quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Entre Betel e Fanuel


A peregrinação espiritual de Jacó teve um ínicio bastante conturbado, aliás, o que não faltou na vida de Jacó foram períodos de crise.

Em sua vida já começa fugindo da fúria do irmão que enganou; desligado da mãe super-protetora que possuía e caminhando para uma terra que não conhecia em busca de parentes distantes dos quais não possuía intimidade. Em certo ponto, a vida de Jacó estava completamente desmoronada, e ele precisava construir agora sua própria história, inclusive sem a interferência de Rebeca.

No caminho Jacó resolve pernoitar e ali tem um sonho: contemplava uma escada que se erguia sobre a terra e seu topo atingia o céu, e os anjos de Deus subiam e desciam sobre ela. Então Iahweh se coloca em pé diante de Jacó e refaz com ele toda a aliança que já havia feito com Abraão e Isaac.

Vejamos as Palavras de Deus a Jacó:

“Perto dele estava o SENHOR (Iahweh) e lhe disse: Eu sou o SENHOR (Iahweh), Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu te darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como o pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra. Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido.” (Gn 28:13-15)

Quis destacar alguns aspectos da promessa de Deus a Jacó principalmente para que possamos compará-las com a reação de Jacó àquele momento espiritual único.

Jacó então acorda e diz: “Na verdade, o SENHOR está neste lugar, e eu não o sabia... Quão temível é este lugar! É a Casa de Deus, a porta dos céus.” (Gn 28:16-17) Então ele faz toda uma cerimônia baseada em ritos pagãos, onde santifica a pedra que lhe serviu de travesseiro, ungindo-a com óleo e deu aquele lugar o nome de Betel (bêt El, ou seja, Casa de Deus).


Jacó santifica a pedra e o lugar onde dormiu, atribuindo a eles uma espécie de poder mágico que fora responsável por tal experiência. É como afirmar: “Deus se manifestou a mim porque eu estive nesse lugar mágico, ao qual devo chamar de Casa de Deus. Aqui existe um portal entre o mundo de Deus e o dos homens simbolizado pela escada, portanto, estou em um lugar terrível.”

Jacó pensava com a mente pagã, dedicando poder ao lugar, a pedra, ao rito, a cerimônia, enfim, materializou a experiência sagrada que ele teve de forma a perder o verdadeiro sentido daquilo que estava acontecendo. Prende-se ao símbolo sem ter a capacidade de interpretá-lo.

Deus, no ínicio de sua fala, afirma a Jacó que aquela terra, que ele chama de Betel, na verdade pertence a ele e a sua descendência. A terra que ele sacralizou na verdade seria casa dos homens, casa de Israel. Com o tempo, na evolução da teologia judaica, se compreenderá que Deus não habita em montes, tendas, e não pode ser representados por pedras. Toda espiritualidade que segue essa busca fanática por materializar o divino acaba por distorcer o verdadeiro sentido da revelação. E quando se perde o sentido, perde-se também a capacidade de transformação.

O que para Jacó era Casa de Deus, para Deus era casa dos homens. Sendo assim, todo e qualquer lugar que arrogue para si à missão de ser Betel, precisa antes ser casa de homens, casa da vida, da humanidade em aliança com Deus.

Jacó não apenas materializou a experiência que teve, mas também orgulhou-se dela. Quando o mesmo diz que estava em lugar sagrado e não sabia, ele está afirmando que o fato de ainda estar vivo depois de dormir em lugar sagrado dá a ele uma espécie de “unção especial” diante de Deus, ou como dizemos, o cara tava “cheio de moral”!

Para alguém que estava sem casa, sem mundo, tendo agora que construir sua história a partir dele mesmo; compreende-se que Deus vem mostrar-se a Jacó e reanimá-lo para que ele possa prosseguir o restante de sua caminhada com esperança. A esperança é o combustível de toda produção humana, é o que Rubem Alves afirma quando diz que presente deve estar “engravidado” pelo futuro. Deus veio até Jacó para fertilizar o presente com a esperança que move para o futuro.

Mas ele toma as promessas, as sementes do futuro dadas por Deus, e as transforma em moeda de barganha. Jacó simplesmente tenta negociar com Deus naquilo que Deus já havia prometido a ele. Vejamos:

“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra, que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo.” (Gn 28:20-22)

Jacó faz uma negociata com Deus, tratando-o na linguagem que ele conhecia, o “toma lá da cá”. Ele quer trocar bênção por devoção, milagre por adoração, livramento por oração, zelo por religião. Jacó servirá a Deus se Ele cuidar de cada detalhe de sua vida, da roupa ao pão, passando pela mulher, filhos, bens. E Jacó servirá a Deus da forma mais religiosa caricaturada em nossos dias: construindo uma casa (igreja) e “pagando” o dizimo, para que esse “acordo de cavalheiros” perdure por longo tempo.

Vejamos que o Jacó de Betel não entende o que Deus está lhe prometendo, Deus prometeu cuidar dele se nada em troca. Deus faz aliança com um homem que não lhe considera seu Deus. Iahweh simplesmente age com graça para Jacó, mas a espiritualidade pagã de Jacó não consegue decodificar a mensagem da Graça, pois todas as relações espirituais pagãs são de escambo, troca e mercantilismo com o divino.

Ele não entende por benção o fato de Deus fazer aliança com ele para cuidar e não desampará-lo até que se cumpra a todas as promessas feitas desde Abraão. Para o Jacó de Betel, benção é algo especifico: possuir bens, ter o que comer e vestir, ser imune a todo mal que possa se abater sobre sua vida e voltar para casa de seu pai vitorioso, até mesmo como forma de humilhar o irmão enganado.

O Jacó de Betel é esse homem: idolatra, pois levantou uma pedra como “coluna mágica”, atribuindo ao lugar em que estava a causa de sua experiência; pagão, já que não consegue entender a aliança e a promessa de Deus como fruto exclusivo do Seu favor sobre sua vida e arrogante, devido a considerar ser capaz de negociar com Deus por achar que para Deus sua adoração e seu dizimo eram muito importantes para Ele.

Mas entre Betel e Fanuel há um longo caminho a percorrer...

(continua)

Um comentário:

Ivo Fernandes disse...

Querido Jorge

Lindo seu blog e excelente seu texto.

Abraços