segunda-feira, 14 de abril de 2008

Juventude e Espiritualidade na Era Digital – Algumas considerações sobre o nosso primeiro fórum

Quando surgiu a idéia deste tema para o nosso fórum, minha intenção era pensar as relações entre a nova realidade de vida do jovem e como ela tem afetado a construção de uma nova espiritualidade.

O que quero dizer com isso? Duas coisas bem simples: Primeiro precisamos reconhecer que a humanidade pós-moderna é dependente de todas as tecnologias até agora criadas. Não é mais possível conceber a vida sem o celular, a internet, o computador, o MSN, e todas as outras. Somos reféns daquilo que criamos, e isso é um fato. Já vivemos dependentes de tecnologias que ainda nem foram criadas, como o tratamento com células tronco, que ainda nem existe de fato, mas já é considerada “a última esperança da humanidade” na cura de doenças.

Segundo: estamos todos em busca de uma espiritualidade. O início o século XXI marcou um retorno desesperado para espiritualidade, e dentre as opções está o Cristianismo. Vivemos uma época em que a desilusão com a política, a ciência e outras conquistas humanas é algo real. Elas não supriram a humanidade com o real sentido da existência. A paz torna-se cada vez mais utópica, a pobreza cresce em níveis alarmantes e a sociedade está longe de ser “civilizada”.

Estamos numa encruzilhada: Nos últimos tempos a tecnologia tem influenciado fortemente em nosso estilo de vida, alterando nossos padrões de comportamento, mas não tem contribuído tanto para nos tornarmos mais humanos. Porém, se ela molda nosso comportamento, com certeza ela também molda nossa espiritualidade.

Acredito que esse ponto é extremamente essencial para a compreensão de nossa juventude. Os jovens são os maiores consumidores das novas tecnologias. Eles sempre estão mais abertos para as constantes novidades e são sempre mais “bombardeados” com as milhares de informações que circulam na internet todos os dias. Os jovens das grandes cidades são indivíduos que estão constantemente “plugados”, viciados em tecnologia.

Também sabemos que estes mesmos jovens sentam nos bancos de nossas Igrejas e participam dos cultos. É esta geração que tem dado a cara do novo movimento evangélico em algumas denominações. Porém, eles estão construindo uma nova espiritualidade a partir da realidade em que vivem, e precisamos discernir esses novos tempos.

Alguns traços desta nova “geração digital” são bem perceptíveis:

1. A falta de tempo que é característica da pós-modernidade também é característica do jovem de hoje. Muito cedo eles estão correndo atrás do sucesso profissional e pessoal de forma que sempre lhes falta tempo. Essa falta de tempo acaba sendo desculpa para toda e qualquer ausência social, tipo: há não posso está na igreja durante a semana, não posso também vir no sábado, domingo só de vez em quando. Mas infelizmente tempo para a internet a maioria tem, e por quê? Porque o mundo virtual oferece algo que a vida real não pode dar sempre: Flexibilidade. No mundo virtual você possui completo domínio do tempo, ao clique de um botão. Você supre a falta de tempo com conversas virtuais, estudo a distância, cultos on-line, aconselhamento em bate-papo, e etc...

2. Essa substituição gradativa da vida real pela virtual acaba nos tornando sempre mais individualista. E neste caso, não falo de individualismo no sentido de não se importar com o próximo, mas também na perspectiva de que o jovem acaba por se comportar de forma que a satisfação da vida está apenas nele mesmo e nos relacionamentos a distancia. Vivemos uma cultura do isolamento e da insensibilidade. Não nos tocamos mais, os abraços são mais formais, não conversamos mais “olho no olho”. Reunir um grupo num único local é infinitamente mais difícil do que juntar um grupo numa sala de bate-papo.

3. Sendo assim, os relacionamentos são sempre mais superficiais. Mal conhecemos quem está do outro lado da tela, mas a sensação é que a conversa só flui se for através da janela do MSN. Acredito que sempre quando entramos na internet, é como se assumíssemos um avatar. Avatar é um personagem virtual, de jogos virtuais da internet, como o Second Life (Segunda Vida), onde criamos uma identidade para aquele personagem e nos comportamos de acordo com ela. Ou seja, realmente uma segunda vida. Porém, essa “dupla-personalidade” parece se ramificar para todas as áreas da vida do jovem. Onde fica então a verdadeira amizade? Quais laços profundos podemos criar com alguém que sempre suspeitamos estar mentido para nós? Como seremos verdadeiros se sempre precisamos construir um personagem que geralmente não corresponde com a vida real?

Os jovens que vivem essa realidade são os mesmos que estão sentados nos bancos de nossas igrejas, e eles estão construindo uma espiritualidade a partir dessa realidade:

1. A espiritualidade imediatista é fruto dessa tecnologia. A vida hoje corre numa velocidade provavelmente superior a 1Gb, e isso influi em nosso comportamento religioso. Ficam algumas perguntas: Porque os jovens dificilmente participam de cultos de oração? Onde foram parar as vigílias? Porque a maioria dos jovens detesta ler a Bíblia em grupo e estudar? Existem práticas devocionais no meio da juventude cristã? Quais? Tudo que exija tempo, solitude e tranqüilidade são inadmissíveis para a nova espiritualidade digital. Queremos um culto rápido e empolgante, que mexa com nossos sentimentos. Este culto tem que ser “cosmético”, com um forte apelo à aparência, e de preferência com uma mensagem bem simples para que a maioria consiga entender.

2. O individualismo tem tornado as Igrejas em um amontoado de pessoas que mal se relacionam umas com as outras, o que é diferente de uma comunhão. Relacionamentos rasos geram uma juventude fraca e sem voz, incapaz de mobilizar as estruturas da instituição com a forca que é (ou era) característica do jovem. A “espiritualidade” do isolamento tem sido a marca desse novo movimento cristão, o que a torna inexpressiva principalmente no contexto da essência revolucionária do Evangelho, que nunca se propôs a ser uma mensagem em prol do individualismo, mas da construção de uma nova sociedade chamada Reino de Deus.

A solução não é destruir a internet, pois nela não habita o mal. A solução é repensarmos a forma como utilizamos todas as tecnologias que estão a nossa disposição e como não permitirmos que elas deformem nossa identidade cristã. As mudanças causadas pela internet não podem atingir a essência da vida e da mensagem cristã.

A flexibilidade que alcançamos com a internet pode e deve ser trazida para a espiritualidade real. O alcance que a nova tecnologia traz até mesmo para a difusão da mensagem do evangelho é inimaginável. Paulo, que ousou usar as epístolas para doutrinar as igrejas, provavelmente ficaria maravilhado com o mundo de possibilidades que a internet traz. Porém, a flexibilidade deve se resumir aos métodos, as formas de trabalhar em grupo, mas não com a essência do “comportamento cristão”, que é a comunhão, a união e a convivência. Um bate-papo na internet pode ser uma forma de relacionamento, mas não deve ser a principal ou a única, mas sim um paliativo para momentos em que a presença real esteja impossibilitada.

Se refletirmos, perceberemos com a vida pós-moderna pode afetar a nossa prática de espiritualidade, mas se ouvirmos a palavra de Deus, perceberemos que o chamado não é somente para que a vida “reconfigure” a nossa espiritualidade, mas que o evangelho “formate” a nossa vida.

Não alcançamos respostas práticas, apenas constatamos os problemas. Seria muita pretensão acreditar que um fórum de dois dias chegaria a soluções. Mas eu oro para que essa geração digital possa correr em busca das respostas, e novamente possa construir uma nova espiritualidade mais próxima da realidade do Evangelho.

Obrigado a todos que participaram, ajudaram e torceram por este congresso!

Obs: O 1° Fórum da Juventude Betesda Messejana (JUBEM) ocorreu entre os dias 11 e 12 de abril de 2008 na Igreja Betesda de Messejana, em Fortaleza-CE.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Paciência - Arnaldo Jabor

Ah! Se vendessem paciência nas farmácias e supermercados... Muita gente iria gastar boa parte do salário nessa mercadoria tão rara hoje em dia. Por muito pouco a madame que parece uma 'lady' solta palavrões e berros que lembram as antigas 'trabalhadoras do cais'... E o bem comportado executivo? O 'cavalheiro' se transforma numa 'besta selvagem' no trânsito que ele mesmo ajuda a tumultuar...

Os filhos atrapalham, os idosos incomodam, a voz da vizinha é um tormento, o jeito do chefe é demais para sua cabeça, a esposa virou uma chata, o marido uma 'mala sem alça'. Aquela velha amiga uma 'alça sem mala', o emprego uma tortura, a escola uma chatice. O cinema se arrasta, o teatro nem pensar, até o passeio virou novela.

Outro dia, vi um jovem reclamando que o banco dele pela internet estava demorando a dar o saldo, eu me lembrei da fila dos bancos e balancei a cabeça, inconformado...

Vi uma moça abrindo um e-mail com um texto maravilhoso e ela deletou sem sequer ler o título, dizendo que era longo demais.

Pobres de nós, meninos e meninas sem paciência, sem tempo para a vida, sem tempo para Deus. A paciência está em falta no mercado, e pelo jeito, a paciência sintética dos calmantes está cada vez mais em alta.

Pergunte para alguém, que você saiba que é 'ansioso demais' aonde ele quer chegar? Qual é a finalidade de sua vida? Surpreenda-se com a falta de metas, com o vago de sua resposta. E você? Onde você quer chegar? Está correndo tanto para quê? Por quem? Seu coração vai agüentar? Se você morrer hoje de infarto agudo do miocárdio o mundo vai parar? A empresa que você trabalha vai acabar? As pessoas que você ama vão parar? Será que você conseguiu ler até aqui?

Respire... Acalme-se... O mundo está apenas na sua primeira volta e, com certeza, no final do dia vai completar o seu giro ao redor do sol, com ou sem a sua paciência...

NÃO SOMOS SERES HUMANOS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA ESPIRITUAL... SOMOS SERES ESPIRITUAIS PASSANDO POR UMA EXPERIÊNCIA HUMANA...

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Onipotência, Milagre e Vida - Ricardo Gondim

Deus é onipotente. Aliás, não crer na onipotência divina seria igual a desacreditar na própria existência de uma divindade – um deus sem poder não é Deus. Milagres acontecem. Não crer em milagres seria igual a desacreditar na possibilidade das ações divinas. – um deus imóvel é um absurdo conceitual.

Deus não só possui todo o poder como nEle se origina tudo o que se entende como poder, capacidade, criatividade. Deus pode fazer qualquer coisa e tem a liberdade de agir como, quando e onde quiser.

Antecipo essas verdades porque procuro discutir a plausibilidade do milagre no cotidiano; quero saber se é possível ter um chão existencial presumindo as intervenções divinas. A partir desses questionamentos, quero perceber se é função do sacerdote ensinar que se organize a vida esperando livramentos divinos.

Realmente não há como negar, a Bíblia contém numerosos exemplos de livramentos, salvações, resgates espetaculares e curas divinas. Para evitá-los seria necessário um enorme exercício de relativização das Escrituras. Porém, algumas perguntas insistem: o sujeito religioso deve conceber a sua existência com expectativa de intervenções sobrenaturais? Deve-se procurar reverter o diagnóstico de uma doença terminal pela oração? Um fiel deve apelar para Deus se quiser ganhar um litígio judicial? Um pastor deve ensinar que a vida só será possível com constantes intervenções de Deus? As pessoas experimentam “upgrades”, levam vantagem sobre os demais, quando obedecem aos mandamentos?

Essas inquietações não negam que Deus tem toda força e pode fazer o impossível. Elas buscam, tão somente, repensar a cosmovisão religiosa que contempla a vida com ingerências do alto; confrontam as lógicas de que homens e mulheres carecem de socorros emergenciais de Deus para que a existência seja minimamente possível.

É função do pastor ajudar as pessoas a viverem com fé, mesmo quando não existe a possibilidade de milagre. Diferente do paganismo, a cosmovisão cristã convoca que se confie em Deus para enfrentar as contingências da vida com coragem. Nesse conceito, fé não antecipa prodígios sobrenaturais. Os cristãos parecem, entretanto, carminhar noutra direção; urge que se resignifique fé.

Fé não se limita a acreditar em acontecimentos extraordinários. Partindo-se da aceitação de que existe um Criador e Controlador do universo, esta verdade é axiomática – e consta em todas as tradições religiosas monoteístas, inclusive as judaicas e islâmicas.

Sempre que se reflete sobre milagre as reações são emotivas. “Deus não pode intervir na vida das pessoas, principalmente, as mais necessitadas?”. Lógico que pode; isso já ficou estabelecido nos dois primeiros parágrafos acima. Deus pode tudo; Ele é o Todo-Poderoso. A questão é se Deus quer que a vida humana se organize com ocasionais intervenções suas. Proponho que não. Ninguém deve viver ou preparar-se para enfrentar o “dia mal” (Efésios 6.13) com expectativa de que virão auxílios sobre-humanos aliviando o sofrimento.

Dois conceitos também precisam constar nessas elaborações: graça e justiça. Graça, muito mais que um jargão teológico é uma descrição do jeito como Deus lida com a humanidade. O amor de Deus é gratuito, universal e unilateralmente derramado sobre todos. Ele abençoa sem exigir méritos; seus afetos independem da qualidade moral ou de práticas religiosas das pessoas. Deus não ama como reação. Também não faz acepção, não discrimina; não premia uns para abandonar outros ao léu; não “elege” uns poucos para voltar as costas para a maioria que nasce como “filhos da ira”.

Portanto, se e quando acontece algum milagre, com certeza não vem como resposta de oração – qualquer mérito anula a graça e as suas intervenções não visam abençoar os “eleitos” – já que não faz acepção de pessoas.

As intervenções divinas, se e quando acontecem, estão ligadas a a um propósito eterno do coração de Deus e as pessoas não têm qualquer ingerência sobre elas - milagres são mistérios.

Fé pode ser compreendida como coragem existencial. No reconhecimento de que a vida é imprevisível, fé aposta nos valores do Evangelho; que suas verdades e princípios são suficientes para enfrentar a vida com tudo o que acontecer de bom ou de ruim. Fé é um convite a confiar no propósito eterno de Deus - Ele quer ter uma família com filhos parecidos com Jesus de Nazaré.

A religiosidade que promove a expectativa de livramentos tem sido responsável por processos de infantilização; homens e mulheres, acreditando que a história ficará diferente com milagres são impedidos de iniciativas transformadoras.

Eu creio em milagres, mas não espero por eles; celebro a onipotência, mas recuso-me a apelar para qualquer força que me dê vantagem sobre os outros; não nego a soberania de Javé, mas não acredito que a vida esteja presa a trilhos inexoráveis; oro, mas não entendo que a função da prece se restrinja a “conseguir mais bênção”.

Fé é aceitar o desafio de viver como ovelha no meio de lobos; enfrentar um mundo cheio de tribulações; "receber bom testemunho, sem, no entanto, receber o que havia sido prometido" (Hebreus 11.39).

“Mesmo não florescendo a figueira, e não havendo uvas nas videiras, mesmo falhando a safra de azeitonas, não havendo produção de alimento nas lavouras, nem ovelhas no curral nem bois nos estábulos, ainda assim eu exultarei no Senhor e me alegrarei no Deus da minha salvação” (Habacuque 3.17).

Soli Deo Gloria.

sábado, 5 de abril de 2008

IGREJA À SERVIÇO DA COMUNIDADE

A grande oportunidade de Deus para as nossas vidas como Igreja é a busca por relevância na comunidade onde estamos inseridos. O sentido da fé, da existência da igreja e da proclamação do evangelho se dá quando elas funcionam como instrumentos de transformação de vidas. Enquanto desperdiçamos energia em discussões doutrinárias tolas ou em “profetismos” vazios, pessoas estão em nossas igrejas buscando muito mais do que simples palavras de animo e incentivo. Como já escrevi anteriormente, nossos templos precisam ser centros comunitários, onde a vida em abundancia, com qualidade, se torna mais sagrada que a religião e seus rituais. O Rabino Jonathan Sacks expressa isso de forma marcante no texto que cito de seu livro (Para curar um mundo fraturado, editora Sêfer). Leiamos para refletir:

...Andrew Mawson é um clérigo cristão que transformou uma igreja antiga e decadente de Londres em um dos complexos comunitários mais ativos da Inglaterra: o Bromley-by-Bow Centre. Atualmente o centro mantém 125 atividades semanais em uma área de três acres situada num dos bairros mais pobres da cidade. Elas incluem uma creche, um centro de saúde, programas destinados à família, uma série de projetos ligados às artes e à educação, sete iniciativas comerciais de caráter social e um restaurante.

... Andrew conheceu Sheila (esse não é seu verdadeiro nome) por meio do trabalho (“Qual é seu método para chegar até as pessoas?”, perguntei-lhe certa vez. “Eu ouço as fofocas”, ele me respondeu). Ele estava empenhado em um de seus primeiros projetos, a construção de uma creche, e a creche precisava de uma cozinha. Perguntou ao grupo à sua volta: “Alguma idéia?” Sheila disse: “Eu sempre sonhei em ter meu próprio restaurante.” Na ocasião ela criava um filho sozinha e estava desempregada. “Convide minha esposa e eu para jantar. Vamos ver como você cozinha”, Andrew sugeriu. Foi um bom jantar. Propôs a Sheila: “Vou dar a você uma sala da igreja, de frente para a rua. Nós pediremos aos vizinhos que façam o trabalho de carpintaria. Arrecadarei o dinheiro para comprarmos um fogão e vamos ver o que acontece.” Deu certo. O restaurante cresceu, tornou-se ponto de referência da comunidade, o lugar onde as pessoas se encontravam. Ampliado e reformado uma segunda vez, foi reinaugurado pelo Príncipe Charles. Enquanto tudo isso acontecia, Sheila desenvolvia novos interesses. Um dia, ela disse: “Eu sempre quis ter um diploma universitário.” Havia saído da escola sem qualquer qualificação profissional. Andrew persuadiu uma universidade a aceitá-la como aluna. Sheila formou-se com honras em psicologia social. Tinha crescido como pessoa de uma forma que não poderia esperar até o momento em que encontrou Andrew.

... O método de Andrew é simples: ele descobre as paixões das pessoas e as apóia, procurando recursos para viabilizá-las, criando equipes e, acima de tudo, fazendo com que essas pessoas acreditem que podem fazer aquilo que sonham fazer. Andrew já transformou centenas de vidas. Deixou de ser difícil, para mim, acreditar na existência de anjos.

(Sacks, Rabino Jonathan. Para Curar um Mundo Fraturado: A Ética da Responsabilidade. São Paulo. Sêfer, 2007. Págs. 319-320)

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Evangélicos no "Quarto Poder"

"As casas de teatro serão fechadas para peças evangelísticas... O Senhor fará novelas para o povo brasileiro... Cairá todo meio de comunicação que não glorifica o Senhor..." (trecho de "ato profético" de Ana Paula Valadão durante o 9.º Congresso Diante do Trono).


É interessante como o movimento evangélico brasileiro é moroso, estagnado e débil mental. A forma de pensar não muda, continuamos com os mesmos discursos.

Note que a senhora Ana Paula Valadão está "profetizando" (na verdade ela está violentando a Deus, enfiando palavras na boca Dele que Ele mesmo nunca mencionou) no 9.º Congresso Diante do Trono. Isso significa que só de congressos já se passaram nove anos e o discurso patético continua o mesmo.

Infelizmente a estrutura de pensamento é a mesma:

1. O mundo e tudo o que se produz culturalmente nele é do diabo, é anti-cristão. (interessante que a senhora acima citada não se preocupa se a fábrica de onde vieram suas bolsas Louis Viton é ou nao "cristã", ou a loja que vende suas roupas italianas caríssimas tem algo haver com Jesus). A falta de "simancol" e vergonha é incrível. Qual é a proposta cultural que os evangélicos possuem? A produção cultural evangélica, infelizmente, deixa a desejar, é pobre e cansativamente repetitiva.

2. Apenas a mensagem evangélica é capaz de glorificar a Deus. Para isso, os evangélicos devem assumir o poder e o controle de toda a mídia, um reflexo da sede satanica da "igreja" por poder temporal. Parece que o "mundo" que os evangélicos tanto demonizam na verdade é o alvo maior da paixao por poder.

3.Continuamos, infelizmente, a nos preocupar com coisas fúteis e demonstramos, por esses "atos profeticos", que não entendemos "patavinas" do que seja a verdadeira mensagem do evangelho e a profecia. Aí me vem um desejo em forma de pergunta: quando o movimento "evangélico" brasileiro será enfim superado? Quando, óh Deus, cairá esse reino de mentiras, enganos e pecado, e que falsamente se propõem ser o Reino de Deus?

Enquanto isso, meu ouvido, que não é pinico, recusa-se a ouvir "profetadas" desse tipo.

Que Deus tenha miséricordia da verdadeira Igreja, mantendo-a pura, onde quer que ela esteja!

quinta-feira, 3 de abril de 2008

A vontade de Deus não basta

Talvez o exercício mais urgente que devamos fazer, como teólogos ou estudantes da Bíblia; é aprender a “pensar nas verdades divinas” tendo o mundo, e não os livros de teologia sistemática ou os compêndios de doutrina, como base para nossa reflexão. Quando voltamos nossos olhos para o mundo real, para “a vida como ela é”, sempre surgirá uma pergunta honesta: Onde está a vontade de Deus neste mundo?

O que dizer quando um jovem rapaz de vinte e dois anos é vitimado em um acidente de carro por um motorista embriagado e fica condenado a viver numa cama, totalmente inutilizado do pescoço pra baixo?

Alguns diriam: “Não cai nem uma folha das árvores se Deus assim não permitir, então, tudo está dentro da vontade de Deus!”. Outros diriam: “Não, o mundo foi lançado à própria sorte. Essa figura que chamamos de Deus criou este mundo e simplesmente o entregou a mercê do mal e dos caprichos humanos!”. Uma parte também diria: “Tudo que acontece de mal no mundo é obra de Satanás! Xô Satanás!!! Tá amarrado!”

Penso que existe outro caminho, outra estrada para encararmos as inadequações da vida, nossos dramas e pecados: Precisamos reconhecer que a vontade de Deus não basta!

Parece blasfêmia o que eu estou dizendo nesse momento, mas tanto a história como a própria palavra de Deus testemunham que a vontade de Deus não se impõe a liberdade humana. Salvo alguns casos esporádicos, podemos perceber que a regra geral é que a vontade de Deus não basta.

Leiamos com honestidade o Gênesis: Adão e Eva não se bastaram na vontade de Deus, Caim não suportou a vontade de Deus e os povos que construíam Babel encaravam a própria existência de Deus como limitação do seu potencial humano. Todos esses episódios têm uma característica em comum: A liberdade humana indo contra a vontade de Deus.

A vontade de Deus não basta porque o próprio Deus criou algo que possui um poder transformador equivalente: a liberdade humana. É como se, ao criar a liberdade humana, uma parte da vontade divina fosse compartilhada com os humanos. O princípio de João Batista é válido para a história da criação do homem: para que alguém cresça é preciso que outro venha a diminuir.

Porém todo o equilíbrio é muito bem vindo quando discutimos tal assunto. Não podemos jogar todo o peso do mundo na conta de Deus e afirmar que a sua vontade é absolutamente soberana. Assim criaremos um ídolo que deverá ser descrito como mal, manipulador, caprichoso e chantageador. Se todo o mal é como um chicote para punir e corrigir o homem, fazendo com que este venha “amar” o ídolo que erroneamente chamamos de Deus, então esse “ser divino” não busca o amor e não vive pelo amor, mas pela coerção.

Tal figura não condiz com o Deus da Bíblia, muito menos com o Aba que Cristo tanto anunciou.

Do mesmo modo, jogar todo o mal sobre as costas da humanidade é igualmente absurdo. O ser humano está em eterno processo de aprendizado. Sabedoria e conhecimento nunca se esgotam, e a capacidade de escolha depende de tal crescimento. É impossível não recordar das palavras de Deus a Jonas, um profeta que culpava tanto a cidade de Nínive que não havia mais lugar para misericórdia. Porém, Deus disse: “Eu não terei pena de Nínive, a grande cidade, onde há mais de cento e vinte mil seres humanos, que não distinguem entre a direita e a esquerda, assim como muitos animais!” (Jn 4.11).

A vontade de Deus não anula o ser humano, e a liberdade humana não impede o agir de Deus. A grande diferença é que Deus sabe respeitar os limites que ele se auto-impôs para não anular o homem. Já o homem utiliza sua liberdade sem distinção e busca sempre anular a figura de Deus em suas vidas.

Aqui eu tomo emprestado à idéia de Agostinho: o mal é um distanciar-se de Deus. A liberdade humana não é a semente do mal, muito menos a natureza pecaminosa herdada do pobre Adão, culpado de todos os nossos erros. O mal está no desejo de autonomia, na liberdade que gera o individualismo, na desconsideração pela vontade de Deus e pela indisposição de formar parcerias com o Aba para a construção da nossa própria história.

Se percebermos o mundo por essa ótica, poderemos construir uma idéia sobre Deus e sua vontade que seja menos opressora e doentia. Poderemos abandonar certos conceitos falsos sobre Deus e assim começarmos a entender melhor o que Jesus queria dizer ao chamar o Senhor de Aba Pai. Este Deus-Pai não precisa chantagear seus filhos com o mal, as doenças e as tragédias para gerar amor nos seus corações. O Aba não precisa de barganhas para continuar sendo relevante na vida de seus seguidores. Ele não se impõe, pois o homem é quem precisa descobrir que sem Ele estamos à mercê de nós mesmos.

Um deus que determina, que se utiliza do mal e que troca bênçãos por devoção e “amor” é apenas uma criação do homem, que é incapaz de encarar sua própria liberdade e responsabilidade, e humildemente reconhecer que o mundo é infinitamente maior e mais enigmático que o “quintal” da sua vida. Um deus que é responsável por tudo faz, e assim pode ser acusado de tudo, faz mais sentido que o Aba, um “deus maluco” que divide suas responsabilidades com o insignificante Adão, o pó da terra.

A vontade de Deus não basta porque ela o que ela mais deseja é a parceria com a liberdade do homem. Quando esse casamento ocorrer, então poderemos encarar o mundo com mais esperança e menos fatalismo.

João Evaldo e Jorge