segunda-feira, 29 de outubro de 2007

26 anos


Hoje completo 26 anos de idade, e com mais uma folha do calendário da vida voando por minha cabeça, é inevitável em meu coração mortal a inundação de sentimentos como dúvida, ansiedade e até mesmo certa frustração. Na minha idade já existe milionários andando por aí; os que estudaram já estão formados, trabalhando e tendo uma vida de certa forma estável.

Chego a essa idade me perguntando o que construí? Nesse mundo onde ser precoce é uma exigência, eu já sofro precocemente as crises existenciais que atacavam a meia-idade (hoje crise existencial não tem idade). É duro ver as conseqüências da imaturidade; mais duro ainda é se perceber imaturo em tantos outros pontos. Antes acreditava que a idade me credenciava para ser um homem adulto, hoje entrar na vida adulta é uma aventura a qual não tenho sido tão bem-sucedido.

Dentro desse ambiente tão ambíguo, onde às vezes nem você mesmo se entende, assisti um filme que falou comigo (penso que Deus tem escolhido o cinema em muitos momentos para falar verdades que ardem no nosso coração). A película chamada “À Procura da Felicidade” é um daqueles filmes que é indispensável para os peregrinos da vida que precisam “saber viver”.

Tentarei ser breve. O filme é baseado na auto-biografia de Chris Gardner, um homem que subiu do limite da pobreza para ser um dos multimilionários americanos mais famosos. Gardner é uma lenda em Wall Street, mas antes viveu uma vida dura capaz de enlouquecer qualquer americano doutrinado a buscar incansavelmente a riqueza.

Gardner era casado e pai de um garoto de 5 anos. Ele viveu uma crise financeira terrível, pois não tinha emprego fixo e com isso estava endividado de todas as maneiras possíveis. Sua esposa, não suportando o “baque” da crise resolve separar-se do marido, deixando-o sozinho com a responsabilidade de cuidar do filho.

Gardner estava com uma terrível missão a sua frente: conciliar o cuidado com o filho, o trabalho e um estágio que estava fazendo para uma corretora financeira. Tal estágio durava seis meses e não era remunerado; e dos vinte estagiários, somente um era contratado no fim.

A crise se abate de forma terrível sobre Gardner. Ele perde a casa, o carro, chega a dormir com o filho no banheiro do metrô e em abrigos cedidos pela igreja aos sem-tetos, sofre humilhações das mais diversas, mas é impressionante a sua perseverança em todas as adversidades. Confesso que por bem menos talvez eu tivesse desistido de tudo, ou mesmo negociado meus valores. Mas ele se manteve integro e esperançoso em todo momento, acreditando que estava no caminho certo da felicidade.

Gardner vence o estagio quando já não tinha mais nenhuma fonte de renda para sobreviver, torna-se um grande corretor, fundando sua própria empresa que figura hoje entre as maiores dos Estados Unidos, ou seja, um cara que alcançou “o sonho americano”.

Achava que o filme era apenas uma propaganda norte-americana do conceito burguês de felicidade, e até certo ponto a mensagem é essa. Mas tem algo além da determinação de Gardner que extrapola o dinheiro. Havia uma razão, um propósito que estava além do desejo de ser rico. O próprio Gardner, nos comentários do DVD, afirma que esse propósito era o compromisso com o filho. O filho era o seu alvo na vida, tudo que ele sofreu foi por querer algo melhor para seu filho.

Sendo assim, o filme fala que os propósitos precisam ser firmes e valer a pena. O filme também fala de saber ser apoiado e valorizar os que nos apóiam. Durante as filmagens, Gardner exigiu que fossem colocadas cenas com o próprio Pr. Cecil Willians, que era o responsável pelo abrigo de sem-tetos que ele seu filho se abrigaram durante o período de estágio. Gardner cita que sem Willians, não haveria o famoso Chris Gardner, ele era indispensável para sua história.

Sem mais delongas, peço a Deus nesses 26 anos de vida para que me conceda um pouco da perseverança de Gardner, me ajude a discernir os motivos certos para o qual devo lutar e coloque no meu caminho pessoas que seja indispensáveis para minha história, aqueles me tornarão melhor em todos os sentidos.

É com esse desejo que apago as velinhas.

sábado, 27 de outubro de 2007

O centro e as raízes


Pela figura você pode estar achando que eu vou falar sobre a biologia das plantas, mas não é esse o meu intuito. Continuo refletindo sobre fé, cristianismo e vida com Deus. Apenas quero me aventurar um pouco, como o próprio Jesus fez, a utilizar as metáforas da natureza para entender um pouco do Caminho.

Em uma de minhas conversas com Deus (talvez um monólogo, pois falo feito um tagarela, e ele com graça me escuta) estava a refletir sobre a transformação do ser segundo a Palavra do Evangelho. Porque nossa vida não é transformada na prática de acordo com o que lemos e ouvimos? Você pode estar achando uma questão meio (ou totalmente) tola de minha parte. Talvez um exímio teólogo ao ler indagação tão infantil poderá me expor às razões da luta da carne com o Espírito, da nossa futura redenção plena nos céus, da nossa imperfeição herdada em Adão, e etc............... (aff! Cansa).

Na prática não há explicação teológica que pacifique o nosso ser diante da confrontação “Eu e a Palavra”. Confrontação dura e até mesmo desesperadora. Fazemos tanto, mas em nosso ser não construímos nada; cultuamos tanto, mas não sentimos a verdadeira adoração fluindo em nossa vida; oramos tanto, mas pouco sentimos a presença e o consentimento de Deus; ouvimos tanto a Palavra sendo pregada, mas dificilmente ela é encarnada.

Não sei pra você que me lê neste momento, mas constatar que isso é comum na minha vida espiritual é um fato no mínimo desesperador. E não somente desesperador no sentido de ir para o inferno (tenho aprendido que eu e muitos irmãos somos por demais movidos pelo sentimento de fuga do inferno), mas por causa da pergunta que não quer calar em nós: qual o sentido de tudo que eu tenho vivido até aqui?

Então não sei por que, mas veio a minha mente a imagem de uma árvore com suas raízes, e comecei a pensar: Toda arvore começa por uma semente, essa semente é um núcleo, o centro da árvore; e desta semente surgem raízes. Toda árvore tem seu ínicio pela semente, mas nem toda árvore possui a mesma profundidade de raiz. Algumas árvores possuem raízes mais profundas no solo, outras nem tanto, mas elas possuem semente e raiz a ponto que possa realmente estar firmes ao solo.

Aí você me pergunta: o que você quer realmente dizer com essa história de raiz e semente? Ora, o cristianismo perdeu no jogo da vida principalmente porque “uniformizou” o ser humano, generalizou a espiritualidade e a vida cristã, reduzindo-a a um conjunto de regras que definem o que é ser santo. Mas a vida não é tão certinha quanto queremos que ela seja, e a própria natureza testifica isso.

Assim como as raízes das árvores não são semelhantes em profundidade e “qualidade”, assim também o enraizamento da Palavra de Deus em nossa vida não é semelhante. A vida cristã tem um centro, um núcleo, e pra mim Jesus resume bem esse núcleo quando ele afirma que o chamado do discípulo é para que ele ame a Deus, ao próximo e a si mesmo. Isto é a semente do Evangelho.

Porém essa semente produz raízes, e a profundidade (ou seja, a capacidade de encarnar a mensagem do Evangelho) está condicionada a diversos fatores: sociais, econômicos, psicológicos, estruturais, biológicos... Nossa! São tantos os condicionantes, isso sem incluir a própria ação do Espírito Santo em nós, que faz com que a vivencia da Palavra seja diferente em cada um de nós.

Tenho aceitado como verdade que o Espírito que está em mim e em meu próximo deveria tornar-nos semelhantes a Jesus. Mas às vezes falar nesses termos significa dizer que devemos ter o mesmo “nível espiritual”, os mesmos “costumes”, a mesma forma de pensar, o mesmo “nível de santidade”. Contudo, tal visão não respeita a minha condição como individuo e os aspectos condicionantes da minha vida que são particulares e influem no meu “enraizamento” no Evangelho.

Não sei se me faço entender, mas apenas quero afirmar que minhas raízes espirituais não são (e não são obrigadas a ser) tão profundas quanto à do “fulano de tal” que é “super-espiritual”. Cada raiz é única, porém só será saudável à medida que se originar da verdadeira essência da semente.

Discernir isso é Graça de Deus e renovação da vida para o Caminho! Abra os meus olhos, Senhor!

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

IGREJA: AINDA VALE A PENA?


Essa pergunta tem constantemente ecoado em minha cabeça, e isso a pelo menos um ano. Ontem estava ouvindo uma mensagem na Igreja pelo meu querido amigo Lucas (e o Lucas na minha vida, além de amigo, foi meu primeiro mentor espiritual) onde ele expôs toda sua frustração, dúvida e desespero existencial que provém da desilusão que muitos tem tido com a instituição chamada “Igreja”, e mais uma vez essa pergunta ressoou em meu coração.

Não sei se digo feliz ou infelizmente, mas a frustração do meu amigo não é só privilégio seu, pois tenho encontrado muitos outros, se não na mesma intensidade, mas com as mesmas dúvidas.

Ver pessoas como o Lucas falando e se expondo daquela forma me causou uma impressão “assombrosa” (se é que posso usar esse termo). Ele representa pra mim o ínicio de uma caminhada na igreja onde eu acreditava nesse projeto, onde pessoas como ele me faziam “baixar a guarda” e resolver então apostar na grande loucura de ser uma evangélico.

Porém assistir pessoas como ele repensando e reavaliando a possibilidade de ser evangélico é pra mim uma espécie de confirmação do que minhas opiniões e leituras me conduziram ao longo desses anos. A grande pergunta que ficou clara durante toda a mensagem do meu amigo era se a igreja ainda era um projeto válido para os nossos dias (e talvez para todas as épocas).

Tenho me feito esse mesmo questionamento. Fico matutanto se vale apena investir nesse processo. Mês passado escrevi sobre meus sete anos de conversão, e vivo fazendo essa regressão sempre que me dou as voltas com essa pergunta. Nesses sete anos conheci muita gente boa, mas também conheci muita gente que não entendia nada do evangelho, e ao conviver com elas, enxergava em mim as deficiências que buscavam se esconder por trás da aparência de “crente”.

Ouvia muito falar que a igreja era como um “Hospital” ou mesmo a “Arca de Noé”. Hospital no sentido de ser um lugar para todos os doentes (aqui só se inclui doenças espirituais, como se fosse possível separar e discernir tão facilmente as enfermidades que acometem o homem), e arca por ser um lugar que salva tanto os animais puros quanto os impuros. Porém, tenho visto que o tal hospital tem sido um ambiente mais adoecido do que mesmo um local de cura, e a tal arca está perdida e prestes a naufragar no dilúvio que não cessa.

Ouço tantos clamores, tantos “bastas”, tantas convocações a uma “nova reforma”, mas nada acontece. Muito discurso e pouca ação é que povoa muito de nossos ambientes “cristãos”. Existe hoje muita disposição da nossa parte para ouvir e fazer críticas, algumas delas na esperança de mobilizar alguma reação de mudança, já outras pelo puro de prazer de criticar; mas são poucos que estão realmente dispostos a tomar alguma atitude, mesmo que essa atitude seja apenas de foro íntimo.

Então me pergunto: “Vale a pena investir nesse projeto?” Essa pergunta tem sido pra mim terrível, pois ela exige de mim atitude, e quanto mais me exige, mais me percebo avesso a certas mudanças, principalmente as radicais. Às vezes me pego desacreditado desse sistema, entediado com nossas programações e prática religiosas que não representam a essência da mensagem de Jesus.

O que é o Cristianismo? Segundo o dicionário, Cristianismo é o conjunto de religiões que se baseiam nos ensinos, na pessoa e na vida de Jesus. Mas será que é isso mesmo? Sejamos honestos: o Cristianismo tem afastado-se dos ensinos e da vida do Cristo e tem sido cada vez mais o conjunto de religiões que se baseiam em seus próprios dogmas e interpretações (geralmente contraditórias e controversas) aos ensinos de Jesus.

Existe salvação para isso? Existe restauração? Vale a pena ainda investir?

Antes que alguém leia esse texto e me acuse de ser contra o costume de congregar os cristãos, afirmo veementemente que não é essa a minha intenção. Reunir-se é algo extremamente necessária, viver como ajuntamento (ecclesia) é primordial. Porém, o modelo, o discurso, a “teologia” e a práxis que tem vigorado até hoje tem estado de acordo com a verdadeira essência do que é ser uma comunidade cristã? O empreendimento que chamamos de “Igreja” é o melhor “modelo” de viver como cristão?

Como essas questões me atormentam! Quanto mais vivo, mais me certifico da doença terminal que tem acometido esse sistema chamado “cristianismo”. O que sei é que há uma base para se recomeçar: a própria mensagem de Jesus, que está ao nosso dispor, e que é reinterpretada continuamente pelo Espírito. Mas a mensagem de Jesus pode ser realmente “ela mesma” dentro dos ambientes cristãos que conhecemos hoje? Precisamos sair e construir novos ambientes ou ainda vale pena investir nesse projeto?

Às vezes sinto que a resposta quer ecoar (ou mesmo já tem ecoado) em mim mesmo dentro de todas as minhas dúvidas e interesses (e quem não tem interesses?). O que preciso é de discernimento e coragem para assumir os riscos de uma opção radical, pois como disse meu amigo Lucas, “uma hora esse ‘negócio’ vai estourar!”


Senhor, tem misericórdia de nós!

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Entre Betel e Fanuel - II

Entre Betel e Fanuel (ou Peniel), passaram-se vinte anos da vida de Jacó, e ao lermos bem a história de Jacó, ele não desfrutou da barganha que tentou fazer com Deus, mas a vida se impôs a ele de forma que não imaginava.

O Jacó que enganou seu irmão experimentou na própria pele o que é ser enganado, pois seu tio Labão o fez trabalhar sete anos por sua filha Raquel, e no dia do casamento, Jacó é enganado e passa a lua de mel com Lia, sendo obrigado assim a assumi-lá como esposa. Depois trabalha mais sete anos em troca de Raquel, e mais seis anos em troca de salário.

Enfrentou problemas com a família, com as suas mulheres, com os cunhados e com o sogro. Para enganar o sogro Jacó descobre uma forma de fazer com que os animais parissem crias listradas, salpicadas e negras; que pelo último acordo, seriam dadas a Jacó. Propositadamente, ele faz com que as crias brancas sejam as mais fracas, e assim, enriquece acima do sogro.

Para Jacó, o fato de ter manipulado o momento do acasalamento dos animais de Labão não era engano, mas retribuição de Deus às maldades do sogro, como afirma no capitulo 31. Interessante que o anjo afirma ser o “Deus que te apareceu em Betel, onde ungiste uma estela (coluna) e me fizeste um voto” (vs. 11-13). Ou seja, a malandragem de Jacó era justificada pelo deus da barganha que ele criou em Betel. Não estou dizendo que o Deus verdadeiro não esteve na visão em Betel, apenas desejo que possamos perceber que entre a aparição de Deus e a interpretação que Jacó deu a esse evento e a sua própria “divindade”, existe um tremendo abismo.

Essa divindade justifica toda injustiça em prol dos “ungidos de Deus”, retribui o mal na mesma moeda, e age em favor daqueles que são capazes de fazer votos e criar seus altares de pedra. Esse era o deus de Jacó em Betel e o mesmo que ainda trafega em muitos ambientes “cristãos”. Jacó enriqueceu como desejava, mas não a custa de sofrimento, desentendimentos, crises na família, e diversos outros problemas, tanto que acaba fugindo pela segunda vez em sua vida.

Agora Jacó foge da fúria do enganado Labão, o pior que ele foge de um enganado para encontrar-se com a outra vitima de seus enganos. O sogro encontra Jacó nos montes de Gileade e é orientado por Deus a não fazer promessas nem ameaças. O sogro está à procura de um ídolo que Raquel lhe roubou, porém ele acredita ter sido Jacó o ladrão, mas Raquel o esconde de forma que Labão não o encontra.

Cada ídolo de um clã ou família servia não só para adoração, mas também para a proteção daquele grupo. Raquel roubou os ídolos para que os deuses lhe protegessem naquela viagem e naquele tenso encontro com o irmão traído de Jacó. O roubo de Raquel apenas materializou o ídolo que o marido havia criado em sua cabeça.

Já que Labão estava desprotegido de seus deuses, não lhe restou outra coisa senão fazer um novo acordo com Jacó, demarcando fronteiras para que nenhum possa prejudicar ao outro. Esse acordo era uma espécie de reconciliação entre Jacó e Labão, onde ambos entenderam que era o momento de haver separação e cada um seguir seu rumo, pois a convivência entre os dois seria terrível e recheada de enganos. Mas tal em encontro apenas mostra algo que Deus desejava fazer em Jacó: ensinar-lhe a sair de uma etapa da vida reconciliado com o passado que deixou para trás, coisa que ele não havia feito com Esaú, mas que já estava prestes a fazer.

Jacó sai dali com os exércitos de Deus, pois havia vencido esta etapa da vida sabendo o valor de uma reconciliação. Agora lhe restava ir ao encontro com seu temível irmão Esaú.

A angústia e o medo apoderaram-se de Jacó, e como ele sabia que seu irmão não era um cara tão tranqüilo, ele toma precauções para proteger sua família e fica só na noite que antecede ao seu encontro. Esse é um momento único de Jacó, onde ele se separa para orar ao seu deus em busca de proteção.

Jacó se mostra frágil, sua fé na promessa fraqueja diante do terrível obstáculo que virá a sua frente e ele sente-se só em todos os sentidos. É nesse estado interior que Jacó luta com um anjo até o dia amanhecer e não há outro estado para apresentar-se diante de Deus que não seja a humilhação.

O texto diz que Jacó lutou e venceu, mas ele saiu ferido na coxa de forma a ficar manco. Jacó venceu porque ele conheceu a luta desde seu nascimento, ele lutou no ventre da mãe, lutou para ser primogênito, lutou pela mulher que amava, lutou pelo bens que possuía (mesmo que seus métodos sejam reprováveis) e enfrentou em todos os momentos as perdas e ganho que as batalhas da vida acarretam.

Jacó não foi vitorioso da forma que imaginava, mas venceu porque em todos os momentos da sua vida não se acovardou diante das circunstâncias. Jacó venceu porque percebeu que estava lutando com Deus e então O agarrou desesperadamente para ser abençoado. Mas Deus não o abençoou como ele queria, mas o salvou de seu passado ao mudar seu nome.

Imagino Deus dizendo: “Você era Jacó, aquele que enganava, usurpava, mentia. Mas você aprendeu que nem tudo na vida se faz com enganos, atalhos e barganhas. A vida exige luta, coragem e dedicação, e você aprendeu isso. Descobriu que o mundo não era aquela redoma de vidro que sua mãe criara, Sentiu o gosto de ser enganado e usurpado dos seus direitos. Mas você não se acovardou, enfrentou a tudo e a todos da forma que sabia e com as armas que possuía, e sendo assim venceu. Por isso você se chamará Israel, porque em tudo perseverou”.

A benção que Deus deu a Jacó foi o caminho do amadurecimento, o caminho que ele fez de Betel até Fanuel. A benção já estava na graça de Deus que, mesmo com todas as imperfeições e inadequações de Jacó; não se apartou dele em momento algum. Israel era alguém que entendeu que na vida existem lutas, e com ela, perdas e ganhos que a dão forma. Ele agora não precisa fazer votos de bênçãos e prosperidade material, pois ele entendeu em Fanuel que Deus lhe deu a vida graciosamente e a guardou mesmo após lutar com Ele (também com todos os homens antes, e também com todos os que virão após).

Nasce o sol, um novo dia, e com ele um novo homem chamado Israel. Esse novo homem é deficiente, manca de uma perna, sendo frágil também no coração, pois entende que tudo o que tem é simplesmente a vida que lhe foi salva.

Essa é a essência do encontro com Deus, não o orgulho e a barganha de Betel, mas a fragilidade e humildade, a humanização de Fanuel. É em Fanuel que Deus deixa de ser um idolo e assume sua verdadeira identidade em nosso coração. Houve uma verdadeira reconciliacao entre o Deus que apareceu a Jacó e aquele que ele criou e chamou de "Betel".
Ambos os momentos são paradigmáticos na vida de todo peregrino espiritual, então o que nos cabe é discernirmos tal caminhada e seguirmos até Fanuel, lugar onde se celebra ávida, mesmo que seja mancando!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Entre Betel e Fanuel


A peregrinação espiritual de Jacó teve um ínicio bastante conturbado, aliás, o que não faltou na vida de Jacó foram períodos de crise.

Em sua vida já começa fugindo da fúria do irmão que enganou; desligado da mãe super-protetora que possuía e caminhando para uma terra que não conhecia em busca de parentes distantes dos quais não possuía intimidade. Em certo ponto, a vida de Jacó estava completamente desmoronada, e ele precisava construir agora sua própria história, inclusive sem a interferência de Rebeca.

No caminho Jacó resolve pernoitar e ali tem um sonho: contemplava uma escada que se erguia sobre a terra e seu topo atingia o céu, e os anjos de Deus subiam e desciam sobre ela. Então Iahweh se coloca em pé diante de Jacó e refaz com ele toda a aliança que já havia feito com Abraão e Isaac.

Vejamos as Palavras de Deus a Jacó:

“Perto dele estava o SENHOR (Iahweh) e lhe disse: Eu sou o SENHOR (Iahweh), Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu te darei, a ti e à tua descendência. A tua descendência será como o pó da terra; estender-te-ás para o Ocidente e para o Oriente, para o Norte e para o Sul. Em ti e na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra. Eis que eu estou contigo, e te guardarei por onde quer que fores, e te farei voltar a esta terra, porque te não desampararei, até cumprir eu aquilo que te hei referido.” (Gn 28:13-15)

Quis destacar alguns aspectos da promessa de Deus a Jacó principalmente para que possamos compará-las com a reação de Jacó àquele momento espiritual único.

Jacó então acorda e diz: “Na verdade, o SENHOR está neste lugar, e eu não o sabia... Quão temível é este lugar! É a Casa de Deus, a porta dos céus.” (Gn 28:16-17) Então ele faz toda uma cerimônia baseada em ritos pagãos, onde santifica a pedra que lhe serviu de travesseiro, ungindo-a com óleo e deu aquele lugar o nome de Betel (bêt El, ou seja, Casa de Deus).


Jacó santifica a pedra e o lugar onde dormiu, atribuindo a eles uma espécie de poder mágico que fora responsável por tal experiência. É como afirmar: “Deus se manifestou a mim porque eu estive nesse lugar mágico, ao qual devo chamar de Casa de Deus. Aqui existe um portal entre o mundo de Deus e o dos homens simbolizado pela escada, portanto, estou em um lugar terrível.”

Jacó pensava com a mente pagã, dedicando poder ao lugar, a pedra, ao rito, a cerimônia, enfim, materializou a experiência sagrada que ele teve de forma a perder o verdadeiro sentido daquilo que estava acontecendo. Prende-se ao símbolo sem ter a capacidade de interpretá-lo.

Deus, no ínicio de sua fala, afirma a Jacó que aquela terra, que ele chama de Betel, na verdade pertence a ele e a sua descendência. A terra que ele sacralizou na verdade seria casa dos homens, casa de Israel. Com o tempo, na evolução da teologia judaica, se compreenderá que Deus não habita em montes, tendas, e não pode ser representados por pedras. Toda espiritualidade que segue essa busca fanática por materializar o divino acaba por distorcer o verdadeiro sentido da revelação. E quando se perde o sentido, perde-se também a capacidade de transformação.

O que para Jacó era Casa de Deus, para Deus era casa dos homens. Sendo assim, todo e qualquer lugar que arrogue para si à missão de ser Betel, precisa antes ser casa de homens, casa da vida, da humanidade em aliança com Deus.

Jacó não apenas materializou a experiência que teve, mas também orgulhou-se dela. Quando o mesmo diz que estava em lugar sagrado e não sabia, ele está afirmando que o fato de ainda estar vivo depois de dormir em lugar sagrado dá a ele uma espécie de “unção especial” diante de Deus, ou como dizemos, o cara tava “cheio de moral”!

Para alguém que estava sem casa, sem mundo, tendo agora que construir sua história a partir dele mesmo; compreende-se que Deus vem mostrar-se a Jacó e reanimá-lo para que ele possa prosseguir o restante de sua caminhada com esperança. A esperança é o combustível de toda produção humana, é o que Rubem Alves afirma quando diz que presente deve estar “engravidado” pelo futuro. Deus veio até Jacó para fertilizar o presente com a esperança que move para o futuro.

Mas ele toma as promessas, as sementes do futuro dadas por Deus, e as transforma em moeda de barganha. Jacó simplesmente tenta negociar com Deus naquilo que Deus já havia prometido a ele. Vejamos:

“Fez também Jacó um voto, dizendo: Se Deus for comigo, e me guardar nesta jornada que empreendo, e me der pão para comer e roupa que me vista, de maneira que eu volte em paz para a casa de meu pai, então, o SENHOR será o meu Deus; e a pedra, que erigi por coluna, será a Casa de Deus; e, de tudo quanto me concederes, certamente eu te darei o dízimo.” (Gn 28:20-22)

Jacó faz uma negociata com Deus, tratando-o na linguagem que ele conhecia, o “toma lá da cá”. Ele quer trocar bênção por devoção, milagre por adoração, livramento por oração, zelo por religião. Jacó servirá a Deus se Ele cuidar de cada detalhe de sua vida, da roupa ao pão, passando pela mulher, filhos, bens. E Jacó servirá a Deus da forma mais religiosa caricaturada em nossos dias: construindo uma casa (igreja) e “pagando” o dizimo, para que esse “acordo de cavalheiros” perdure por longo tempo.

Vejamos que o Jacó de Betel não entende o que Deus está lhe prometendo, Deus prometeu cuidar dele se nada em troca. Deus faz aliança com um homem que não lhe considera seu Deus. Iahweh simplesmente age com graça para Jacó, mas a espiritualidade pagã de Jacó não consegue decodificar a mensagem da Graça, pois todas as relações espirituais pagãs são de escambo, troca e mercantilismo com o divino.

Ele não entende por benção o fato de Deus fazer aliança com ele para cuidar e não desampará-lo até que se cumpra a todas as promessas feitas desde Abraão. Para o Jacó de Betel, benção é algo especifico: possuir bens, ter o que comer e vestir, ser imune a todo mal que possa se abater sobre sua vida e voltar para casa de seu pai vitorioso, até mesmo como forma de humilhar o irmão enganado.

O Jacó de Betel é esse homem: idolatra, pois levantou uma pedra como “coluna mágica”, atribuindo ao lugar em que estava a causa de sua experiência; pagão, já que não consegue entender a aliança e a promessa de Deus como fruto exclusivo do Seu favor sobre sua vida e arrogante, devido a considerar ser capaz de negociar com Deus por achar que para Deus sua adoração e seu dizimo eram muito importantes para Ele.

Mas entre Betel e Fanuel há um longo caminho a percorrer...

(continua)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Demora...

Bem, aos que visitam meu blog peço desculpas por muitas vezes demorar para atualiza-lo. Esotu preparando um texto meu e se tudo der certo até o final da semana quero publicá-lo, enquanto isso deixo uma mensagem para vocês:


"Aos 17 anos me apaixonei por Deus perdidamente, resolvi vir para um convento e me casei com ele, juntei assim meu amor com uma obrigação. Mas com o tempo Ele me decepcionou, e meu amor acabou, hoje em dia só me restou a obrigação".

Estou parafrasendo a frase de uma freira no filme "O Despertar de uma Paixão", será que isso é apenas na ficção?

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Casamento Indissolúvel

Esse é um trecho de uma carta que está no site http://www.caiofabio.com/ onde o Pr. Caio responde a esposa de um pastor que deseja se separar devido a sérios problemas no casamento, o título da carta é: "Meu Marido me lança maldição..."


Qual sua opinião sobre o que está escrito? Deixe um comentário.


Abraços!







"Em Cristo um homem e uma mulher só devem estar juntos se entre eles houver amor, e, com o amor, todos os seus derivados, como alegria, bondade, mansidão, domínio próprio e fidelidade. Do contrário, não há casamento, mesmo que haja “documento”.



Os “cristãos de Constantino” é que criaram as atuais idéias acerca de casamento; e todas as mudanças e restrições visavam dar ao “clero” o poder de decidir sobre o tema; o que tinha valor político, pois, reis e rainhas ficavam dependentes da “igreja” e seus “bispos, cardeais e papas”. Ora, os “evangélicos” entregaram-se ao mesmo surto, por total ignorância histórica, bíblia e humana dos crentes, e, do lado da liderança, pelas mesmas razões que o “clero católico” assumiu para si tais direitos sobre os homens: desejo de poder, de controle e manipulação".

domingo, 7 de outubro de 2007

A lucidez do Evangelho não tem idade


John Stott hoje tem por volta de 85 anos e vive numa casa de repouso no sul da Inglaterra. Aclamado como um dos maiores teólogos protestantes do século XX, o velho servo de Deus ainda se descata pela lucidez, simplicidade e brilhantismo com que anuncia as verdades do Evangelho. Esta é uma das últimas mensagens públicas de John Stott e foi extraída do site http://www.caiofabio.com/. Acompanhe:



Dr. John Stott — “O Paradigma: Tornando-nos Mais Semelhantes a Cristo”. Sermão pregado na Convenção de Keswick em 17 de julho de 2007


Lembro-me muito claramente de que há vários anos, sendo um cristão ainda jovem, a questão que me causava perplexidade (e a alguns amigos meus também) era esta: Qual é o propósito de Deus para o seu povo? Uma vez que tenhamos nos convertido, uma vez que tenhamos sido salvos e recebido vida nova em Jesus Cristo, o que vem depois? É claro que conhecíamos a famosa declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre”. Sabíamos disso e críamos nisso. Também refletíamos sobre algumas declarações mais breves, como uma de apenas sete palavras: “Ama a Deus e ao teu próximo”. Mas de algum modo, nenhuma delas, nem outra que pudéssemos citar, parecia plenamente satisfatória. Portanto, quero compartilhar com vocês o entendimento que pacificou minha mente à medida que me aproximo do final de minha peregrinação neste mundo. Esse entendimento é: Deus quer que seu povo se torne semelhante a Cristo. A vontade de Deus para o seu povo é que sejamos conformes à imagem de Cristo.


Sendo isso verdade, quero propor o seguinte: em primeiro lugar, demonstrarmos a base bíblica do chamado para sermos conformes à imagem de Cristo; em segundo, extrairmos do Novo Testamento alguns exemplos; em terceiro, tirarmos algumas conclusões práticas a respeito. Tudo isso relacionado a nos assemelharmos a Cristo.


Então, vejamos primeiro a base bíblica do chamado para sermos semelhantes a Cristo. Essa base não se limita a uma passagem só. Seu conteúdo é substancial demais para ser encapsulado em um único texto. De fato, essa base consiste de três textos, os quais, aliás, faríamos muito bem em incorporar conjuntamente à nossa vida e visão cristã: Romanos 8:29, 2 Coríntios 3:18 e 1 João 3:2. Vamos fazer uma breve análise deles.


Romanos 8:29 diz que Deus predestinou seu povo para ser conforme à imagem do Filho, ou seja, tornar-se semelhante a Jesus. Todos sabemos que Adão, ao cair, perdeu muito — mas não tudo — da imagem divina conforme a qual fora criado. Deus, todavia, a restaurou em Cristo. Conformar-se à imagem de Deus significa tornar-se semelhante a Jesus: O propósito eterno de predestinação divina para nós é tornar-nos conformes à imagem de Cristo.


O segundo texto é 2 Coríntios 3:18: “E todos nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem, como pelo Senhor, o Espírito”. Portanto é pelo próprio Espírito que habita em nós que somos transformados de glória em glória — que visão magnífica! Nesta segunda etapa do processo de conformação à imagem de Cristo, percebemos que a perspectiva muda do passado para o presente, da predestinação eterna de Deus para a transformação que ele opera em nós agora pelo Espírito Santo. O propósito eterno da predestinação divina de nos tornar como Cristo avança, tornando-se a obra histórica de Deus em nós para nos transformar, por intermédio do Espírito Santo, segundo a imagem de Jesus.


Isso nos leva ao terceiro texto: 1 João 3:2: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é”. Não sabemos em detalhes como seremos no último dia, mas o que de fato sabemos é que seremos semelhantes a Cristo. Não precisamos saber de mais nada além disso. Contentamo-nos em conhecer a verdade maravilhosa de que estaremos com Cristo e seremos semelhantes a ele, eternamente.


Aqui há três perspectivas: passado, presente e futuro. Todas apontam na mesma direção: há o propósito eterno de Deus, pelo qual fomos predestinados; há o propósito histórico de Deus, pelo qual estamos sendo transformados pelo Espírito Santo; e há o propósito final ou escatológico de Deus, pelo qual seremos semelhantes a ele, pois o veremos como ele é. Estes três propósitos — o eterno, o histórico e o escatológico — se unem e apontam para um mesmo objetivo: a conformação do homem à imagem de Cristo. Este, afirmo, é o propósito de Deus para o seu povo. E a base bíblica para nos tornarmos semelhantes a Cristo é o fato de que este é o propósito de Deus para o seu povo.


Prosseguindo, quero ilustrar essa verdade com alguns exemplos do Novo Testamento. Em primeiro lugar, creio ser importante que nós façamos uma afirmação abrangente como a do apóstolo João em 1 João 2:6: “Aquele que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou”. Em outras palavras, se nos dizemos cristãos, temos de ser semelhantes a Cristo. Este é o primeiro exemplo do Novo Testamento: temos de ser como o Cristo Encarnado.


Alguns de vocês podem ficar horrorizados com essa idéia e rechaçá-la de imediato. “Ora”, me dirão, “não é óbvio que a Encarnação foi um evento absolutamente único, não sendo possível reproduzi-lo de modo algum?” Minha resposta é sim e não. Sim, foi único no sentido de que o Filho de Deus revestiu-se da nossa humanidade em Jesus de Nazaré, uma só vez e para sempre, o que jamais se repetirá. Isso é verdade. Contudo, há outro sentido no qual a Encarnação não foi um evento único: a maravilhosa graça de Deus manifestada na Encarnação de Cristo deve ser imitada por todos nós. Nesse sentido, a Encarnação não foi única, exclusiva, mas universal. Somos todos chamados a seguir o supremo exemplo de humildade que ele nos deu ao descer dos céus para a terra. Por isso Paulo diz em Filipenses 2:5-8: “Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz”. Precisamos ser semelhantes a Cristo em sua Encarnação no que diz respeito à sua admirável humildade, uma humilhação auto-imposta que está por trás da Encarnação.


Em segundo lugar, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua prontidão em servir. Agora, passemos de sua Encarnação à sua vida de serviço; de seu nascimento à sua vida; do início ao fim. Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos, conforme vemos no evangelho de João, capítulo 13: “Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido”. Ao terminar, retomou seu lugar e disse-lhes: “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo” — note-se a palavra — “para que, como eu vos fiz, façais vós também”.

Há cristãos que interpretam literalmente esse mandamento de Jesus e fazem a cerimônia do lava-pés em dia de Ceia do Senhor ou na Quinta-feira Santa — e podem até estar certos em fazê-lo. Porém, vejo que a maioria de nós fez apenas uma transposição cultural do mandamento de Jesus: aquilo que Jesus fez, que em sua cultura era função de um escravo, nós reproduzimos em nossa cultura sem levarmos em conta que nada há de humilhante ou degradante em o fazermos uns pelos outros.


Em terceiro lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em seu amor. Isso me lembra especificamente Efésios 5:2: “Andai em amor, como também Cristo nos amou e se entregou a si mesmo por nós, como oferta e sacrifício a Deus, em aroma suave”. Observe que o texto se divide em duas partes. A primeira fala de andarmos em amor, um mandamento no sentido de que toda a nossa conduta seja caracterizada pelo amor, mas a segunda parte do versículo diz que ele se entregou a si mesmo por nós, descrevendo não uma ação contínua, mas um aoristo, um tempo verbal passado, fazendo uma clara alusão à cruz. Paulo está nos conclamando a sermos semelhantes a Cristo em sua morte, a amarmos com o mesmo amor que, no Calvário, altruistamente se doa.


Observe a idéia que aqui se desenvolve: Paulo está nos instando a sermos semelhantes a Cristo na Encarnação, ao Cristo que lava os pés dos irmãos e ao Cristo crucificado. Esses três acontecimentos na vida de Cristo nos mostram claramente o que significa, na prática, sermos conformes à imagem de Cristo.


Em quarto lugar, temos de ser semelhantes a Cristo em sua abnegação paciente. No exemplo a seguir, consideraremos não o ensino de Paulo, mas o de Pedro. Cada capítulo da primeira carta de Pedro diz algo sobre sofrermos como Cristo, pois a carta tem como pano de fundo histórico o início da perseguição. Especialmente no capítulo 2 de 1 Pedro, os escravos cristãos são instados a, se castigados injustamente, suportarem e não retribuírem o mal com o mal. E Pedro prossegue dizendo que para isto mesmo fomos chamados, pois Cristo também sofreu, deixando-nos o exemplo — outra vez a mesma palavra — para seguirmos os seus passos. Este chamado para sermos semelhantes a Cristo em meio ao sofrimento injusto pode perfeitamente se tornar cada vez mais significativo à medida que as perseguições se avolumam em muitas culturas do mundo atual.


No quinto e último exemplo que quero extrair do Novo Testamento, precisamos ser semelhantes a Cristo em sua missão. Tendo examinado os ensinos de Paulo e de Pedro, veremos agora os ensinos de Jesus registrados por João. Em João 17:18, Jesus, orando, diz: “Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo”, referindo-se a nós. E na Comissão, em João 20:21, Jesus diz: “Assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. Estas palavras carregam um significado imensamente importante. Não se trata apenas da versão joanina da Grande Comissão; é também uma instrução no sentido de que a missão dos discípulos no mundo deveria ser semelhante à do próprio Cristo. Em que aspecto? Nestes textos, as palavras-chave são “envio ao mundo”. Do mesmo modo como Cristo entrou em nosso mundo, nós também devemos entrar no “mundo” das outras pessoas. É como explicou, com muita propriedade, o Arcebispo Michael Ramsey há alguns anos: “Somente à medida que sairmos e nos colocarmos, com compaixão amorosa, do lado de dentro das dúvidas do duvidoso, das indagações do indagador e da solidão do que se perdeu no caminho é que poderemos afirmar e recomendar a fé que professamos”.


Quando falamos em “evangelização encarnacional” é exatamente disto que falamos: entrar no mundo do outro. Toda missão genuína é uma missão encarnacional. Temos de ser semelhantes a Cristo em sua missão. Estas são as cinco principais formas de sermos conformes à imagem de Cristo: em sua Encarnação, em seu serviço, em seu amor, em sua abnegação paciente e em sua missão.


Quero, de modo bem sucinto, falar de três conseqüências práticas da assemelhação a Cristo.


Primeira: A assemelhação a Cristo e o sofrimento. Por si só, o tema do sofrimento é bem complexo, e os cristãos tentam compreendê-lo de variados pontos de vista. Um deles se sobressai: aquele segundo o qual o sofrimento faz parte do processo da transformação que Deus faz em nós para nos assemelharmos a Cristo. Seja qual for a natureza do nosso sofrimento — uma decepção, uma frustração ou qualquer outra tragédia dolorosa —, precisamos tentar enxergá-lo à luz de Romanos 8:28-29. Romanos 8:28 diz que Deus está continuamente operando para o bem do seu povo, e Romanos 8:29 revela que o seu bom propósito é nos tornar semelhantes a Cristo.


Segunda: A assemelhação a Cristo e o desafio da evangelização. Provavelmente você já se perguntou: “Por que será que, até onde percebo, em muitas situações os nossos esforços evangelísticos freqüentemente terminam em fracasso?” As razões podem ser várias e não quero ser simplista, mas uma das razões principais é que nós não somos parecidos com o Cristo que anunciamos. John Poulton, que abordou o tema num livreto muito pertinente, intitulado A Today Sort of Evangelism, escreveu:


“A pregação mais eficaz provém daqueles que vivem conforme aquilo que dizem. Eles próprios são a mensagem. Os cristãos têm de ser semelhantes àquilo que falam. A comunicação acontece fundamentalmente a partir da pessoa, não de palavras ou idéias. É no mais íntimo das pessoas que a autenticidade se faz entender; o que agora se transmite com eficácia é, basicamente, a autenticidade pessoal”.


Isto é assemelhar-se à imagem de Cristo. Permitam-me dar outro exemplo. Havia um professor universitário hindu na Índia que, certa vez, identificando que um de seus alunos era cristão, disse-lhe: “Se vocês, cristãos, vivessem como Jesus Cristo viveu, a Índia estaria aos seus pés amanhã mesmo”. Eu penso que a Índia já estaria aos seus pés hoje mesmo se os cristãos vivessem como Jesus viveu. Oriundo do mundo islâmico, o Reverendo Iskandar Jadeed, árabe e ex-muçulmano, disse: “Se todos os cristãos fossem cristãos — isto é, semelhantes a Cristo —, hoje o islã não existiria mais”.


Isto me leva ao terceiro ponto: Assemelhação a Cristo e presença do Espírito Santo em nós. Nesta noite falei muito sobre assemelhação a Cristo, mas será que ela é alcançável? Por nossas próprias forças é evidente que não, mas Deus nos deu seu Santo Espírito para habitar em nós e nos transformar de dentro para fora. William Temple, que foi arcebispo na década de 40, costumava ilustrar este ponto falando sobre Shakespeare:


“Não adianta me darem uma peça como Hamlet ou O Rei Lear e me mandarem escrever algo semelhante. Shakespeare era capaz, eu não. Também não adianta me mostrarem uma vida como a de Jesus e me mandarem viver de igual modo. Jesus era capaz, eu não. Porém, se o gênio de Shakespeare pudesse entrar e viver em mim, então eu seria capaz de escrever peças como as dele. E se o Espírito Santo puder entrar e habitar em mim, então eu serei capaz de viver uma vida como a de Jesus”.


Para concluir, um breve resumo do que tentamos pensar juntos aqui hoje: O propósito de Deus é nos tornar semelhantes a Cristo. O modo como Deus nos torna conformes à imagem de Cristo é enchendo-nos do seu Espírito. Em outras palavras, a conclusão é de natureza trinitária, pois envolve o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

A Ação Redime

Qualquer ensinamento religioso ou ético fracassa quando dá maior ênfase às virtudes da espiritualidade, como a fé e a pureza da motivação. Se a fé fosse o único padrão, os esforços do homem estariam condenados ao fracasso. Na verdade, a consciência da fraqueza do coração e a precariedade da espiritualidade humana podem, talvez, ter sido as razões que compeliram o judaísmo a valorizar mais as ações do que a confiança na devoção espiritual.

(Abraham Joshua Heschel, Deus em Busca do Homem, pág. 243)

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

O Controle Remoto do nosso Universo


Click, um filme estrelado por Adam Sandler, se propõe ser uma comédia, mas para os sensíveis e reflexivos, ele pode fazer mais é chorar e repensar muitas de nossas posturas.

Sandler é Michael Newman, um arquiteto promissor, mas que para subir na vida profissional tinha que paparicar o chefe em todas as vontades ao ponto de colocar sua família sempre em segundo plano. Ele nunca tinha tempo para sair, assistir as provas de natação, construir a casa na árvore... Enfim, não havia tempo pra mais nada a não ser trabalhar, trabalhar e trabalhar.

Seu objetivo era ser promovido na empresa, para que assim tivesse mais tempo pra família. Porém, ele não consegue conciliar a pressão da família e do trabalho. Certa noite, cansado do trabalho e frustrado por não conseguir distinguir qual dos inúmeros controles remotos ligava a televisão, ele vai para uma loja a procura de um controle remoto universal.

Então um vendedor excêntrico, na verdade o anjo da morte, chamado Morty (Christopher Walken) dá de presente a ele um controle remoto capaz de controlar toda a sua vida. Para Michael era a grande solução para seus problemas. Com o controle, Michael podia “pausar” as pessoas, colocar qualquer um no modo “mute”, avançar cenas do seu cotidiano, tudo para que ele ganhe mais tempo e se esforce menos para sua promoção.

Ele então avança um ano de sua vida para conseguir chegar logo a tão desejada promoção. Porém, o controle remoto se auto-programa e assim passa a avançar a vida de Michael em todos os momentos que ele pulava. Não dá outra, ele passa por crise no casamento, divorcia-se, não desfruta do crescimento dos filhos, envelhece e não consegue parar a correria de sua vida provocada pelo controle remoto.

Somente nos minutos finais da sua vida Michael consegue mostrar para seus filhos e sua esposa que o mais importante é a família. Mas como todo o filme, tudo não passou de um sonho e ao acordar ele compreende que tinha conseguido uma nova chance de refazer os trilhos da sua vida.

Mas a vida real não é um filme e as conseqüências de nossas escolhas não passa como um sonho. Não é sempre que temos a chance de recomeçar do zero.

A grande mensagem do filme é para que saibamos priorizar aquilo que é importante, e nada mais importante do que a família. A “tirania da urgência” a qual vivemos hoje nos faz priorizar o trabalho, o sucesso, o dinheiro. Tais prioridades sempre nos levam a:

1. Criar ilusões quanto aos nossos verdadeiros objetivos. Michael vivia dizendo para si mesmo que era só ser promovido para que ele pudesse separar tempo para sua família. Mas uma promoção implica em sonhar com outra promoção, porque enfim precisamos sempre ganhar mais dinheiro para promover uma “boa vida” a nossa família. Subir na vida profissional sempre implica em mais trabalho, mais compromisso e menos tempo. Acreditamos estar lutando pelos objetivos certos, mas alimentamos sempre ilusões quanto aos objetivos de nossa luta. Viver, na ótica do filme, não é saber separar tempo pra tudo, pois isso é humanamente impossível, mas sim saber dar prioridade ao que é realmente importante.

2. Viver em “piloto automático”. Lutar para se dividir em vários pedaços, dar atenção a todos e a tudo, apenas nos faz viver a vida de forma superficial. Michael fez até mesmo do momento mais íntimo de seu casamento com sua mulher um momento que merecia ser “acelerado” para que ele pudesse ter tempo para trabalhar. Mas intimidade que não gasta tempo é descartável, e sendo assim, a vida se torna superficial. Aceleramos nossa vida quando simplesmente não damos atenção aos pequenos momentos; é como estar presente em corpo, mas não em alma e espírito. No filme isso era chamado de “piloto automático”, um estado de total insensibilidade quanto os verdadeiros momentos da vida.

3. Estarmos sempre insatisfeitos. Começamos então a perceber que o mundo cai a nossa volta, a insensibilidade vai minando as relações, quebrando os laços que dão sentido ao caminhar juntos. Sendo assim, a insatisfação agora não é profissional, mas familiar e relacional, e para tal crise, não existe promoção profissional. A vida agora passa sempre em automático e perdemos o controle dela na ilusão de que éramos os donos de nossas próprias decisões.

O filme é um chamado para que sejamos mais conscientes de nossas decisões. Cuidado, sua vida pode estar passando em “piloto automático”.