quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Videira (Jo 15:1-17)


Adoro as metáforas de Jesus, simples e diretas, mas ao mesmo tempo carregam tanta riqueza alegórica que fascina os olhos e embriaga o coração, assim como causa temor sobre nossa infeliz condição perante o Deus Vivo.


Jesus vem falando algo repetidamente nos capítulos 13 e 14 de João para que fique gravado na mente e no coração dos discípulos: “Amem uns aos outros, amem-se como eu vos amei, o amor do Pai e está em mim, o meu e vocês, portanto, amem-se como vos amei, pois amei vocês com o amor do Pai”. Tal verdade precisava ser tatuada, e era como um clamor do evangelho joaonino, surgido já na segunda geração de discípulos.


Localizar o texto em sua época é importante para compreendermos o apelo de Jesus e a verdade da parábola da videira. Era a década de 90 d.C. e a maioria dos apóstolos já haviam falecido. Jesus não retornara como era a expectativa dos cristãos da época e a perseguição romana aos cristãos e judeus já havia ganhado força em todo o Império. Em contrapartida, o movimento cristão já ganhava contornos de religião organizada, até mesmo como forma de tentar se preservar da perseguição.


Esse contexto foi altamente perigoso para. A perseguição romana ameaçava a unidade dos cristãos, e a institucionalização ameaçava o amor cristão. Quanto mais a igreja se hierarquizava, crescia a sensação de separação entre os cristãos, e assim, a nova comunidade passava a ganhar traços mais judaicos.


João é um evangelho que denuncia o mal da institucionalização que já ameaçava o grupo dos discípulos. Apesar de toda perseguição romana, o escritor está preocupado com o mal interno, com a distorção da mensagem evangélica, do engessamento que a liturgia e a doutrina já estavam causando entre a comunidade. Um dos fatos que evidenciam tal postura encontra-se na cerimônia do “lava-pés” (Jo 13) que “toma o lugar” da narrativa da última ceia; sugerindo que o evangelista estava mais preocupado em ensinar sobre a essência e a atitude cristã que antecede a ceia do que mencionar a própria cerimônia em si, já bastante conhecida dos cristãos da época.
Sendo assim, para deixar ainda mais exposto o cerne da mensagem de Jesus, João conta a metáfora da videira.


A videira era conhecida entre os cristãos judeus, por ser símbolo da nação judaica entre os profetas do Antigo Testamento (Jr 2:21, Is 5:1). Ao ser chamado de Videira, a imagem que vinha ao povo judeu era do cuidado e da eleição de Israel como povo de Deus entre os vários povos. A mensagem era: “Somos uma nação escolhida e cuidada por Deus, pois temos guardado seus mandamentos”. O povo que era videira tinha Deus como seu agricultor, o qual zelava pelo povo através da manutenção da Sagrada Lei.


Naturalmente, para alguns, Jesus mudou o foco da simbologia da videira, sendo agora o símbolo da Igreja, da comunidade de Cristo. Porém, o Jesus joanino é mais radical. Deus é tanto o agricultor como também é a própria Videira, a Videira Verdadeira.


Tal mudança trazia consigo algumas considerações que deveriam ficar vivas nas mentes dos cristãos daquele tempo, como também em nossas mentes.

1ª Jesus como a Videira é símbolo máximo da renuncia de Deus para relacionar-se conosco, caminhando no chão da nossa existência. O Agricultor cuida e assiste a videira crescer e frutificar, mas do lado de fora. Jesus, porém, é quem passa para lado de dentro, quem vive a nossa vida e se compadece de nós como mediador que conhece nossas fraquezas porque as experimentou e as venceu. Para homens perseguidos que estavam vendo Jesus distante, atrasado em sua Parousia; pensar nele como videira plantada em nossa vida, nosso chão, era como recobrar o animo e reacender a fé. Jesus como Videira é o Cristo que permanece convosco até a consumação dos séculos.


2ª Na videira Jesus somos simplesmente ramos, galhos. Com isso, Jesus recobra a nossa insignificância diante da “graça-seiva”, concedida por ele, para que frutifiquemos. Somos galhos, e somos mais abençoados à medida que permitimos que a “seiva-graça” possa encontrar em nós caminho para circular. Assim sendo, a qualidade do galho resume-se a se tornar mais semelhante à videira, caminhando em um só sentido com a videira, e qual é o objetivo da videira senão frutificar? E qual o fruto de Cristo em nós que não seja o amor mútuo, que se manifesta no serviço ao próximo e encontra respaldo na oração a Jesus?

Tais pontos são como soco “na boca do estômago”, mina nossa pretensão de sermos instituição, quando Jesus quer de nós que sejamos apenas organismos vivos, frutificadores da Graça de Deus em Jesus, sem diferenciação, pois galho é galho.


Jesus Videira Verdadeira é o Cristo que suja os pés na nossa caminhada, esse é o Cristo que importa a nós estarmos ligados. Ele sendo Videira, destrói toda pretensão de sermos nós o sustentáculo do mundo, de determinarmos quem é ou não galho, de sermos nós mesmos o fim em si. Somos apenas instrumentos para que se evidencie no mundo o fruto de Cristo, sem auto-glorificação. Não é a instituição que faz de nós um grupo unido e amoroso, mas sim o quanto estamos ligados e comprometidos com o Cristo-Videira Verdadeira.

Creiamos nisso!

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