sábado, 29 de março de 2008

"Desorientado" na Igreja

A institucionalidade já atingiu raízes profundas no contexto da Igreja, e isso é fato. Tais raízes estão ligadas a um modus vivendi comum do homem religioso evangélico e são tão internalizadas que fica difícil pensar em como poderia ser um comportamento mais semelhante ao puro ensino do evangelho.

Mas o que me incomoda, o que me deixa com uma sensação de desorientação, é ver que simplesmente não sabemos o que fazer.

Muitos líderes já conseguem perceber as mazelas e corrupções que o institucionalismo trouxe a simples mensagem do evangelho. Eles criticam, explanam ardorosamente contra as distorções da instituição, do dogma e do ritual vazio. Pregam contra um “novo” evangelho da lei e da barganha com Deus, sobre a completa falta de compreensão do que é a Graça, mas infelizmente parece que o lugar da indignação é apenas os púlpitos.

A pergunta é: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases?

Parece radical demais dizer que toda a estrutura institucional de Igreja deve ser demolida. Porém, infelizmente, fazem-se necessários sacrifícios radicais, já que as formas tomadas pela fé institucional são radicalmente opostas à essência do evangelho.

O que me deixa preocupado é ver que discursos contra a instituição já não geram efeitos “revolucionários”. Criticamos, mas não estamos dispostos a viver sem ela. Não toleramos mais os dogmas e rituais, mas poucos têm coragem de tomar atitudes (obs.: estou falando de atitude, e não de discurso) realmente práticas. Estamos presos em nossa própria armadilha. A instituição foi criada pelo homem e parece que hoje ele não sabe como livrar-se dela.

Com isso, chegará um tempo, e talvez já tenha chegado; em que não agüentaremos mais ouvir pregações onde se critique a instituição. Será cansativo aos ouvidos palavras que afirmem que “o projeto inicial de Jesus está além dos atos religiosos”.

A pergunta continua ecoando na minha cabeça: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases?

Chegou o momento em que “uma atitude valerá mais do que mil palavras”!

Sonho com o dia em que as contribuições financeiras aumentarão, mas que esse valor se reverta em benefícios reais e sociais para a igreja e a comunidade em que está inserida. Quem sabe cada Igreja poderia ser uma ONG, formando parcerias com a comunidade e com as políticas governamentais que possam melhorar as condições de vida? Talvez seja sonhar demais.

Talvez nossas igrejas poderiam crescer, mas não para receber mais membros. Quem sabe, ao invés possuirmos mega santuários em nossa cidade, cada local de culto pudesse ser também, uma creche, uma casa de repouso para idosos, um casa de recuperação para dependentes químicos. Quem sabe os próprios membros das igrejas pudessem assim encontrar o chamado cristão de servir com seus talentos, e também a igreja pudesse custear profissionais para que nossas orações por um mundo melhor possam se transformar em atitudes realistas.

Quero concluir com a pergunta que não quer calar: Estamos dispostos a tomar atitudes radicais para retomar a essência da mensagem do evangelho? Estamos dispostos a demolir toda a estrutura que criamos a fim de reconstruir sobre novas bases? Será que essa sensação de desorientação vai acabar?

quinta-feira, 20 de março de 2008

SALMO 51 – UM COMENTÁRIO EXISTENCIAL


1. Tem piedade de mim, ó Deus, por teu amor! Apaga minhas transgressões, por tua grande compaixão!

Pois onde iremos encontrar o amor e perdão que restaura? Neste mundo o pecado e a falha podem ser até “perdoados”, mas nunca apagados, relevados, mas nunca esquecidos, seja pelo autor ou pelas possíveis vitimas de nossas falhas. Existe uma mancha em nós mesmos que cerimônia nenhuma pode tirar; há algo em nossas atitudes que nos torna marcados, infectados, manchados. Precisamos não de uma palavra de perdão, mas de uma atitude restauradora.

2. Pois reconheço minhas transgressões e diante de mim está sempre meu pecado;

Simples palavras, mesmo que sejam divinas, não apagam o fato de que minhas atitudes sejam passadas, sejam presentes, são reprisadas num flashback constante. A alma marcada revive suas falhas constantemente. Todo pecado causa um trauma, e esse ponto traumático é retro-alimentado, num processo circular e “karmático” (i.e. Karma) de “relembrar-reviver-ressentir-se”. Purificação significa superação, vencer os pontos traumáticos que geram escravização a uma situação passada que teima em reencarnar no nosso presente, não havendo esperança de um novo futuro.

3. Pequei contra ti, contra ti somente, pratiquei o que é mau aos teus olhos. Tens razão, portanto, ao falar, e tua vitória se manifesta ao julgar.

Não! Não foi somente Deus o “atingido” pelo pecado de Davi! Uma vida foi destruída, um homem que era valoroso perdeu sua vida covardemente. Mas Deus é o Supremo Outro, ou seja, desta forma o nosso pecado sempre atinge os outros, num processo que vai do homem e chega até Deus, pois tudo que fazemos contra nós mesmos e contra o outro fere ao zelo que o Senhor possui por toda humanidade.

4. Eis que eu nasci na iniqüidade, minha mãe concebeu-me no pecado.
5. Eis que amas a verdade no fundo do ser, e me ensinas a sabedoria no segredo.
6. Purifica meu pecado com o hissopo e ficarei puro, lava-me, e ficarei mais branco do que a neve.

Apesar da fraqueza que acomete a todos os homens, fraqueza inerente a natureza de quem é livre (pois nem todos os livres são fortes e estáveis) Davi não quer fazer de sua natureza tendenciosa um motivo para desculpar todas as suas falhas. Ao mesmo tempo em que “minha mãe me concebeu em pecado” e tendo assim “herdado o mal”, o Senhor pode me ensinar no segredo, ou seja, me restaurar desde o mais profundo do meu ser, da raiz de todas as minhas motivações. Davi conhecia todo o processo de purificação judaica, inclusive cita o hissopo, uma planta usada nas cerimônias de purificação (Lv 14.4; Nm 19.18). Mas tal processo não é suficiente para que haja a purificação. Não são métodos, rituais ou palavras de absolvição que transformam a vida de quem está sujo, mas uma comunicação entre o meu ser e a verdade, mas no fundo do meu ser só Iahweh pode tocar.

7. Faze-me ouvir o júbilo e a alegria, e dancem os ossos que esmagaste.
8. Esconde a tua face dos meus pecados e apaga minhas iniqüidades todas.
9. Ó Deus, cria em mim um coração puro, renova um espírito firme no meu peito; não me rejeites para longe de tua face, não retires de mim teu santo espírito.

O verbo criar é mesmo atribuído a Deus em Gênesis 1, Em Isaias 65.17 é dito que o Senhor irá criar “novos céus e nova terra”. Tal ato está reservado a Deus, que faz surgir ordem do caos, lógica do que é ilógico, vida onde há morte, pureza em meio a impureza. Aquilo que Deus faz não se limita a palavras, mas é tal atitude capaz de reformular os caminhos de destruição que nossos próprios pés trilharam. Purificação, como já falei, não é uma palavra de absolvição, nem mesmo uma cerimônia de perdão, mas uma atitude restauradora da parte de Deus, que comunica verdade e sabedoria ao meu ser, fazendo surgir ordem em meio ao caos interior de uma alma consciente de seus erros.

10. Devolve-me o júbilo da tua salvação e que um espírito generoso me sustente.
11. Ensinarei teus caminhos aos rebeldes, para que os pecadores voltem a ti.

Tal condição de restauração me leva a enxergar e compreender que na vida também existe alegria, que ela não é apenas predestinada a tristezas e maldade. A purificação também traz uma nova percepção da vida, onde a alegria do criador tem lugar. A generosidade de espírito é essencial para que os outros sejam ensinados, mas não se ensina generosidade, apenas se vive ela, externando-a ao mundo, e nossa generosidade espelha os caminhos de Deus a outros que também precisam ser ensinados. Ou seja, Ser purificado e purificar outros depende sempre da generosidade, e não da justiça implacável ou do dedo em riste, seja na cara dos outros ou em minha própria.

12. Livra-me do sangue, ó Deus, meu Deus salvador, e minha língua aclamará tua justiça.
13. Ó Senhor, abre os meus lábios, e minha língua anunciará o teu louvor.
14. Pois tu não queres sacrifício e um holocausto não te agrada. Sacrifício a Deus é espírito contrito, coração contrito e esmagado, ó Deus, tu não desprezas.
15. Faze o bem a Sião, por teu favor, reconstrói as muralhas de Jerusalém.
16. Então te agradarás dos sacrifícios de justiça – holocaustos e ofertas totais – e em teu altar se oferecerão novilhos.

Finalizando, Davi não enxergava na sua religião, na sua liturgia, nos seus processos expiatórios, a chave para uma vida purificada. Com certeza, ao cair em si sobre sua condição, o piedoso rei de Israel buscou os métodos legais para que sua culpa fosse apagada e ele fosse novamente re-habilitado perante Deus. Mas o conforto da alma não foi conquistado dessa forma. A Paz de Espírito transcende aos rituais e a alegria excede o culto. O sacrifício a Deus está em entregar aquilo que temos de mais verdadeiro. O que sobra de um homem que cai na real e percebe que matou um homem covardemente apenas para esconder seu pecado? Se ele for verdadeiramente humano, o que sobrará serão apenas as migalhas de um coração despedaçado. O sacrifício que se oferece a Deus é a consciência, mesmo em frangalhos, de que pecamos e que abalada está a relação com Deus e com os homens. Só após o culto “racional” (consciente) é que podemos agradar a Deus com nossos rituais.

Que haja mais perdão e purificação, processos divinos que criam ordem no caos e restaura a pureza do que está manchado. Sendo assim o coração contrito, resultado da profunda conscientização do que somos e fazemos; o motivo de nossos atos e força por trás de nossa religião. Não nos basta mais palavras de perdão, mas do que ouvir, queremos sentir um novo coração, vindo do poder criador de Deus, bater no nosso peito.

Sendo assim, me perdoa e me purifica!

quarta-feira, 19 de março de 2008

Intercessão

Dentre os vários tipos de oração, existe um que talvez seja a mais incompreendida e a menos praticada em nossa cultura hoje: a oração de intercessão. Incompreendida porque a palavra intercessão ganhou um sentido vago em nossas mentes, pois achamos que para interceder basta perguntar qual o problema e assim mandar bem na oração com Deus para que aquele problema seja resolvido. Menos praticada porque nossa cultura baseia-se no egoísmo e na indiferença com o próximo, e não nos enganemos, pois esta cultura adentra nossas paredes eclesiais mais do que possamos perceber.

Apesar do descaso e da percepção errada acerca do que é intercessão, a Bíblia possui vários textos que falam da importância da oração intercessória entre o povo de Deus. Ela é um elo importantíssimo na relação entre Deus e a comunidade, e envolve não somente palavras, mas também atos intercessórios.

Primeiramente devemos compreender o que significa intercessão.

Segundo o Dicionário, Intercessão significa suplica, apelo, apresentar petições a alguém em favor ou contra outrem. Nesse sentido, ela tem certa diferença com o termo advogar. Quando alguém advoga em nosso favor, ele faz uso dos nossos direitos para nos defender em uma causa. Porém, quando alguém intercede por nós, geralmente não temos direitos que nos defendam, somos realmente culpados e a lei não está ao nosso favor.

Esse é o sentido mais utilizado para a prática da intercessão no Novo testamento. Sempre a uma terceira pessoa que apela a nosso favor junto a alguém, pois estamos incapacitados de suplicar por nós mesmos.

Nesse sentido, é afirmado que Jesus é o nosso intercessor perante Deus, pois apenas ele pode conquistar em nosso favor o perdão divino (Hb 7.25). Sua obra implica a morte, a ressurreição e a intercessão perante o Pai, sendo assim, não há mais condenação (Rm 8.34).

O Espírito Santo intercede em nossas fraquezas (Rm 8.26), ele não ora por nós, mas em nossa falta de sabedoria ele nos complementa diante de Deus, pois apela em nosso favor segundo a vontade de Deus e para que essa vontade se cumpra em nós.

Sendo assim, a intercessão significa um somatório de forças, que nos completa em nossas fraquezas, originária de um coração solidário e compreensivo. Pela solidariedade de Jesus somos libertos, e pela compreensão do Espírito somos edificados, apesar das falhas e fraquezas.

Baseados nessas verdades; podemos visualizar os grandes benefícios que a intercessão opera na vida da igreja:

1. O intercessor aprende a defender o próximo que está em situação de desvantagem. Essa é a verdade do texto de Ezequiel 22.30. O intercessor luta, não somente em oração, mas também em atitudes, para defender o irmão que está em momento de fraqueza, e se coloca nesta situação até que os “buracos sejam tapados”. Nisto, ele não apenas intercede orando, mas também fazendo o que estiver em seu alcance visando à restauração do próximo.

2. O intercessor se afasta do egoísmo, pois aprende que seus problemas não são os únicos da face da terra. A oração intercessória de Jesus no capítulo 17 de João era para que a Igreja fosse uma unidade semelhante à relação entre ele e Deus. Não há exemplo maior de unidade quando a Igreja aprende que a causa de um é a causa do grupo. Orações demasiadamente centradas no ego são ao mesmo tempo causa e efeito do processo de individualismo que adentra nossas vidas e nossas igrejas.

3. A Intercessão contribui para que eu me torne mais compreensível com as fraquezas alheias, que são espelho das minhas próprias fraquezas. Para que sejamos bons intercessores, devemos aprender que a misericórdia é para os fracos, para os verdadeiramente pecadores. Qualquer posição de julgamento da parte do intercessor o torna completamente inválido para tal missão. Amor, solidariedade e compreensão são essenciais para que a intercessão sirva como um elemento restaurador de vidas. Quem intercede, enxerga no outro as suas próprias mazelas.

Desculpas

Para os que acompanham meu blog, venho de antemão pedir desculpas pela minha negligencia em escrever. Tenho dedicado um tempo a leitura, estou lendo um livro chamado "Para Curar um Mundo Fraturado", do Rabino Jonathan Sacks, e o livro é maravilhoso. Após concluir essa leitura tentarei escrever algumas impressões que esse autor me trouxe.

Voltarei em breve com mais frequência.

A Paz a todos!!!

domingo, 2 de março de 2008

PUXANDO REDES DE CULPA - CAIO FÁBIO




João 21


A culpa ganha muitas caras. Uma, dentre milhões de caras, é aquele que se apresenta como piedade sacrificial.

Foi o caso de Pedro. Culpado por haver negado, agora, na praia de Tiberíedes, ao saber que Jesus estava às margens do lago, ressuscitado, atira-se à água e nada; chegando primeiro dos que outros seis discípulos, que vieram trazendo o barco cheio de peixes.

Silêncio. Pedro e Jesus na praia. Os outros chegando. Somente o singrar dos remos se fazem ouvir cortando a água. O silencio só era quebrado sutilmente pelo vivo farfalhar prateado dos peixes na rede.

“Trazei alguns dos peixes que acabastes de apanhar!” — disse-lhes Jesus. Mas não disse “Trazei todos os peixes que acabastes de apanhar!”.

Pedro, porém, não deixou ninguém ajudar; e puxou sozinho não “alguns dos peixes”, mas a rede toda, com cerca de 153 grandes peixes.

Após comerem, Jesus perguntou a Pedro: “Tu me amas?”

Ora, o que teria sido de Pedro se a questão toda não tivesse sido retirada do plano do arrependimento esforçado e trabalhador para o do serviço amoroso e grato?

Sem a conversa do “tu me amas?” Pedro teria se tornado um neurótico devocional para o resto da vida.

Culpa faz muitas vezes a pessoa carregar sozinha todos os pesos. Pesos desnecessários. Quantidades não solicitadas. Tudo por causa da culpa!

Pergunta:

Sua culpa não tratada por você diante de Deus está levando você a escolher sacrifício, trabalho neurótico, missões solitárias?

Pense quais são as motivações para o tamanho de seus esforços para agradar a Jesus mais do que qualquer outro consiga.

Tudo é muito bonitinho, mas, continuando, acaba com a vida!


Nele, que não nos chama para puxarmos as redes da culpa,



Caio

24/02/08
Lago Norte
Brasília
DF