19:18-20). A feitiçaria não tinha espaço na igreja justamente por ser usada como instrumento para causar males aos homens e por não representar o verdadeiro poder de Jesus.

CONTINUA...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

DE SAUL A DAVI – A TRANSIÇÃO ENTRE O MONARCA DOS HOMENS E O SOBERANO DE DEUS (Parte Final)


CAPÍTULO 17 - A PEDRA QUE MATOU GOLIAS TAMBÉM DERRUBOU SAUL


Golias não foi apenas um gigante que morreu pelas mãos de um pequeno ruivo. O episódio do gigante serviu como porta de entrada para Davi na sociedade israelita assim como foi realmente a aceleração da queda do decadente Saul.


Saul já não tinha mais moral com a tropa e nem mesmo os inimigos filisteus não o temia. O Deus de Israel havia se afastado do rei, e isso já era notório até mesmo aos seus inimigos. A petulância de Golias em desafiar um único soldado do exercito Israel mostra a tamanha covardia e despreparo, já que a guerra estava parada a mais ou menos 40 dias.

A covardia do rei contaminou todo o exército, mas Davi não foi contado entre eles, e enfrentou o gigante com coragem. Apesar de a história lembrar os contos heróicos da Ilíada de Homero, e Golias talvez representar a grande força do exercito filisteu; a mensagem principal era de que o Espírito de Deus agora estava capacitando outro guerreiro, alguém que não tinha nada haver com o rei e seu exército medroso.

Mas uma vez Iahweh inverte sobre a lógica das coisas. O "Ungido" Saul deu lugar ao pequeno Davi; o alto e poderoso rei não sabia, mas antevia em Golias a sua própria queda diante daquele ruivinho ousado.

Como um homem ligado às aparências, Saul viu em Davi a salvação do seu reino. Aquele rapaz era o “garoto propaganda” que o rei “pavão” precisava para se exibir e ganhar a aceitação do povo. Naquela época, não importava de quem havia sido o feito, toda a vitória era creditada ao rei e ao deus daquele povo. Como Israel agora tinha um rei igual aos das demais nações, a regra continuou a mesma.


Mas novamente Davi é um instrumento nas mãos de um Deus que subverte a ordem das coisas. Quem passa a ser honrado é o próprio Davi, pois o povo já conhecia o tipo de rei que possuíam. O reconhecimento, os cânticos de vitória das mulheres que se tornaram provérbios em todo em Israel, as pompas dadas a Davi despertam não só a inveja de Saul, mas o medo de perder o trono para aquele jovem que tinha o que ele não tinha: a unção e a coragem. O jovem pastor deixa de ser um brinquedo nas mãos de Saul e passa a ser um perigo em potencial para a manutenção da realeza, pois Saul sabia que Deus estava com ele como um dia também esteve com Saul.

Acredito que ao ver as vitórias de Davi e perceber como Deus operava através da vida daquele pequeno, Saul via a si mesmo, num passado distante. Davi era o “aviso-prévio” daquele rei decadente, era a confirmação de que para Saul não havia mais saída.


Mesmo assim o rei não se arrepende de suas faltas ele persegue Davi sempre que havia uma trégua entre as guerras, ele cria situações para que Davi morra, ele mesmo tenta matá-lo, oscila entre momentos de remorso e de fúria como que sofre de transtornos mentais sérios. Saul perde completamente o equilíbrio e a saúde, acabando por materializar em Davi o seu pior inimigo: Iahweh.

A pedra que saiu da funda de Davi não matou somente a Golias, mas destruiu também a Saul.

CAPÍTULO 18 À 31 - AO PERSEGUIR O JOVEM DAVI, SAUL PREPARA-O PARA REINAR

Quanto mais Saul persegue Davi, na intenção de matá-lo e assim preservar o trono para a sucessão de Jônatas, as situações criadas por ele servem para forjar o caráter do novo rei.
Gostaria de enumerar apenas alguns fatos importantes que aconteceram na vida de Davi motivados pela perseguição de Saul:

1. Sua amizade com Jônatas foi fortalecida, ensinando ao jovem Davi o valor de uma verdadeira amizade e o aspecto sagrado de um voto perante Deus (20:11-17).
2. Davi exilou-se em outros paises, aprendendo assim a tratar com diversos tipos de pessoas. Ele precisou se fazer de louco para uns (21:11-16), aliou-se com outros temporariamente (27:1-4) para fugir de Saul. Convive entre os vadios e fora-da-lei, aqueles mesmo que não aceitavam a liderança de Saul, levantando assim um exército pessoal em torno de seiscentos homens. Nesse ponto Davi exerce, mesmo que inconsciente, uma liderança paralela a de Saul, pois até mesmo um sacerdote alia-se ao bando de Davi (22:20-23). Os contatos com reinos alem da fronteira de Israel tambem lhe renderão boas parcerias, pois a "diplomacia" teve que ser exercida por Davi desde muito cedo.
3. Davi aprende sobre a misericórdia e sobre domínio próprio no episódio de Nabal e Abigail (25). A ingratidão de Nabal, mesmo sabendo da fraternidade existente entre os bandos de vadios e os donos de propriedade, que relativamente “pagavam” para ter segurança em suas terras, desperta a ira de Davi. Mas a sabedoria de Abigail, que se humilha, lembrando assim a Davi a sua própria pequenez, faz com que ele não volte sua mão contra Nabal. Davi aqui aprende a confiar na justiça retribuitiva de Deus, confiança e paciência que ele precisará ter com Saul, e mais tarde precisará exercê-la também com seu filho Absalão.
4. Davi compreende mais sobre o respeito ao cargo de monarca. Ao não matar Saul nas duas oportunidades que teve, ele estava atribuindo valor ao cargo de rei, reconhecendo que a autoridade de Deus estava sendo exercida na figura do monarca. Davi estava compreendendo a real importância da unção que havia recebido, e assim estava próximo daquilo que Deus desejava de um novo rei: a reverência perante a vida e as instituições divinas; o que claramente não houve em Saul.
5. No capítulo 27, Davi, mesmo aliado aos filisteus, usa de sua influência e de seu novo cargo a favor do povo que vivia no Negueb de Judá. Ele apreende a usar cada situação em favor do seu povo. No capitulo 30, no episódio dos despojos dos guerreiros, Davi exerce justiça e reconhece o valor dos homens que estavam com ele. Davi usa de discernimento ao entender que as vitórias eram pertencentes a todo exército, e não somente aos que lutam.

Confiança em Deus, senso de justiça, astúcia (prudência), sentimento de solidariedade e misericórdia são algumas das qualidades que foram forjadas no caráter de Davi ao longo de sua caminhada pelo deserto até chegar ao trono. Deus levanta no deserto, pelas mãos do próprio Saul, um rei que seria “segundo o seu coração”.

Capitulo 31 – Até mesmo na morte, Saul ainda preza pelas aparências

A morte de Saul é o retrato da profunda decadência de um homem que vive segundo as aparências, de acordo com o personagem que ele mesmo criou.


O mesmo rei que havia mandado matar todas as necromantes precisa agora recorrer à pitonisa de En-dor, algo mais fácil do que ter que reconhecer que Iahweh já o havia abandonado há tempos. Sua arrogância não dá trégua, pois se Iahweh já não lhe respondia, era a hora de Saul parar de lutar contra Deus e reconhecer que tudo estava perdido para seu reino.

O orgulho não dá brecha, e Saul recorre a uma necromante para saber o que deveria fazer. Mesmo sendo comunicado sobre sua futura derrota (que já estava tão visível que não precisava nem Samuel profetizar), a covardia de Saul o conduz a própria morte.


Saul tinha medo do povo, tinha medo do que “iriam pensar” sobre ele. Já que era para morrer, é melhor morrer lutando contra Deus e continuar posando de aliado de Iahweh. Sua atitude com Agag é relembrada durante a batalha contra os filisteus, levando ele a pensar: “Se esses incircuncisos me capturarem, vão escarnecer de mim perante o povo, e meu nome será motivo de zombaria em toda a terra”.


Para quem vive de aparências, nada melhor do que forja uma morte gloriosa no campo de batalha, para que seu nome fosse lembrado como “o primeiro rei que deu sua vida pelo seu povo”.


Mas mesmo assim Saul não escapou da vergonha. Seu corpo e dos seus três filhos mortos em batalha foram decapitados, suas cabeças e suas armas foram exibidas em toda a cidade, como símbolo de vergonha, e logo após foram colocas no templo de Astarate, significando assim que uma deusa derrotou o rei de Iahweh. Fixados no muro da cidade de Betsã, seus corpos nus foram exibidos para total vergonha do reinado de Israel. O rei que sempre prezou pelas aparências não escapou de tamanha humilhação.


Talvez maior humilhação fora à atitude do povo de Israel. Ninguém, exceto o povo de Jabes-Gileade, que tinham uma divida de gratidão com Saul, foram os únicos a oferecerem sepultura para o rei e seus filhos. O restante não deu honra ao seu próprio rei, e covardemente não foram buscar seu corpo, nem mesmo sua própria tribo, Benjamim, tamanha a rejeição que Saul tinha entre os seus.

CONCLUSÃO

O monarca do povo morreu abandonado pelo seu ídolo. Saul trocou Deus por um ídolo, que era o seu próprio reino, seu próprio povo e sua própria imagem. O primeiro rei israelita pecou por desejar não só ser o primeiro, mas o único; por desejar ser ele mesmo o próprio deus, mantendo por suas próprias forças aquilo que Iahweh havia lhe da graciosamente.


A transição de Saul para Davi é o símbolo da transição entre o governo dos homens e a liderança de Deus. É a tipologia da desastrosa auto-imagem que criamos e da presunção de buscar ser independente aos olhos de Deus. Saul era reflexo do coração de seu povo, Davi refletia o coração e vontade de Deus.

Acabo concluindo que a história de Saul e Davi não é apenas sobre uma transição política conturbada acontecida no passado remoto de Israel. Saul e Davi são os tipos de uma transição espiritual e existencial que devemos trilhar por toda nossa vida; a troca entre o reinado do eu pelo reinado de Jesus em nós e através de nós.

Saul precisa morrer e Davi precisa reinar!

Estamos dispostos?

DE SAUL A DAVI – A TRANSIÇÃO ENTRE O MONARCA DOS HOMENS E O SOBERANO DE DEUS (2ª Parte)


CAPÍTULOS 13 À 15 - SAUL É REJEITADO POR IAHWEH


Saul não teve paz em todos os anos que governou. Israel permaneceu em constante estado de guerra durante o seu reinado, e nas guerras Saul revelou suas falhas perante Deus e o povo de forma mais intensa.


Provavelmente o êxtase profético que tomou conta de Saul fez com que surgisse um rei presunçoso diante de suas prerrogativas. Saul estava em guerra com os filisteus, e como não era bom estrategista, foi encurralado pelo exército filisteu nas montanhas de Bet-Áven. Ele precisava da presença de Samuel, como sacerdote que poderia oferecer holocaustos e assim alcançar o favor de Deus naquela batalha.

Porém, Samuel não chegou ao prazo combinado e muitos do exército de Saul, tão covardes quanto o próprio rei, fugiram. Saul, se sentido ameaçado, e movido pelo sentimento de manter sua autoridade como rei, resolve oferecer o holocausto, exercendo prerrogativas unicamente sacerdotais.

Vale destacar que o pecado de Saul não foi oferecer o holocausto. O que estava em jogo não era o ritual, mas os sentimentos que moveram Saul. O ritual serviu não para buscar o favor de Iahweh, mas para que Saul pudesse continuar sendo o “queridinho” do povo, mantendo o seu reinado. Saul tentou evitar qualquer fragmentação da sua popularidade como rei (13:7-9).
Caso essa jogada de Saul desse certo, ele poderia também acumular para sim as funções sacerdotais e proféticas, que haviam sido devidamente separadas por Samuel na constituição monárquica criada por ele.

Saul pecou por presunção, hipocrisia e falta de fé na intervenção divina. Saul não sacrificou porque estava ansioso por lutar, já que no capitulo 14:2 diz que ele estava sentado debaixo de uma romãzeira, provavelmente lamentando a sua falha e sua derrota iminente. Ao mostrar Jônatas como aquele que deu ínicio a vitória milagrosa sobre os filisteus, o autor revela que a misericórdia de Iahweh atentou para a fé do príncipe, e não para a covardia e incredulidade do rei.

Outro destaque dado aqui seria acerca do sacerdote que acompanhava Saul nas batalhas. Aías era descendente de Eli, sacerdote o qual Iahweh rejeitou e destruiu o santuário de Siló (14:3). Tal união mostra que Saul estava se afastando de Deus, pois ao substituir Aías por Samuel, ele estava querendo preservar seu reinado da influência do antigo juiz, o que resulta no distanciamento do próprio Iahweh, que estava com Samuel.

Jônatas foi quem verdadeiramente realizou a vitória sobre os filisteus com seu ato corajoso (14:1-23). O restante dos filisteus que sobreviveram fugiram, mas a batalha deveria ter terminado nesse exato momento. Porém Saul estende desnecessariamente o combate, explorando a força dos seus soldados até o limite.

Para acrescentar à sua tolice, o rei impõe um jejum absurdo para o momento e para as condições que os soldados estavam; numa tentativa desesperada de “manter” o favor de Deus na batalha. Jônatas, exausto, quebra a imposição do pai por ignorância, e come mel para repor suas forças.


Logo após, o restante do exército, em situação precária, come até mesmo carne com sangue, pecando contra Deus devido à imprudência do rei. Porém, o povo não permitiu que a irresponsabilidade do rei gerasse a morte de Jônatas, que era querido para o exército, pois o povo compreendeu que foi pela misericórdia de Deus sobre a vida de Jônatas, e não por causa de Saul, que Israel já tinha obtido vitória.

Saul então retorna do campo de batalha. Israel retorna vitorioso, mas seu rei vem derrotado e rejeitado perante Deus e o próprio povo.

O capítulo 15 ainda reserva outra derrota para o rei Saul. O rei estava com sua reputação manchada perante o povo e seu próprio exército. A última coisa que ele desejava era gerar novos atritos com seus liderados. Para ganhar a aceitação do povo, Saul permite que os seus soldados tomem despojos dos amalequitas, pecando contra a lei do anátema declarada por Deus (15:3).

Saul poupa o rei Agag e o povo recolhe o melhor dos despojos proibidos para poder exibir sua vitória perante o povo e assim “ganhar pontos” diante do povo israelita. Os despojos foram oferecidos como holocausto, mas não era essa a vontade de Deus. Saul foi contra a vontade de Deus em busca de manter seu reinado a custa de agradar os homens. Saul foi arrogante e presunçoso, desperdiçando a chance que Deus havia lhe dado de poder restaurar seu reino de forma correta.

Em resumo, as falhas que custaram o reino de Saul foram:
· Complexo de inferioridade;
· Arrogância;
· Presunção;
· Imprudência;
· Covardia;
· Personalidade fraca, pois precisava da afirmação do povo para manter seu reinado, trocando assim a vontade de Deus pelos desejos humanos.

Capitulo 16 – Surge um menor que Saul: Davi

Samuel agora precisa levantar um novo rei para seu povo, pois Saul foi rejeitado por Deus. O maior medo de Saul era perder o reinado e a nova vida que havia recebido da parte de Deus. Era terrível para ele pensar que outro poderia ser ungido rei em seu lugar.

Sendo assim, Samuel agora sente-se vigiado por Saul para que não possa levantar outro rei para substituí-lo. Ele precisa criar uma situação (o sacrifício), para poder ir a casa de Jessé, o belemita (16:2).

Ao ver Eliab, o primogênito de Jessé, Samuel se anima, e pensa: “este deve ser o novo rei, pois é tão belo e tão alto como Saul, tem postura de rei!” Porém, Samuel, assim como os demais israelitas, continuavam a perceber aquilo que era externo. Deus mostra que a grande falha de Saul era justamente seu vazio interior, sua incompatibilidade entre o que demonstrava por fora e o que realmente era por dentro. Deus diz: “... Não se trata daquilo que vêem os homens, pois eles vêem apenas com os olhos, mas Iahweh vê o coração”.

Deus agora estava disposto a escolher um rei que não fosse exatamente aquilo que os homens desejassem, mas o tipo de homem que Ele compreende ser o melhor para aquela tarefa.
Sendo assim ele escolheu o pequeno Davi. Jessé o chama de “o menor”, mas é justamente esse; que não se compara a Saul externamente, o escolhido de Deus. Desde Issac que Iahweh, por misericórdia, levanta os pequenos para realizarem grandes obras, para que se tornem mais visível os feitos de Iahweh através dos homens. Os menores apenas são demonstrações visíveis de que sem a dependência de Deus não se pode nada, e é justamente essa dependência que Saul rejeitou.

Davi sabia que era menor do que seus irmãos, o menor de sua família, e perante Saul então ele sempre se comportou como menor, porém, ele não tinha complexo de inferioridade. Diferente do gigante Saul, Davi sabia ser humilde sem ser inferiorizado, e o Espírito de Iahweh o capacita para que sua humildade não se torne sinônimo de covardia. Ele é menor, mas não é pior que ninguém.

Ele é humilde o bastante para que, mesmo ungido como rei, ele continue possa servir a Saul como seu senhor, mas essa humildade não lhe torna covarde perante os gritos de afronta do gigante Golias.

Davi é ungido rei justamente na época mais decadente de Saul. Ele passa ser atormentado por maus espíritos “vindos da parte de Deus”. A despeito da origem desse mal, tudo indica que Saul estava sendo vitima de depressão e transtornos psicológicos terríveis. Saul estava embriagado pelo próprio veneno do poder, e a loucura que atingiu sempre muitos imperadores da Antigüidade, parece agora ter batido a porta do rei insensato.

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

DE SAUL A DAVI – A TRANSIÇÃO ENTRE O MONARCA DOS HOMENS E O SOBERANO DE DEUS


Obs: O livro-base que uso para esse texto é 1 e 2 Samuel


Ao poder ler e reler a história de Saul e Davi, percebesse no autor, ou nas várias tradições contidas no texto, que a narrativa segue uma progressão ascendente que chega até a posse de Davi como rei. Essa progressão é uma tentativa de mostrar que a vontade de Deus é melhor e maior do que a humana, assim como ratificar que Seus planos não são frustrados.

O autor (ou autores) do livro de 1 Samuel querem deixar claro que Saul e Davi representam respectivamente o governo dos homens e a liderança segundo Deus. Mas do que reis em Israel, Saul e Davi são a encenação viva do que acontece ao povo de Deus quando seguem seu próprio entendimento, estabelecem sua própria liderança e esquecem da primazia de Iahweh sobre suas vidas.

CAPÍTULO 8 - A NOVA IDOLATRIA ISRAELITA


Apenas por motivo de conceituação vamos colocar o inicio da monarquia a partir do capítulo 8 de 1Samuel, porém, já havia tentativas por uma parte do povo de Israel em levantar reis, como foi o caso de Gedeão (Jz 8:22s) e Abimelec (Jz 9:1s). A instauração da monarquia em Israel era um processo que já havia começado desde a época dos juízes e seguia gradativamente. Porém, alguns acontecimentos devem ser considerados para explicar por que o povo exigiu rapidamente de Samuel um rei que o substituísse.

1. Há algum tempo o povo vinha sofrendo na mão de juizes corruptos, os quais oprimiam o povo e praticavam a justiça mediante suborno. O caso clássico de Hofni e Finéias é o exemplo da nova safra de juízes que estava surgindo entre o povo; homens que além de corruptos, eram pervertidos quanto a adoração ao Deus e no trato com as ofertas.
2. A desagregação do povo estava acelerada. Não havia unidade nacional em Israel. Cada tribo assemelhava-se a cidades-estado, com liderança própria, e o sentimento de irmandade, fraternidade e respeito pelas outras tribos estavam se perdendo. O caso narrado em Jz 19 – 21 sobre a morte da concubina do levita de Efraim é um bom exemplo da desarticulação de Israel como uma única nação.

3. A destruição do santuário de Deus em Siló e o seqüestro da Arca pelos filisteus também acelera o desejo por uma monarquia que possa unificar Israel. O exército israelense, liderado provavelmente pelos filhos corruptos do passivo sacerdote Eli, sofrem uma derrota vergonhosa. Para agravar a situação, a arca é levada pelos filisteus e o santuário de Siló é completamente destruído. Esta pode ser considerada a maior ameaça para Israel como nação, já que a ausência da Arca significava a própria ausência de Deus, que era o grande líder do povo. Sem a Arca não havia Deus em Israel e não havia possibilidade de vitória nas batalhas.

4. Os filhos corruptos de Samuel apenas demonstraram que o sistema de governo a partir dos juízes já não atendia mais as necessidades de Israel como nação. O povo afirma que deseja um rei de acordo com as outras nações, ou seja, um homem que pudesse centralizar o governo em Israel, substituindo o velho sistema tribal.

Esses e outros fatores foram determinantes para o surgimento da monarquia. Porém, o desejo de ser “como as demais nações” escondia no coração israelita algo além do desejo político. As demais nações consideravam seus reis como semi-deuses, divindades encarnadas, as sementes do culto ao imperador. A escolha de um rei era na verdade uma nova modalidade de idolatria, na qual estavam substituindo a liderança de Deus pela humana, substituindo a dependência pela auto-suficiência.

É esse sentimento que move o coração do homem judeu naquele momento, tanto que as leis monárquicas que Samuel promulga na presença dos lideres do povo são semelhantes às leis que já havia entre os reis cananeus, tornando o povo como escravo da vontade da realeza. Saul é a escolha de Deus segundo a vontade dos homens.

CAPÍTULO 09 À 12 - SAI SAMUEL; ENTRA SAUL

Saul entra em cena; e ao lermos o texto, percebemos que o autor não começa falando sobre nenhuma qualidade de caráter ou acerca da espiritualidade de Saul. O que é enfatizado é apenas sua beleza física e sua estatura, pois o que era importante para que Saul fosse o rei do povo era apenas aparência (9:2).

O tipo de rei que é escolhido revela o tipo de mentalidade que permeava Israel. O povo só enxergava o que havia por fora, a aparência, e Saul é escolhido por essas “qualidades externas”.

Saul tinha complexo de inferioridade por ser Benjaminita, do clã de Quis, um dos menores da tribo (9:21). É preciso entender esse sentimento para que se compreendam as atitudes de Saul perante Davi. O êxtase espiritual que faz Saul profetizar, como sinal da presença de Deus e da validade da unção de rei sobre sua vida; deixam claras a sua debilidade espiritual e sua insegurança, pois nenhum outro rei em Israel precisou passar pelo mesmo processo.

Outra péssima qualidade de Saul era a covardia. No dia em que é consagrado rei perante o povo, Saul se esconde com medo que pode acontecer a ele. Provavelmente arrependido de ter aceitado a unção para ser rei, Saul agora foge das responsabilidades devido sua covardia; o que torna até irônico pensar em um homem tão alto se esconder em meio as suas bagagens (10:22).

Interessante aqui é que o povo não percebe (ou finge não perceber) a covardia do novo rei, mas se admiram e festejam o novo rei, que “dos ombros para cima sobressaía a todos” (10:23-24). O que importa é que ele tem a aparência de um guerreiro, e pode com “determinação” lutar as guerras de Iahweh. Mas durante seu reinado a covardia vai lhe trazer grandes problemas.

Para alguns do povo de Israel, não bastava um rei bonito. Ele precisava mostrar que tinha capacidade (10:27). Saul não teve a aceitação unânime para ser rei, e por causa da sua covardia se refugiou na sua cidade, talvez esperando o dia em que seria aceito.

Porém, uma guerra com os povos amonitas estava sendo levantada e o povo sente a necessidade de um líder para a batalha. É a chance que Saul precisava para consolidar seu reinado. Se não fosse o espírito do Senhor (11:6), provavelmente Saul teria chorado junto com o povo de Gibeá a terrível sorte dos habitantes de Jabes-Gileade. Porém a coragem de Deus é dada a Saul e ele consegue reunir o povo para a batalha, vence os amonitas e assim é decididamente aceito como rei em Israel.


Continua...

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

A "Babel-Evangélica"

Leia: http://pavablog.blogspot.com/2007/12/o-leo-pastora-e-o-guarda-roupa-3.html


Coloquei na parte superior o link do texto que li no blog do Sérgio Pavarini. Enquanto eu lia os comentários dos internautas ao texto uma, pergunta não deixava de ecoar na minha mente: O que este movimento evangélico tornou-se?

Ontem, o programa Domingo Espetacular, da rede Record, filiada a terrível Igreja Universal, fez uma propaganda descaradamente parcial e desonesta a respeito da história desta Igreja e da sua “importância” como instituição evangélica que mais cresce no Brasil. Assistir o Paulo Henrique Amorin, o qual considerava um profissional sério, dizer que a Igreja Universal é a que mais sofre acusações e a que mais cresce, num tom de que as acusações são infundadas, entristece a qualquer pessoa que seja séria nesse país.

Então a pergunta novamente me vem à cabeça: O que este movimento evangélico tornou-se? O que este movimento tem haver com o real evangelho de Jesus? Vale a pena estar associado à imagem de evangélico hoje em dia?

Semelhante a Babel, tem algo que nos faz sermos unidos e também há algo que nos separa. Temos um único objeto, mas falamos diversas línguas, não entendemos uns aos outros e não entendemos a linguagem de Jesus.

Infelizmente o objetivo que une todos os evangélicos é a idolatria. Somos idolatras no mais amplo sentido. Idolatramos nossas denominações, tornamos o Templo tão vitalmente ligado a vida espiritual como irmãos siameses. Idolatramos nossos cargos “sacerdotais” e, aliás, o significado de mediador que carrega essa palavra é embriagante aos que possuem “fraqueza pelo poder”. Somos ególatras, não há outro deus que não o nosso próprio umbigo, e conseguimos disfarçar isso com frases como: ... é para a glória de Deus! ... para exaltar o nome de Jesus! Criamos ídolos que refletem nossa auto-adoração e estes se transformaram em entidades tão poderosas que nos oprimem como demônios, e somos a elas subservientes.

As formas como essa auto-idolatria, que já nasceu em Babel, se manifestam hoje é que são tão diversas quanto as línguas que o Senhor confundiu no fatídico episódio narrado em Gênesis. Não há entendimento quando só se pensa em si mesmo, pois só falamos à linguagem que nos interessa, e que dificilmente outros entendem.
Esse sentimento ensimesmado que é como uma metástase que se espalha indiscriminadamente, e quanto mais cheios de si, mas línguas variadas e menos entendimento existe. Esse mesmo sentimento egocêntrico que nos faz passar por cima do caráter, da justiça e do bom senso, o que explica um programa feito para elogiar uma Igreja que, não por acaso, é dona da emissora; sendo que nenhuma outra emissora de televisão, seja ela séria ou não, sentiu-se motivada a fazer qualquer referência ao aniversário de 30 anos desta instituição, tamanha sua “importância” para a história do povo brasileiro.

Os evangélicos não se entendem, falam diversas línguas que são “estranhas” umas as outras. Porém, diferente de Babel, mesmo se afastando no entendimento, eles continuam sendo um só povo. Esse termo evangélico ficou contaminado pelo modo de ser pernicioso dos que propagam e lideram esse movimento, e isso já se alastrou até mesmo para os menores.

No caso do movimento evangélico, aqueles que se dispersarem, que saírem do meio dessa “igreja”, poderão ser salvos do processo de “paganização multi-cultural” que esse grupo realiza, semelhante à travessia que se deve fazer pela floresta para que se possa sair da Vila (para entender assista o filme “A Vila”). Não há luz de salvação para esta torre da Babel-Evangélica que está se erguendo na alma de muitos brasileiros, inclusive pessoas sinceras que gostariam de ter o verdadeiro conhecimento de Deus.

Saiamos enquanto há tempo!

domingo, 16 de dezembro de 2007

Tocando em frente - Renato Teixeira


Ando devagar porque já tive pressa

E levo esse sorriso porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe

Só levo a certeza de que muito pouco eu sei

Ou nada sei


Conhecer as manhas e as manhãs,

O sabor das massas e das maçãs,

É preciso amor pra poder pulsar,

É preciso paz pra poder seguir,

É preciso a chuva para florir


Sinto que seguir a vida seja simplesmente

Compreender a marcha e ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro levando a boiada

Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou

Estrada eu sou


Conhecer as manhas e as manhãs,

O sabor das massas e das maçãs,

É preciso amor pra poder pulsar,

É preciso paz pra poder seguir,

É preciso a chuva para florir


Sinto que seguir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente

Cada um de nós compõe a sua história

Cada ser em si carrega o dom de ser capaz

E ser feliz


Conhecer as manhas e as manhãs

O sabor das massas e das maçãs

É preciso amor pra poder pulsar,

É preciso paz pra poder seguir,

É preciso a chuva para florir


Sinto que seguir a vida seja simplesmente

Compreender a marcha e ir tocando em frente
Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz
E ser feliz

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

SERVINDO A DEUS NO TEMPLO - Texto de Caio Fabio

Isaías era um homem servindo a Deus dentro de uma instituição falida: o Templo e a religião de Israel.

Diferentemente da maioria esmagadora dos profetas, que não eram nem da tribo de Levi e nem da classe sacerdotal, Isaías era um ser criado no Templo, entre ritos e as preocupações do ofício sacerdotal.

Mas a Palavra do Senhor veio a Isaías, e ele não só a ouviu, porém dela também teve visões.

E ele vê o Senhor no Seu Santo Templo, cheio de beleza de louvor e adoração!

Somente mantendo o olhar na perspectiva do Santo, e no Templo Eterno pintado de glória, é que se pode subsistir no templo da religião, e cercado pelo “sagrado”.

O “Sagrado” o homem faz, mas o Santo é! — este é o entendimento que pode nos salvar.

Quem imerge o olhar apenas no templo morre sem beleza no olhar.

Isaías ficou no templo, mas foi levado ao Templo de Glória, do contrário, não seria salvo para ser profeta no ambiente do “Sagrado”.

Assim ele profetiza “de dentro do templo”, e brada para dentro e para fora. E contra toda possibilidade de fixação é ele quem anuncia o sonho de um novo céu e uma nova terra.

Sim! Contra os vícios sacerdotais de devoção ao passado e à imutabilidade dos ritos e modos, ele anuncia que não haveria lembrança das coisas passadas, pois Deus faria novas todas as coisas.

Seu clamor aos do templo era simples:

Por que ao invés de vocês ficarem brincando de sofrer e de buscar a Deus pelos ritos, sacrifícios e barganhas [enquanto o coração de vocês está cheio de ódio e rancor], vocês não praticam o que é bom? Sim! Libertando aqueles que estão sob todo jugo criado por vocês ou por outros, mas que esteja aberto à intervenção libertadora de vocês? E por que não apenas praticam o que é amor e libertação ao invés de fazerem rapapés a Deus? Sim! Por que ao invés de se curvarem com aparência de submissão a Deus vocês não fazem da vida de vocês uma declaração desse fato?

Nesse dia ele diz que a oração seria a própria vida, posto que a vida já fosse uma oração vivida em misericórdia, amor e justiça.

Nesse dia...

Jesus também disse que o mundo só veria a realidade do Evangelho se os discípulos se amassem uns aos outros; do contrário, nenhum discurso jamais evangelizaria.

Nesse dia...

Até o templo tem esperança!...

Quem, porém, como Isaías estará disposto a ser serrado ao meio [como ele foi] sem perder nem a doçura e nem a profecia?

Verdadeiros profetas que também sejam sacerdotes sempre serão “serrados ao meio”.

Se, como Isaías, você viu o Senhor, e Dele ouviu a Palavra e acerca Dele teve visões e revelações da Verdade em Cristo, e assim mesmo foi chamado para ficar e profetizar dentro do templo, então, saiba: só vale a pena ficar se for para manter a Palavra da Profecia [que é o testemunho de Jesus e do Evangelho] e também sabendo que se será “serrado ao meio” pela tensão de estar entre a Palavra viva e o templo morto.

Quem, todavia, ouviu a voz de Deus, que a realize em sua vida!


NEle, para quem olham os que vivem,


Caio

11/12/07
Lago Norte
Brasília
DF

Fonte: http://www.caiofabio.com/novo/caiofabio/pagina_conteudo.asp?CodigoCanal=0000703719

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Nem todo final é feliz




Ontem passou na TV o filme Menina de Ouro, dirigido por Clint Eastwood, e este é um daqueles filmes que te faz ir para cama indignado com o final.

Não estou dizendo que o filme é ruim, pelo contrário, é maravilhoso e faz jus as premiações que recebeu (4 Oscars e 2 Globos de Ouro). O filme é um drama profundo e cheio de detalhes difíceis de perceber.

Não pretendo contar o filme, até porque você que está me lendo neste momento pode não ter assistido; mas é inevitável não citar o final do filme, que mais mexeu comigo.

Frank é o treinador de boxe de Maggie, uma grande revelação do boxe feminino na categoria meio-médio. Porém, ao lutar com a campeã da categoria, uma lutadora desonesta, ela leva um soco mesmo após ter finalizado o round e acaba tendo a coluna fraturada na altura do pescoço. Resultado: ficou tetraplégica, nem mesmo a cabeça poderia mais mover.

Ela sente que sua vida terminou, que foi até onde poderia ter ido, e que não há mais o que fazer. Para alguém que alcançou uma carreira meteórica, realizou-se naquilo que almejava, viver numa cama de hospital respirando por aparelhos seria pior do que a morte, seria ver que sua vida não chegou a resultado nenhum.

Ela então pede para que Frank desligue os aparelhos e termine com o sofrimento dela, e no final do filme e realmente isso que ele faz. Existe toda a polêmica da Eutanásia por trás desse final, ficando no ar a pergunta: Vale a pena prolongar a vida à custa do sofrimento físico, psicológico e emocional da pessoa?

Porém, não é só a questão da morte que faz o filme. O que me deixou inquieto e ver que o filme não tem um “final feliz”. Aliás, a vida dos personagens não é nada feliz. Maggie tem uma família que só pensa no seu dinheiro e Frank tem uma filha que não dá a menor importância ao pai. Existem amarguras, arrependimentos e frustrações permeando o filme a todo o momento. Não é um daqueles dramas que “só acontecem em filmes”, mas são problemas e decisões reais, que fazem parte da vida de muitos outros.

Ficou então mais claro para mim que não sei lhe dar com a vida se ela não tiver “final feliz”. A vida sempre precisa “dar certo”, deve “funcionar bem”. É difícil aceitar que as coisas não vão sempre ser bem resolvidas e que nem tudo vai terminar bem. Cada expectador daquele filme certamente queria ver aquela menina se recuperando, levantando-se daquela cama e contrariando todas as declarações médicas sobre seu estado. Mas não foi bem assim, e a vida realmente não é bem assim.

Não sabemos lhe dar com as intempéries, com as dificuldades, com a morte. Confesso meu total despreparo diante de situações extremas. Não consigo aceitar que existem momentos em que temos que escolher a morte como a melhor opção, meu discernimento ainda não alcançou elevado nível. Não consigo entender a dor e o sofrimento como parte de um plano para minha vida.

Por isso o filme me deixou indignado, queria ver aquela menina se levantando, quem sabe o filme pudesse falar de um milagre sobrenatural onde a coluna dela ficasse sã e ela voltasse a lutar. Isso mostra como estou: “com a boca escancarada, cheia de dentes”, olhando para o céu em busca do milagre que faça mudar minha situação difícil. Desejamos o milagre que leve a um final feliz; mas talvez precisamos ver “milagres” onde o final não é tão feliz.

Só fica uma conclusão pra mim: preciso conciliar em mim a vida como ela é e a vida como ela deveria ser na minha concepção. Será que posso?

sábado, 8 de dezembro de 2007

Algumas "pérolas" produzidas pelos "evangélicos"

Leiam esse absurdo:

7 mulheres para cada homem

Baseado nas palavras da Bíblia, o pastor Justino Apolinário de Oliveira, 50, que atua em Vila Nova de Colares, no Espírito Santo, defende que cada homem possa ter sete mulheres. O pastor, que pertence à pequena igreja conhecida como Tabernáculo, cita uma passagem bíblica, do profeta Isaías, para defender a prática.

Em entrevista ao jornal "A Tribuna", Oliveira afirmou que já manteve relações extraconjugais após uma suposta revelação que lhe veio durante um sonho. "Só liguei e disse: 'Olha, estou vendo desse jeito, você aceita?' Se aceitar, vou até seu pai para conversar com ele'. E ela aceitou", lembrou Oliveira, que vive com esta nova companheira há quase três anos após sua ex-mulher o abandonar.
Trocas
Uma dona-de-casa de 24 anos, que mora em Vila Nova de Colares e segue a doutrina da mesma igreja, admitiu que teve relações sexuais com o pastor. Casada há sete anos e mãe de quatro filhos, ela contou à reportagem de "A Tribuna" que seu marido concordou e o pastor teria mandado duas mulheres para o companheiro dela "não ficar sozinho".
Ela disse que dormiu na mesma cama com o pastor e sua mulher, mas que nos momentos íntimos os dois ficavam sozinhos. "Não senti prazer. Fui tudo pelo espírito. Foi de Deus", disse a dona-de-casa.
Pela cidade, alguns fiéis discordaram da suposta troca de casais e abandonaram a igreja. Um deles foi o porteiro Carlos Robson dos Santos, 46: "Ele dizia que estava tudo na Bíblia. Falava, ainda, que os homens tinham que ter sete mulheres virgens ou viúvas", contou.
Passagens da Bíblia
O relacionamento do homem com mais de uma mulher aparece em trechos do Velho Testamento. Mas pastores alertam que a interpretação deve levar em conta o contexto histórico e cultural das épocas.
O presidente da Associação de Pastores Evangélicos de Vitória, Abílio Rodrigues, condena a prática. "Quando se fala em sete mulheres para cada homem, no livro de Isaías, é uma profecia específica para o povo de Israel, que iria viver um tempo de guerra, em que não haveria homens para casarem com as mulheres. Não se pode firmar uma doutrina em cima disso. O apóstolo Paulo explica que o pastor tem que ser marido de uma só mulher", afirmou.

fonte: UOL

site: http://pavablog.blogspot.com/2007/12/7-mulheres-para-cada-homem.html

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Um Pentecostes que resulta em Igreja – Atos 2

No que resultou nosso pentecostalismo? Quais foram os resultados práticos sobre a Igreja do início do século XX advindos da experiência chamada “pentecostal”, ou o “Batismo no Espírito Santo”?

Essa pergunta não é nova; e muitos já propuseram respostas, sejam elas pejorativas ou não ao movimento pentecostal. Não desejo ser mais uma voz negativa, porém, a ler e reler durante esses sete anos de “crente” sobre o evento que aconteceu no dia de pentecostes narrado no livro de Atos dos Apóstolos, eu percebo em muitos pontos que aquele evento não é pentecostal como nos moldes contemporâneos.

Tenho mania de me explicar antes de entrar no texto em si, mas desejo apenas informar aos meus leitores que há muito tempo perdi aquela visão romântica que diz ser a Igreja Primitiva “a igreja verdadeira”. Estou mais para Nietzsche, que afirmava ser Jesus Cristo o único cristão que realmente existiu. Não alimento utopias acerca da comunidade dos apóstolos; mas que existe diferenças entre nós e os nossos pais, infelizmente existem, e são grandes.

Identifico algumas coisa na experiência “pentecostal” primitiva as quais não possuem muito paralelo com os dias de hoje:

1. O evento do Batismo com o Espirito Santo não era o fim em si mesmo. Se ligarmos a promessa de Jesus no capítulo um de Atos com o evento ocorrido no dia de Pentecostes, poderemos entender que toda aquela manifestação espiritual era simbólica. Não entenda “simbólica” no sentido de irreal, mas como “carregado de significado”.

Jesus disse: “... mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra”. Ou seja: o poder do Espírito seria o motor para que o Evangelho fosse anunciado a todo o mundo, aonde houver gente. Sendo assim, o símbolo dessa capacitação espiritual missionária foi a manifestação da glossolalia, o falar em outras línguas, pois tal experiência fala sobre a unificação da mensagem cristã a todos o povos, a reconciliação de Deus com o mundo através da mensagem cristã, que agora alcançaria a todas as línguas e culturas diferentes. Nota-se que aqueles que ouviam as línguas faladas pelos cristãos ali presentes, entendiam em seu próprio idioma o que eles falavam acerca das maravilhas de Deus,

O que venho a afirmar então é que o falar em línguas é um símbolo que Deus escolheu para revelar essa capacitação missionária da igreja que estava nascendo. Hoje em dia exaltamos o falar em línguas, e tais línguas se tornaram realmente estranhas, pois tal dom não é mais fator de unificação entre os povos, mas de uma arrogante superioridade espiritual acompanhado de uma completa indiferença ao chamado missionário de ser cristão e anunciar o evangelho a todas as línguas. Nossa “experiência pentecostal” é um fim em si mesmo, e este fim é simplesmente exibir uma suposta autoridade espiritual. Nota-se que aqueles que ouviam as línguas faladas pelos cristãos ali presentes entendiam em seu próprio idioma o que eles falavam acerca das maravilhas de Deus (At. 2:11). Porém, o pentecostalismo moderno profere uma linguagem e um evangelho tão estranho que não gera cristãos autênticos, mas “crentes” tão mais estranhos quanto suas línguas.


2. O evento do Batismo com o Espirito Santo gerou uma pregação cristocêntrica. O sermão de Pedro, logo após a euforia da manifestação espiritual, tem Cristo como o centro e como a razão da História. Pedro não só fala de Jesus, mas consegue declarar que Jesus é o centro da história. Na mentalidade de Pedro, a morte de Jesus, causada por homens, foi substituida pela ressurreição, que é obra de Deus, e que findará na consumação dos tempos e sua volta triunfante como Messias, que já comecou. Jesus é o centro da mensagem de Pedro e dos apóstolos posteriores.

A mensagem pentecostal moderna não tem Cristo como o centro, mas sim a igreja, as leis eclesiásticas e a manipulação do sobrenatural redundante em benefícios no mundo natural. O movimento pentecostal e o seu filhote, o neo-pentecostalismo, gerou grandes deturpações à mensagem original. Falamos sobre a importância da igreja para a salvação, do legalismo para sermos “diferentes do mundo”, e do poder Espiritual para manipular a esfera natural da vida, num processo sempre alienatório. Esse centro da mensagem pentecostal moderna é incompátivel com a proposta e com o carater de Cristo e da sua mensagem. O evento que aconteceu no Pentecostes fala de unificação, de quebra de barreiras que nos diferenciam, fala de que salvação somente em Cristo e pela Graça, fala de poder para anunciar o Reino.

3. O evento do Batismo com o Espirito Santo gerou uma igreja baseada na comunhão. Quando Lucas fala sobre a comunidade cristã que nasceu depois do evento de Pentecostes, ele cita uma comunidade sem defeitos, e sabemos que isso não existe. Lucas não é um historiador imparcial, mas ele destaca algumas qualidades daquela igreja nascente que são fruto do significado de ser uma comunidade para fora, uma comunidade “de línguas”.
Nota-se que das quatro qualidades destacadas por Lucas, três são qualidades coletivas, que dependem da união e da comunhão entres os cristãos. O que mais me chama atencao é que a experiência pentecostal primitiva gerou uma igreja tão comprometida com o próximo e altruista que Lucas fala dela sempre no coletivo.

A experiência pentecostal moderna infelizmente não caminha pelo mesmo trilho. Ao contrário, o individualismo cresce neste meio, clamufado com palavras vazias de comunhão. O poder e a prosperidade estimulam as reuniões e orações em grupo, e a divisão de bens segundo a necessidade nao é o nosso forte.

Por isso afirmo que não podemos usar o texto de Atos para alicercar e respaldar a experiência pentecostal moderna. Ela não tem ligação direta ou indireta com a manifestação espiritual primitiva, pois não gera igreja no verdadeiro sentido evangélico. Portanto, precisamos repensar e reavaliar este nosso tão estranho pentecostalismo.

E que Deus nos abençõe!