O livro de Atos é uma preciosidade histórica que foi incluída nas páginas do Novo Testamento justamente pelo seu caráter histórico. Podemos dizer que, ao modo de Lucas, esse é um relato histórico das origens cristãs.
Digo “ao modo de Lucas” porque o autor não é imparcial como seria hoje um historiador (pelo menos em tese). Lucas imprime sua teologia e seus paradigmas em cada parágrafo do livro, desejando mostrar como a mensagem chegou até os “confins da terra”, que no caso significava Roma; e para isso ele mostra Paulo como o grande arauto do evangelho aos gentios, lançando assim na obscuridade o trabalho dos demais apóstolos.
Apesar dessa divisão no livro, entre os atos de Pedro e Paulo, o livro tem muito a nos ensinar sobre as crises vividas pela comunidade cristã. Precisamos ler sobre as origens da Igreja sem romantismos, mas sendo realistas. Lucas, apesar de suas preferências, não esconde as falhas que acontecem no grupo apostólico. Erros e falhas na interpretação da mensagem de Jesus não são unicamente privilégios nossos, mas também já fizeram parte da história primitiva da Igreja.
Minha intenção é buscar reler os Atos dos Apóstolos de forma mais realista, e realismo não implica falta de fé, mas sim maturidade para discernir os movimentos humanos em torno da mensagem e da missão de Jesus. Comecemos pelo capítulo 1.
Capitulo I – A missão e o Reino
O primeiro capítulo de Atos já trata do comissionamento dos apóstolos para uma missão especial, passando a ensinar sobre o Reino de Deus durante quarenta dias após sua ressurreição e sobre a necessidade de uma capacitação especial do Espírito Santo para o exercício da missão (1:1-4). A equação “missão + poder do Espírito = Reino de Deus” é o grande tema do livro de Atos.
Infelizmente Lucas não se propôs a falar sobre os ensinos do Jesus Ressurreto, que provavelmente tinha um caráter especial. Porém, a história dos discípulos no caminho de Emaús, narrada no evangelho, nos dá uma pista de que o provável ensino de Jesus era sobre como as profecias messiânicas encontraram cumprimento em Jesus e como está sendo instituído o Reino de Deus. Mas entre o que Jesus ensinou; o que os apóstolos pregaram, e o que foi compreendido pelos conversos; existem certas diferenças importantíssimas a serem notadas, e tentaremos perceber tais diferenças com o decorrer da leitura do livro.
Uma das primeiras perguntas equivocadas já é feita neste capítulo. Depois de todos os ensinos de Jesus sobre a natureza e o caráter de seu Reino, ainda sim os discípulos perguntam sobre restauração do Reino Davídico em Israel (1:6). A resposta de Jesus é interessante:
E ele respondeu-lhes: Não compete a vós conhecer tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade. Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria, e até aos confins da terra. (1:7-8)
O maior sonho da nação judaica era ter de volta sua autonomia política, com um herdeiro de Davi no trono. Na mente dos apóstolos esse herdeiro era Jesus, que já havia dado provas suficientes de que era o Messias. A ressurreição de Jesus encheu-os de coragem para lutar, mesmo que se entregando a morte, para que esse reino fosse inaugurado.
Mas Jesus não estava preocupado em dissolver este equívoco do pensamento apostólico. Fazer isso naquele momento da Igreja seria prematuro e causaria desânimo sobre os discípulos, pois querendo ou não, foi a esperança de um reino político iminente que impulsionou o grande movimento missionário que se viu na Igreja Primitiva.
Isso já ensina uma coisa importante sobre a Igreja: nem sempre caminhamos pelos motivos certos ou mesmo anunciamos com todo o discernimento sobre a vontade de Deus. Muitas vezes na história da Igreja a busca pelo poder temporal fascinou cristãos de tal forma a deturpar a mensagem do evangelho. O Reino de Israel (ou da Igreja) já tarda, e sendo assim, criamos meios para que de alguma forma a Igreja seja um reino também na esfera temporal.
Nós falamos muito que Jesus não veio ao mundo criar uma religião, e concordo plenamente com isso. Contudo, Jesus sabia que sua mensagem tocaria vidas e criaria ajuntamento de pessoas que confessariam uma mesma fé nele. Portanto, ajuntamentos humanos inevitavelmente exigem política, exercício do poder e relações (por muitas vezes complicadas) entre líderes e liderados. A preocupação de Cristo é que as disputas de poder dentro e fora dos grupos cristãos se fixassem como o alvo e a missão da nova Igreja. Para que isso não ocorresse, Jesus fixa uma missão e um poder que estão além da compreensão humana: o testemunho de Cristo no poder do Espírito.
De tal modo, mais do que se preocupar com política, poder, autonomia; Jesus afirma que o caminho a ser seguido é o do testemunho cristão. A missão que Jesus atribui a Igreja era uma forma de evitar que o grupo se perdesse em disputas que não eram dignas do caráter do reino. Anunciar e testemunhar eram os objetivos dos quais a Igreja não poderia se desviar, mas infelizmente a história mostra o contrário.
Acredito que a expectativa criada pelos apóstolos foi a seguinte: “Bem, vamos anunciar Jesus com todo nosso empenho, formando discípulos que farão parte do novo reino que ele irá inaugurar aqui em Jerusalém por ocasião da sua vinda. Vamos testemunhar, porém sem sair de Jerusalém, porque em breve Jesus virá tomar o reino das mãos de Herodes e será o nosso Rei”.
Essa mentalidade monárquica, provinciana e política do Reino de Deus manteve-se entre os primeiros discípulos, fortemente influenciados pela cosmovisão judaica, por muito tempo. Sendo assim, a primeira atitude do grupo apostólico foi a de preencher a vaga deixada por Judas Iscariotes para que o grupo de doze apóstolos pudesse iniciar sua missão evangelizadora.
Concluímos aqui percebendo que o ínicio da Igreja não foi isento de compreensões equivocadas. Apesar de todo o ensino e explanação de Cristo, os apóstolos ainda eram passiveis de interpretações falhas. Apesar disso, Jesus não busca logo repreender os discípulos, corrigindo-os quanto à real natureza do Reino de Deus, pois isso demandaria tempo e experiência. Algumas coisas são discernidas espiritualmente com o passar do tempo, na caminhada, e tal processo não está isento de erros. Mesmo que se faça por motivos errados, o Espírito Santo, que concede o poder para fazer, também concederá a capacidade para discernir, no momento certo, os reais motivos do testemunhar sobre Jesus no mundo.
Ah Senhor! Como precisamos nos nossos dias de discernimento.
Digo “ao modo de Lucas” porque o autor não é imparcial como seria hoje um historiador (pelo menos em tese). Lucas imprime sua teologia e seus paradigmas em cada parágrafo do livro, desejando mostrar como a mensagem chegou até os “confins da terra”, que no caso significava Roma; e para isso ele mostra Paulo como o grande arauto do evangelho aos gentios, lançando assim na obscuridade o trabalho dos demais apóstolos.
Apesar dessa divisão no livro, entre os atos de Pedro e Paulo, o livro tem muito a nos ensinar sobre as crises vividas pela comunidade cristã. Precisamos ler sobre as origens da Igreja sem romantismos, mas sendo realistas. Lucas, apesar de suas preferências, não esconde as falhas que acontecem no grupo apostólico. Erros e falhas na interpretação da mensagem de Jesus não são unicamente privilégios nossos, mas também já fizeram parte da história primitiva da Igreja.
Minha intenção é buscar reler os Atos dos Apóstolos de forma mais realista, e realismo não implica falta de fé, mas sim maturidade para discernir os movimentos humanos em torno da mensagem e da missão de Jesus. Comecemos pelo capítulo 1.
Capitulo I – A missão e o Reino
O primeiro capítulo de Atos já trata do comissionamento dos apóstolos para uma missão especial, passando a ensinar sobre o Reino de Deus durante quarenta dias após sua ressurreição e sobre a necessidade de uma capacitação especial do Espírito Santo para o exercício da missão (1:1-4). A equação “missão + poder do Espírito = Reino de Deus” é o grande tema do livro de Atos.
Infelizmente Lucas não se propôs a falar sobre os ensinos do Jesus Ressurreto, que provavelmente tinha um caráter especial. Porém, a história dos discípulos no caminho de Emaús, narrada no evangelho, nos dá uma pista de que o provável ensino de Jesus era sobre como as profecias messiânicas encontraram cumprimento em Jesus e como está sendo instituído o Reino de Deus. Mas entre o que Jesus ensinou; o que os apóstolos pregaram, e o que foi compreendido pelos conversos; existem certas diferenças importantíssimas a serem notadas, e tentaremos perceber tais diferenças com o decorrer da leitura do livro.
Uma das primeiras perguntas equivocadas já é feita neste capítulo. Depois de todos os ensinos de Jesus sobre a natureza e o caráter de seu Reino, ainda sim os discípulos perguntam sobre restauração do Reino Davídico em Israel (1:6). A resposta de Jesus é interessante:
E ele respondeu-lhes: Não compete a vós conhecer tempos e os momentos que o Pai fixou com sua própria autoridade. Mas recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e a Samaria, e até aos confins da terra. (1:7-8)
O maior sonho da nação judaica era ter de volta sua autonomia política, com um herdeiro de Davi no trono. Na mente dos apóstolos esse herdeiro era Jesus, que já havia dado provas suficientes de que era o Messias. A ressurreição de Jesus encheu-os de coragem para lutar, mesmo que se entregando a morte, para que esse reino fosse inaugurado.
Mas Jesus não estava preocupado em dissolver este equívoco do pensamento apostólico. Fazer isso naquele momento da Igreja seria prematuro e causaria desânimo sobre os discípulos, pois querendo ou não, foi a esperança de um reino político iminente que impulsionou o grande movimento missionário que se viu na Igreja Primitiva.
Isso já ensina uma coisa importante sobre a Igreja: nem sempre caminhamos pelos motivos certos ou mesmo anunciamos com todo o discernimento sobre a vontade de Deus. Muitas vezes na história da Igreja a busca pelo poder temporal fascinou cristãos de tal forma a deturpar a mensagem do evangelho. O Reino de Israel (ou da Igreja) já tarda, e sendo assim, criamos meios para que de alguma forma a Igreja seja um reino também na esfera temporal.
Nós falamos muito que Jesus não veio ao mundo criar uma religião, e concordo plenamente com isso. Contudo, Jesus sabia que sua mensagem tocaria vidas e criaria ajuntamento de pessoas que confessariam uma mesma fé nele. Portanto, ajuntamentos humanos inevitavelmente exigem política, exercício do poder e relações (por muitas vezes complicadas) entre líderes e liderados. A preocupação de Cristo é que as disputas de poder dentro e fora dos grupos cristãos se fixassem como o alvo e a missão da nova Igreja. Para que isso não ocorresse, Jesus fixa uma missão e um poder que estão além da compreensão humana: o testemunho de Cristo no poder do Espírito.
De tal modo, mais do que se preocupar com política, poder, autonomia; Jesus afirma que o caminho a ser seguido é o do testemunho cristão. A missão que Jesus atribui a Igreja era uma forma de evitar que o grupo se perdesse em disputas que não eram dignas do caráter do reino. Anunciar e testemunhar eram os objetivos dos quais a Igreja não poderia se desviar, mas infelizmente a história mostra o contrário.
Acredito que a expectativa criada pelos apóstolos foi a seguinte: “Bem, vamos anunciar Jesus com todo nosso empenho, formando discípulos que farão parte do novo reino que ele irá inaugurar aqui em Jerusalém por ocasião da sua vinda. Vamos testemunhar, porém sem sair de Jerusalém, porque em breve Jesus virá tomar o reino das mãos de Herodes e será o nosso Rei”.
Essa mentalidade monárquica, provinciana e política do Reino de Deus manteve-se entre os primeiros discípulos, fortemente influenciados pela cosmovisão judaica, por muito tempo. Sendo assim, a primeira atitude do grupo apostólico foi a de preencher a vaga deixada por Judas Iscariotes para que o grupo de doze apóstolos pudesse iniciar sua missão evangelizadora.
Concluímos aqui percebendo que o ínicio da Igreja não foi isento de compreensões equivocadas. Apesar de todo o ensino e explanação de Cristo, os apóstolos ainda eram passiveis de interpretações falhas. Apesar disso, Jesus não busca logo repreender os discípulos, corrigindo-os quanto à real natureza do Reino de Deus, pois isso demandaria tempo e experiência. Algumas coisas são discernidas espiritualmente com o passar do tempo, na caminhada, e tal processo não está isento de erros. Mesmo que se faça por motivos errados, o Espírito Santo, que concede o poder para fazer, também concederá a capacidade para discernir, no momento certo, os reais motivos do testemunhar sobre Jesus no mundo.
Ah Senhor! Como precisamos nos nossos dias de discernimento.
2 comentários:
_po cara , com todo respeito pelo seu ponto de vista:o seu comentario ta parecendo o comentario de alguem q parece o dono da verdade!se liga cara : o que LUCAS ESCREVEU , a um certo TEOFILO e que chegou ate nos ,foi revelaçao de DEUS!vc usa o termo INFELISMENTE,para um comentario q segundo vc , LUCAS deveria FAZER:nao entendi nada!
Uso indevido do termo" infelismente", considerando que o que dizia respeito diretamnte sobre Jesus, Lucas o fez no evangelho que traz o seu nome, assim o que o autor biblico busca é registrar para a posteridade o caminhada da igreja em seus primórdios apontando para o futuro como seria continuada a obra evangelizadora cujos atos seriam norteados pelo Espirito Santo na igreja, conforme Jesus disse que seria.
alberto
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