segunda-feira, 14 de abril de 2008

Juventude e Espiritualidade na Era Digital – Algumas considerações sobre o nosso primeiro fórum

Quando surgiu a idéia deste tema para o nosso fórum, minha intenção era pensar as relações entre a nova realidade de vida do jovem e como ela tem afetado a construção de uma nova espiritualidade.

O que quero dizer com isso? Duas coisas bem simples: Primeiro precisamos reconhecer que a humanidade pós-moderna é dependente de todas as tecnologias até agora criadas. Não é mais possível conceber a vida sem o celular, a internet, o computador, o MSN, e todas as outras. Somos reféns daquilo que criamos, e isso é um fato. Já vivemos dependentes de tecnologias que ainda nem foram criadas, como o tratamento com células tronco, que ainda nem existe de fato, mas já é considerada “a última esperança da humanidade” na cura de doenças.

Segundo: estamos todos em busca de uma espiritualidade. O início o século XXI marcou um retorno desesperado para espiritualidade, e dentre as opções está o Cristianismo. Vivemos uma época em que a desilusão com a política, a ciência e outras conquistas humanas é algo real. Elas não supriram a humanidade com o real sentido da existência. A paz torna-se cada vez mais utópica, a pobreza cresce em níveis alarmantes e a sociedade está longe de ser “civilizada”.

Estamos numa encruzilhada: Nos últimos tempos a tecnologia tem influenciado fortemente em nosso estilo de vida, alterando nossos padrões de comportamento, mas não tem contribuído tanto para nos tornarmos mais humanos. Porém, se ela molda nosso comportamento, com certeza ela também molda nossa espiritualidade.

Acredito que esse ponto é extremamente essencial para a compreensão de nossa juventude. Os jovens são os maiores consumidores das novas tecnologias. Eles sempre estão mais abertos para as constantes novidades e são sempre mais “bombardeados” com as milhares de informações que circulam na internet todos os dias. Os jovens das grandes cidades são indivíduos que estão constantemente “plugados”, viciados em tecnologia.

Também sabemos que estes mesmos jovens sentam nos bancos de nossas Igrejas e participam dos cultos. É esta geração que tem dado a cara do novo movimento evangélico em algumas denominações. Porém, eles estão construindo uma nova espiritualidade a partir da realidade em que vivem, e precisamos discernir esses novos tempos.

Alguns traços desta nova “geração digital” são bem perceptíveis:

1. A falta de tempo que é característica da pós-modernidade também é característica do jovem de hoje. Muito cedo eles estão correndo atrás do sucesso profissional e pessoal de forma que sempre lhes falta tempo. Essa falta de tempo acaba sendo desculpa para toda e qualquer ausência social, tipo: há não posso está na igreja durante a semana, não posso também vir no sábado, domingo só de vez em quando. Mas infelizmente tempo para a internet a maioria tem, e por quê? Porque o mundo virtual oferece algo que a vida real não pode dar sempre: Flexibilidade. No mundo virtual você possui completo domínio do tempo, ao clique de um botão. Você supre a falta de tempo com conversas virtuais, estudo a distância, cultos on-line, aconselhamento em bate-papo, e etc...

2. Essa substituição gradativa da vida real pela virtual acaba nos tornando sempre mais individualista. E neste caso, não falo de individualismo no sentido de não se importar com o próximo, mas também na perspectiva de que o jovem acaba por se comportar de forma que a satisfação da vida está apenas nele mesmo e nos relacionamentos a distancia. Vivemos uma cultura do isolamento e da insensibilidade. Não nos tocamos mais, os abraços são mais formais, não conversamos mais “olho no olho”. Reunir um grupo num único local é infinitamente mais difícil do que juntar um grupo numa sala de bate-papo.

3. Sendo assim, os relacionamentos são sempre mais superficiais. Mal conhecemos quem está do outro lado da tela, mas a sensação é que a conversa só flui se for através da janela do MSN. Acredito que sempre quando entramos na internet, é como se assumíssemos um avatar. Avatar é um personagem virtual, de jogos virtuais da internet, como o Second Life (Segunda Vida), onde criamos uma identidade para aquele personagem e nos comportamos de acordo com ela. Ou seja, realmente uma segunda vida. Porém, essa “dupla-personalidade” parece se ramificar para todas as áreas da vida do jovem. Onde fica então a verdadeira amizade? Quais laços profundos podemos criar com alguém que sempre suspeitamos estar mentido para nós? Como seremos verdadeiros se sempre precisamos construir um personagem que geralmente não corresponde com a vida real?

Os jovens que vivem essa realidade são os mesmos que estão sentados nos bancos de nossas igrejas, e eles estão construindo uma espiritualidade a partir dessa realidade:

1. A espiritualidade imediatista é fruto dessa tecnologia. A vida hoje corre numa velocidade provavelmente superior a 1Gb, e isso influi em nosso comportamento religioso. Ficam algumas perguntas: Porque os jovens dificilmente participam de cultos de oração? Onde foram parar as vigílias? Porque a maioria dos jovens detesta ler a Bíblia em grupo e estudar? Existem práticas devocionais no meio da juventude cristã? Quais? Tudo que exija tempo, solitude e tranqüilidade são inadmissíveis para a nova espiritualidade digital. Queremos um culto rápido e empolgante, que mexa com nossos sentimentos. Este culto tem que ser “cosmético”, com um forte apelo à aparência, e de preferência com uma mensagem bem simples para que a maioria consiga entender.

2. O individualismo tem tornado as Igrejas em um amontoado de pessoas que mal se relacionam umas com as outras, o que é diferente de uma comunhão. Relacionamentos rasos geram uma juventude fraca e sem voz, incapaz de mobilizar as estruturas da instituição com a forca que é (ou era) característica do jovem. A “espiritualidade” do isolamento tem sido a marca desse novo movimento cristão, o que a torna inexpressiva principalmente no contexto da essência revolucionária do Evangelho, que nunca se propôs a ser uma mensagem em prol do individualismo, mas da construção de uma nova sociedade chamada Reino de Deus.

A solução não é destruir a internet, pois nela não habita o mal. A solução é repensarmos a forma como utilizamos todas as tecnologias que estão a nossa disposição e como não permitirmos que elas deformem nossa identidade cristã. As mudanças causadas pela internet não podem atingir a essência da vida e da mensagem cristã.

A flexibilidade que alcançamos com a internet pode e deve ser trazida para a espiritualidade real. O alcance que a nova tecnologia traz até mesmo para a difusão da mensagem do evangelho é inimaginável. Paulo, que ousou usar as epístolas para doutrinar as igrejas, provavelmente ficaria maravilhado com o mundo de possibilidades que a internet traz. Porém, a flexibilidade deve se resumir aos métodos, as formas de trabalhar em grupo, mas não com a essência do “comportamento cristão”, que é a comunhão, a união e a convivência. Um bate-papo na internet pode ser uma forma de relacionamento, mas não deve ser a principal ou a única, mas sim um paliativo para momentos em que a presença real esteja impossibilitada.

Se refletirmos, perceberemos com a vida pós-moderna pode afetar a nossa prática de espiritualidade, mas se ouvirmos a palavra de Deus, perceberemos que o chamado não é somente para que a vida “reconfigure” a nossa espiritualidade, mas que o evangelho “formate” a nossa vida.

Não alcançamos respostas práticas, apenas constatamos os problemas. Seria muita pretensão acreditar que um fórum de dois dias chegaria a soluções. Mas eu oro para que essa geração digital possa correr em busca das respostas, e novamente possa construir uma nova espiritualidade mais próxima da realidade do Evangelho.

Obrigado a todos que participaram, ajudaram e torceram por este congresso!

Obs: O 1° Fórum da Juventude Betesda Messejana (JUBEM) ocorreu entre os dias 11 e 12 de abril de 2008 na Igreja Betesda de Messejana, em Fortaleza-CE.

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